Veja foto, textos e poesias de Núbia Brasileiro, avó de Matuê
Matriarca da família de sobrenome patriótico foi homenageada no The Town
Em uma das apresentações mais emocionantes de sua carreira até hoje, Matuê homenageou sua avó, Núbia Brasileiro, no palco da primeira edição do The Town, que aconteceu em setembro deste ano.
Durante a performance, o cantor exibiu imagens e, com o auxílio de inteligência artificial, ouviu a vó, que era poeta e escritora, recitar alguns de seus textos para a multidão que inflamou aquela tarde quente de domingo no Autódromo de Interlagos.
Abaixo, trouxemos algumas obras de Núbia Brasileiro, cedidas pela equipe de Matuê para a Billboard Brasil.
AUTO RETRATO/OU/GENTE LUA/GENTE SOL
Eu não sou lua, sou sol;
o sol se mostra por inteiro:
não se esconde, se entrega,
e dá seus raios à terra,
espalhando vida e luz.
A lua, só negaceia,
nos esconde a outra face.
Ora vem, desaparece,
ora míngua, ora cresce,
vive em eterno disfarce.
Eu não sei esconder nada;
sou assim como as crianças:
tudo na face eu exponho,
alegrias, esperanças,
dor, frustações e sonhos.
Seja sol, você também!.
Seja centro em seu sistema,
divida o que você tem
dentro do seu universo
e tenha essa missão por sua.
Mas conviva bem com a lua.
Não a despreze, nem julgue.
Cada astro tem seu modo,
tudo tem verso e reverso,
tudo tem seu lado impuro.
Não há claro sem escuro,
não há corrente sem elo
Como o dia apreciar
se não existisse noite?..
Noites cheias de luar.
Como o sol, eu me divido,
me espalho, me entrego,
sou fogo, ilumino, aqueço
ao mundo, aos meus, aos amigos,
até a quem não conheço.
Tudo é útil, tudo é belo
no próprio modo de ser.
Sendo-se lua ou sol,
O IMPORTANTE É SER FAROL
ILUMINANDO O VIVER!
A HOSPITALIDADE CEARENSE E OS ARTISTAS DA TERRA
Tenho uma teoria muito pessoal sobre as razões que determi-
naram em nós cearenses, a prática da hospitalidade. Uma hospitali-
dade exacerbada, levada às últimas consequências em tudo que
seja agradar ao visitante. Diz um amigo paulista, que por mais que
deseje, não consegue receber como o recebemos aqui. Falta de
tempo, mas principalmente de jeito, de vocação. Essa ninguém tem
mais que vocês, diz ele.
Ao tempo em que o braço da Inquisição quis alcançar os ju-
deus do Brasil, grande parte deles veio refugiar-se no Ceará, arri-
mados na segurança que a distância e sobretudo o diffcil acesso ao
Estado, proporcionava. O Ceará, geograficamente era considerado
um saco. A “boca” era os “verdes mares bravios” (bravios de verda-
de e não apenas por força de expressão de José de Alencar) sem
baias, sem ancoradouros; o “fundo”, as serras e chapadas, (com in-
dios também bravios) constituiam obstáculo difícil de ser vencido a
pé ou em lombo de animal.
Ora, com tais dificuldades, era muito raro recebermos visitas.
E al vem minha grande “tirada sociológica” certamente quando o
visitante chegava, despertava tal alegria, que oferecia-se a ele (co-
mo tez Iracema), a melhor cabana, a mais macia rede, o côco mais
doce, o passeio para ver o pôr-do-sol e as delícias do mar. (Aquela
flechada no guerreiro branco? foi puro charme). E até hoje somos
assim, damos o melhor do que temos e do que somos para cativar
nossas visitas. Colocamos a pessoa no colo mal ela desce do
transporte que a trouxe e a
“embalamos e ninamos” até a hora da
partida. Para isso cancelam-se os compromissos mais importantes,
gasta-se até o que não se possui e a satisfação que conseguirmos
proporcionar, é o único pagamento que se deseja ganhar.
