Em julho, mais de 420 mil pessoas disputaram ingressos para o aguardado show de The Weeknd em São Paulo, marcado para este sábado (7) e pouco menos de um ano depois de sua última passagem pelo país. O avassalador sucesso de “Blinding Lights” ajudou a dar ao canadense, de 34 anos, o título de artista mais popular do planeta pelo “Guinness World Records”, em março do ano passado –e que acabou de perder para Billie Eilish. No Hot 100 da Billboard, a música conquistou o topo, ficou entre as mais ouvidas por 90 semanas e impulsionou a popularidade dos discos “After Hours” (2020) e “Dawn FM” (2022) –read it in English here.
Apenas 16% daquelas 420 mil pessoas conquistaram a chance de ver pessoalmente Abel Tesfaye –no que será a revelação, em primeira mão, da nova era de sua carreira. O êxito nos palcos e na disputada indústria da música não eximiu o compositor, no entanto, de lutar com a saúde mental. Mas, segundo ele, desistir nunca esteve nos planos. Uma das palavras-chave de sua nova fase é, justamente, renascimento.
A escolha da capital paulista para esse início de turnê não se deu à toa. The Weeknd esteve na cidade em outubro passado, cantando em duas noites esgotadas no Allianz Parque com o show “After Hours Til Dawn”. Foi na capital paulista que Abel compôs a música central do novo disco, “Hurry Up Tomorrow” – carinhosamente apelidado de “Frankenstein” pelo cantor por explorar diferentes sonoridades, mas sem perder sua essência. Algo que ele faz com maestria.
O canadense detalha a importância do público brasileiro para os próximos passos de sua carreira, que já dura 14 anos e inclui grandes feitos como ter sido o artista mais escutado no Spotify (até Billie o ultrapassar em agosto), com 105 milhões de ouvintes mensais, ganhar quatro prêmios do Grammy (apesar de não inscrever mais os trabalhos na premiação desde 2021, como um statement que sacudiu a indústria) e arrecadar mais de R$ 2,8 bilhões em vendas brutas com turnê “After Hours Til Dawn”, que lotou estádios mundo afora.
“Posso falar por todos os artistas quando digo que é difícil colocar em palavras o amor e a energia que o povo brasileiro expressa quando você está no palco”, diz The Weeknd, em entrevista exclusiva à Billboard Brasil.
“Vocês sentem profundamente a música. São Paulo e Rio me lembraram que as frequências que emitimos como músicos são importantes. Me lembram por que eu queria fazer música: para me conectar. Vou passar o resto da vida consciente disso.”
Vencendo o abismo
A abrangência da discografia de The Weeknd é outro fator que explica tamanho sucesso. Ele navega muito bem pelo pop, pelo R&B, pelo eletropop e por outros gêneros, e é certeiro no lirismo sombrio quando canta as dores do amor, da fama e dos desafios que enfrentou (e ainda enfrenta) para viver da música.
Pouco após anunciar o show no Brasil, o cantor falou nas redes sociais sobre “encarar o abismo”. “Abismo pode significar muitas coisas. Para mim, é algo muito específico”, diz na entrevista, em clima de mistério. “Eu o encarei tempo suficiente. Na maioria das vezes, o venci. Mas trabalho nisso todos os dias. Tenho a esperança de que [minha música] ajude outros a enfrentarem e vencerem o abismo também.”
Um desses abismos encarados por Abel é o da saúde mental. “O que faz um homem adulto querer chorar?/ O que o faz querer tirar a própria vida?/ A felicidade dele nunca é real”, ele canta em “I Was Never There”, de 2018. Na fé –ele foi criado em uma família cristã ortodoxa etíope– e na música, o canadense encontrou conforto nos momentos mais difíceis.
“Penso em desistir todos os dias. Mas também encontro propósito todos os dias”, diz o cantor, sem receio de se abrir e mostrar vulnerabilidade. “Meu relacionamento com Deus está mais forte do que nunca. Encontro conforto na presença Dele quando mais preciso. Falo com Ele constantemente. Foi uma longa jornada, mas estou aqui”, conclui.

Tudo planejado
No YouTube, The Weeknd acumula quase 28 bilhões de visualizações em seu canal. “Call Out My Name”, “The Hills” e “Starboy” também fazem parte da extensa lista de hits. As expectativas para a nova era de Abel são as mais altas –tanto dos fãs, quanto da crítica musical. “Dawn FM”, de janeiro de 2022, foi aclamado pelo jornal britânico “The Guardian”, de quem recebeu nota máxima: “Abel Tesfaye confirma seu status como um dos maiores de todos os tempos, com um álbum de esplendor gelado com influências dos anos 1980”. Outro que elogiou o disco foi o jornal norte-americano “The New York Times”. “Seu quinto álbum […] é elegante, vigoroso e também, mais uma vez, uma leve releitura de como a música de grande alcance pode soar hoje em dia, em uma era em que a maioria das estrelas globais abandonou esse conceito.”
