Quem é a brasileira por trás de grandes trilhas sonoras da DreamWorks?
Vivian misturou música e cinema e se tornou referência no ramo


Atire a primeira pedra quem nunca saiu de uma sala de cinema cantarolando a música-tema do personagem principal ou alguma engraçadinha, sobre um momento do filme. Essa é, certamente, uma missão impossível. As trilhas sonoras de produções audiovisuais são tão cativantes que, muitas vezes, ficam marcadas no imaginário desde a infância até a vida adulta. Ou vai me dizer que você não se lembra de “Shrek” ao ouvir a faixa “All Star” da banda Smash Mouth? Por trás dessa mágica está o olhar atento – e ouvido apurado – de uma brasileira que, a passos pacientes, vem deixando sua marca em Hollywood.
Vivian Aguiar-Buff nasceu em São Paulo, e o cinema sempre foi seu objetivo. Formou-se na FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado, mas acabou esbarrando em outras funções antes de conquistar aquele lugar almejado. “Eu não sabia o que eu queria fazer dentro do cinema… Eu sabia que eu queria fazer cinema, só. A gente não sabe o que é uma profissão até sentar e fazer”, conta, em entrevista para a 15º edição da Billboard Brasil. Neste mar de dúvidas, trabalhou em agências de publicidade, na área de rádio e televisão e em produtoras.
Em determinado momento da vida, decidiu deixar o emprego formal de lado para se dedicar a outra paixão: a música.
Durante cinco anos, Vivian foi DJ profissional e viajou o Brasil tocando sets autorais – algo raro no início dos anos 2000. A coisa era tão séria que chegou a ter um agente para representá-la. “Na época, o YouTube ainda estava no começo, não tinha tanta referência. E aí eu fui conhecer amigos pelos amigos, aprendendo com eles”, relembra, com carinho, do período do qual ela ainda sente falta. “E eu tive que abandonar totalmente minha carreira anterior quando eu comecei a tocar, porque eu tocava de terça a domingo”. Essa imersão musical a fez perceber que seu caminho poderia (e deveria) unir imagem e som.
O cinema, no entanto, nunca deixou de chamá-la. Unir imagem e som se tornou uma meta real. Após se casar, mudou-se para Boston para estudar trilha sonora, composição e regência na Berklee College of Music. Com o diploma na mão, fez as malas rumo a Los Angeles. “Fui na cara e na coragem. Não conhecia ninguém. Fui batendo de porta em porta”, lembra.
A porta que se abriu foi a da Remote Control Productions, estúdio de Hans Zimmer, compositor de filmes como “Gladiador”, “Interestelar” e “O Rei Leão”. Lá, Vivian teve seu primeiro contato com a rotina da criação de trilhas. Trabalhou como assistente de produção em animações e live-actions. “Aprendi tudo sobre o processo nessa época.”
A vivência pavimentou o caminho dela até a DreamWorks, onde hoje atua como Diretora Musical. “É uma profissão que as pessoas ainda não conhecem tanto no Brasil”, observa. Na prática, ela define o conceito musical dos filmes junto a diretores, escolhe compositores, supervisiona licenças e encomendas de faixas originais. A partir disso, Vivian entra em ação: seleciona compositores que mais combinam com aquele trabalho específico, cuida do licenciamento de faixas e também da encomenda de faixas inéditas. É um trabalho completo, criativo e minucioso.
“Eu supervisiono a música dentro do estúdio em todo os quadrantes possíveis. Seja em ações de marcas, em quais lugares a música será tocada. É uma visão realmente em 360 graus”, explica. Até mesmo aquela musiquinha que toca quando você aperta a barriguinha de um bicho de pelúcia, inspirado em algum personagem, passa pelo crivo de Vivian.
O processo de criação ao lado de compositores também faz parte do seu dia a dia — especialmente quando a missão é encontrar a melodia que vai grudar na cabeça do público. “Precisa ser algo que comunique muito bem, de uma forma simples. É uma coisa especial, que conecta com quem escuta. O sonho é sempre encontrar esse artista, que tenha uma voz especial para escrever aquilo que vai transmitir o que o filme quer.”
Um dos exemplos da execução desse trabalho foi a inclusão de “Apocalypse Dreams”, do Tame Impala, no filme “Orion e o Escuro”, que rendeu uma indicação ao Emmy dedicado unicamente às animações infantis e adolescentes, em março de 2025. Dois anos antes, em 2023, sua equipe venceu o mesmo prêmio pelo trabalho em “Kung Fu Panda: Dragon Night”. “Meu diretor disse que queria ele [Kevin Parker, vocalista da banda] em ‘Orion’. Ok, fomos atrás. Eu o trouxe ao estúdio, mostrei o filme. Fizemos todo o processo de licenciamento e aconteceu”.
Veja o trailer de Orion e o Escuro, filme que Vivian trabalhou
Essa função também se conecta diretamente à trajetória de Vivian como compositora de trilhas. Uma mistura de seus tempos nas baladas brasileiras, criando suas próprias faixas, até o período de imersão ao lado de titãs da música para cinema. Ela destaca que a jornada do audiovisual acontece de forma colaborativa, e isso também se aplica à parte sonora. “A gente cria um conceito baseado na essência do filme, e a mensagem que ele quer mostrar por meio das imagens. São conversas e mais conversas filosóficas para chegar num conceito. Demora muito tempo para acontecer”. Enquanto conversamos, confesso para Vivian todas as músicas que ainda vivem no meu imaginário das incontáveis animações que assisti durante a infância (e vejo até hoje). Ela atribui essa memória à forma como a canção é pensada. “Ela fala com você de outra maneira. Então imagina… Até chegar na escolha dessa música, leva tempo demais.”
Seu trabalho, silencioso aos olhos do grande público, tem sido essencial para criar experiências sonoras inesquecíveis. É ali, nos bastidores, que ela ajuda a dar forma ao que mais nos emociona no cinema: a combinação perfeita do áudiovisual.
Quando questionei Vivian sobre a presença feminina nesse contexto profissional, ela foi assertiva: “Já fiquei frente a frente com essa pergunta, sobre mulheres no mercado, diversas vezes. Quando eu tinha 19 anos, era um cenário diferente. Hoje, com quase 44, sinto que as coisas estão mudando, apesar da necessidade da pergunta continuar existindo.” Ela destaca que essas transformações já se refletem no dia a dia:
“Hoje, meu time é inteiramente feminino, e existem outras mulheres em posições de liderança acima de mim. Nós estamos conquistando nossos espaços”.
Ao cruzar oceanos com fones no ouvido e uma ideia na cabeça, Vivian não só encontrou seu lugar no cinema — ela criou um. Em um mercado onde poucos brasileiros chegam, e menos ainda mulheres, a Diretora Musical abriu caminhos com talento, coragem e consistência. Hoje, sua assinatura sonora reverbera em animações que emocionam o mundo inteiro. E isso, sim, é trilha inesquecível.