Depois da Rede Globo, até que o nosso queixo não despenca
tanto como acontecia antigamente, ao se ouvir o “chiado” do “s”, o
arranhado do “” e a “música diferente dos sotaques alienígenas.
Mas, continuamos a prestigiar, a valorizar o que é de fora.
A castanha do caju só obteve status depois que saiu das
trempes dos quintais e voltou do Sul, enlatada.
Também só prestigiamos artistas conterrâneos quando vão ao
“Sul Maravilha” e recebem a consagração dos de lá. Aí sim, acredi-
tamos neles; assim mesmo, de longe, no palco, porque continuamos
ainda incapazes de demonstrar a um artista da terra, ao encontrá-lo
em lugares públicos, aquele carinho que o carioca, o baiano, não sa
acanha de dar aos seus astros. Alguma coisa nos tolhe de ir a
eles, abraçá-los e dizer do nosso carinho e do nosso orgulho pelo
seu sucesso.
Ser hospitaleiro é certo, mas valorizar o que é da terra também é certo e muito bom.
FORTALEZA, MINHA AMADA
Contemplo minha cidade. Sua brisa doce e constante afaga o
meu rosto a demonstrar como é sincera, forte e antiga a nossa ami-
zade.
ilumina-a beijando as águas verdes do mar.
Um sol exuberante, quente como a hospitalidade de seu povo,
‘Abriga em seu seio um povo alegre, de riso fácil, que confia no
outro, que presta com prazer a informação pedida, que não se abala
com quase nada (“Desgraça pouca é tiquim”), que não se espanta
com pouca coisa. No sangue desse povo ficou a bravura do janga-
deiro, o arrojo do vaqueiro, o desteror de seus heróis. Na alma ti-
cou a mansidão das palmas dos coqueiros, a beleza do pór-do-sol, a
altivez das dunas.
Lanço meus olhos sobre sua vastidão coberta de verde. O
agreste está longe. Tudo é bonito, simétrico, harmonioso. Nem la-
deiras, nem depressões, nem encostas íngremes, nem rios caudalo-
sos. Tudo lembra segurança e paz.
Não sei se já te disse, Fortaleza, o quanto sofro quando me
afasto de ti. Teu sol me faz falta, tua ausência me angustia. Não
gosto do frio, não gosto do jeito desconfiado de alguns lugares. Sin-
to-me perdida em ruas que não me dizem nada, que não contêm
lembranças, que não me dizem onde estou. Gosto da segurança e
do aconchego que sinto perto de ti, cidade minha.
Outras cidades podem ser maiores, mais movimentadas, mais
famosas, mais bonitas, mas nenhuma é você. De nenhuma eu res-
pirei o ar desde o primeiro momento da vida, nenhuma me viu cres-
cer, nenhuma acompanhou meus sonhos de adolescente, nenhuma
me acolhe e trata como só você sabe fazer.
Todos cantam os rios de suas aldeias. Eu canto o teu Pajeú,
tão pequenino que passava no meu quintal.
Poderia falar do teu antigamente, mas evito porque sei o
quanto és moderna, cosmopolita, pouco afeita ao que ficou para
trás. Falo então que gosto de ti como és, do jeito que és, que gosta-
rei sempre. Do jeito que fores.
Que estranho poder, que misteriosa sedução, essa que exer-
ces sobre teus amantes. Não os amarras com correntes; prende-os
com elástico. Por mais longe que se afastem sempre voltam para te
abraçar, para se sentirem teus novamente.
Fortaleza Mulher. Meio provinciana, meio moça moderna, “loj-
ra desposada do sol”, como te exaltou o poeta. Sabes que és boni-
ta, carinhosa, envolvente, sedutora,
Ver-te uma vez é amar-te para sempre.
Outras cidades existem, mais belas, mais imponentes, mais
importantes, nenhuma porém igual a ti, Fortaleza. Benza-te Deus.