“Há sempre pressão para superar meu último projeto”, diz ele sobre a nova era, a ser apresentada pela primeira vez neste show em São Paulo.
“O crescimento é importante. Às vezes, pode não ser o que as pessoas querem ouvir de mim no momento, mas, quando o corpo do trabalho estiver completo, espero que elas possam apreciar o que tenho tentado alcançar. Tenho trabalhado nessa discografia por um longo tempo. Tudo foi planejado”, garante ele, fugindo da mesmice.
“Tento sempre conquistar algo que não tinha feito antes, musicalmente. Às vezes, pode não ficar claro na primeira audição [do disco], mas os fãs parecem decifrar com o passar do tempo”, acredita.
Estar no topo, para o canadense, é subjetivo. “A única pressão para mim é ser melhor do que a versão mais antiga de mim mesmo, focando no crescimento, realizando meus próprios objetivos, e não os de outras pessoas.”
Abel também falou sobre as dores e as delícias da fama, tema comum em sua obra, seja na música ou nas artes visuais. Questionado sobre como manter os pés bem fincados no chão, ele repete a sinceridade demonstrada durante todo o papo com a Billboard Brasil.
“Fico longe das pessoas o máximo possível. Tento ter o máximo de privacidade na minha vida. Eu nunca emito [essa] energia de ‘famoso’. Acho que tentar ser famoso é um talento por si só. Eu não dominei esse talento… E não pretendo”, diz ele, fugindo do burburinho da indústria.
No ano passado, o compositor falou sobre controlar a maneira como é visto e ouvido pelo público. Em meio à transição de conceitos na carreira, ele revisita a ideia.
“Sinceramente, nem me lembro de ter dito isso. Mas todo mundo adoraria conseguir controlar a narrativa. É impossível. Então, você tenta o seu melhor e tira o máximo proveito disso. Menos é mais. Aprendi muito nos últimos dois anos e é definitivamente o menor controle que já tive. Mas aprendi muito, e isso é o mais importante”, avalia.
“Muito controle não é saudável. A colaboração é importante, seja artisticamente, com ideias ou mesmo com energia. Já estive em ambos os lados, sendo muito controlador e não tendo controle suficiente. E se inclinar muito para qualquer um dos lados pode ser perigoso. É um ato de equilíbrio constante, mas os resultados são os melhores.”
Remendando as partes sombrias de si, o Frankenstein de The Weeknd deve trazer os aprendizados do cantor no ápice da fama –e prosseguir com o propósito escolhido para sua vida, levando conforto e um refúgio para aqueles que enfrentam os próprios demônios.
Abel nasceu em Toronto, no Canadá, filho de imigrantes etíopes. Inspirado por Michael Jackson, descobriu o amor pela música ainda jovem. Ele já revelou que era penalizado por cantar em momentos inoportunos, como nas aulas da escola ou na mesa de jantar. Mesmo desencorajado, lançou a primeira mixtape como The Weeknd, “House of Balloons”, em 2011, enquanto dividia o tempo entre a arte e o trabalho em uma varejista de roupas norte-americana.

O projeto entrou no Billboard 200, antecipando o sucesso dos lançamentos seguintes. “Wicked Games”, o primeiro single, estreou em 53º lugar no Hot 100 em 2013. Nos anos seguintes, ficou em primeiro lugar do chart com hits como “Can’t Feel My Face”, “Save Your Tears” e “Die For You”.
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Questionado sobre os cuidados com a mente, o cantor é ainda mais honesto. Brutalmente honesto, como raramente se vê no showbiz. “É curioso você falar disso. Acabei de ter um ataque de pânico logo antes desta entrevista. Minha ansiedade é uma batalha constante, e sinto que ela nunca vai embora. Estou aprendendo a controlá-la, mas já percebi que faz parte da minha vida. Não consigo escapar.”
Abel passou uma fase da adolescência vivendo nas ruas, mas garante: a principal dificuldade que enfrentou na vida foi o questionamento sobre seu propósito e sua conexão com a arte.
“O maior desafio é não saber se você foi feito para isso, não saber se era para ser. A maioria das pessoas ainda não sabe. Sinto que tenho muita sorte. Consegui pegar esses sentimentos depressivos e niilistas e colocá-los no meu trabalho. Isso acabou sendo a minha terapia”, diz ele, citando a corrente filosófica que acredita que a vida não tem valor ou propósito, frequentemente associada ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).