Após cancelamento, Ed Motta reestreia com ‘medo’, roadie novo e até piseiro
Em SP, ele disse que até saco de xixi poderia voar no palco —e ele nada falaria
Ed Motta voltou aos palcos após, em suas palavras, ser cancelado —por causa de suas próprias palavras quando, da pior forma possível, demitiu um roadie no meio de um show no festival Rock The Mountain, no Rio de Janeiro, em novembro de 2024. Portanto, o concerto no Teatro Bradesco, em São Paulo, comemorava essa retorno à vida pública —e, de lambuja, 30 anos dos álbuns “Manual Prático Para Baile e Afins” e “As Segundas Intenções do Manual”, de 1997 e 2000, seus maiores sucessos comerciais.
“Podem tacar um saco de xixi em mim e eu vou agradecer”, disse em um dos vários momentos em que analisava como um trouble boy. Em entrevista à Billboard Brasil, ele relembrou que sempre foi o garoto problema na escola. No perfil intitulado “Ed Motta: as dores e a delícia de ser ‘o gênio que a gente tem de aguentar'”, o compositor reafirma suas obsessões, diz rejeitar terapia e, sempre rindo, aponta ser um caótico e divertido polemista —a entrevista foi feita antes do episódio lamentável ocorrido no festival.
Portanto, neste show duplamente comemorativo, Ed dançava com a plateia ao mesmo tempo que a cortejava para um novo cenário: menos rabujento e com muitos hits. O flerte, então, começou com “Fora da Lei” (do álbum homenageado), “Colombina” (de “As Segundas Intenções do Manual”, de 2000) e “Manuel” (de “Ed Motta e Conexão Japeri”, de 1988).
O setlist teve de quase tudo: de “Marta” e “SOS Amor” (de “AOR”, 2013), “Baixo Rio” (de “Ed Motta e Conexão Japeri”, de 1988), ao medley com “O Melhor de Mim” (gravada com Eli Soares), “Nascente” (gravada com Flávio Venturini) e “Ainda Lembro” (gravada com Marisa Monte). Ao seu redor, Ed teve a companhia do diretor musical Michel Lima (aos teclados), Abel Carsoso (na guitarra —que Ed cismou de chamar por Abel Ferreira, técnico do Palmeiras), Ivan Lopes (na bateria), Milton Pellegrini (no baixo), Victor Alcantara (no sax), Daniel D’Alcantara (no trompete) e Paulo Malheiros (no trombone)
Instigado pela plateia a todo tempo, o show teve também um cantor que fazia piada com sua própria condição de cárcere de seus próprios pensamentos intrusivos. “Se eu voltar com a live eu não faço mais show!”, respondeu a alguém que pedia as transmissões ao vivo que o cantor fazia pelo Instagram —e que, diversas vezes, gerou debate com fãs de Raul Seixas, de hip hop, entre outras polêmicas de baixa periculosidade na música brasileira. Na maioria das vezes, mesmo, sem passar pano, Ed estava sendo só um egocêntrico (e ótimo) contador de histórias —que passeavam pelo quase encontro com Anderson Paak, o baixo churrasqueira, entre outras.
Outrora, foi com esse mecanismo de comunicação que o compositor passou a compartilhar sua vida e música diária, contendo pérolas contadas com humor único e a permissão de que milhares de pessoas o acessassem em sua intimidade —com histórias que iam desde a sua primeira peripécia sexual, críticas aos técnicos de som, zombaria com fãs de Red Hot Chili Peppers e uma maravilhosa obsessão com a canção “Tem Cabaré Essa Noite”, sucesso na voz de Nivaldo Marques.
E é óbvio que essa estaria dentre os inúmeros pedidos de música que vinham do auditório. “Eu adoro, tá?”, ele disse. Puxando palmas em ritmo de piseiro, ele enfileirou os versos da canção, o refrão e os “ai”, “ui” que complementam-na. Delírio. E alívio.
Ed Motta covering Nivaldo Marques’ “Tem Cabaré Essa Noite” live @ Bradesco Theater pic.twitter.com/GSUdDbv9hs
— yuri da bota som (@yuri_da_bs) June 29, 2025
É interessante ver como Ed Motta flui bonachão e leve quando se dedica à música e ao seu humor sem necessariamente exortar seus demônios em uma sessão de terapia na ágora.
Antes da execução de “Marta”, o cantor, sentindo falta da letra da canção impressa em seu piano, disparou passivo-agressivo: “cadê aquela letra de ‘Marta’ que havíamos combinado que estaria aqui?”. Não demorou alguns segundos para que ele começasse a cantarolar “Aquarela do Brasil”, descontente com o serviço. Quando a letra chegou, ele adulou o roadie Zé Ovo (baixista da banda Little Quail and The Mad Birds), cravando-lhe como o melhor do Brasil. “Estamos voltando a trabalhar juntos hoje. Tá vendo, gente? Eu não sou esse monstro todo”. Todo mundo riu, mas esse é momento em que as coisas, na voz de Ed, parecem passar da linha tênue entre brincadeira e sacanagem pesada. Foi numa dessa que ele chamou de “filha da puta” o roadie lá no Rock The Mountain.
Quando maestro, instrumentista e cantor, se faz impossível não sentir vontade de mais. E é o que esse show provoca: uma sensação de vazio —apesar do preenchimento que se sente ao vê-lo no palco.
Do álbum homenageado em questão, pouco se ouviu. Uma introdução compilaria, de uma só vez, arranjos de canções como “Birinaite” e “Lustres e Pingentes” —esta última causando imensa frustração de ser apenas um tema introdutório no show. Completas vindas de “Manual Prático Para Baile e Afins” apareceram apenas “Falso Milagre do Amor”, “Daqui pro Meier” e “Vendaval”, além da supracitada “Fora da Lei”. Quem quase lotou o Teatro Bradesco ficou, porém, satisfeito com a jogada: saiu de lá ouvindo canções como “Tem Espaço na Van” e “Minha Casa, Minha Cama, Minha Mesa” (de “Poptical”, de 2003) e “Dez Mais Um Amor”, (de “As Segundas Intenções do Manual”, de 2000).
Nos momentos em que não se censurou, Ed foi um entertainer: dançou, fez piada de si, da plateia, cantou hits, versões das canções de Phil Collins para o filme “Tarzan”.
“O que eu aprendi disso é que tenho que calar minha boca, só isso. Não me arrependo de nada, não mudei de opinião nenhuma, só tenho que ficar quieto, ter inteligência emocional para ficar quieto, como a maioria dos seres humanos.”, disse em entrevista à rádio CBN. Também chamou o consumidor brasileiro de “caipira” e que estava “sem fazer um show desde novembro do ano passado, isso não é normal. Isso é uma retaliação em cima da opinião, é uma forma de censura velada”, sacramentou.
Ele não incluiu nenhuma canção de seu mais recente álbum “Behind The Tea Chronicles”. Talvez por achar que aquele público ali —que dança e se diverte com suas artimanhas— não tenha muita capacidade de compreender a outra parte jazz e experimental de sua obra, que se estende por álbuns como “Dwitza”.
Na saída do teatro, a sensação do show foi resumida por alguém que cravou um “o filho da puta é um filho da puta” em tom bastante elogioso.