Raul Açucarado: quem são os doces (e novos) personagens do baile funk?
Como os reis do cartão clonados viraram "Raul Açucarado"
Em 2013, o MC Caxangá ensinava o procedê de um estelionatário: “não tem porta giratória pra barrar a nossa entrada; nós entrou pelo sistema, através do chupa-cabra”. Mais do que compactuar com o artigo 171 do código penal, o MC também situa o ladrão como um aproveitador das brechas do sistema: ficar rico, sim, mas roubando banco para poder bancar a vida luxuosa.
Em 2022, quase dez anos depois, o rapper Vulgo FK, dono de “Oi, Como Cê Tá?”, usou o Instagram para passar a visão para a tropa: não adianta cartão clonado (e ficar bonitão na festa com bebidas e roupas caras) se você não está retornando essa grana à família ou para sua comunidade. Ser estelionatário é profissão forte no país e, claro, isso escorreu para as letras do funk e do rap — e ganhou um termo próprio: “Raul”.
Afinal, o que é ser Raul?
O estelionato começou a se popularizar no funk à medida que a sociedade acompanhou a inauguração de uma série de golpes virtuais ou não como clonagem de cartão, trotes telefônicos, mensagens maliciosas no WhatsApp… Em 2018, o MC Kapela cantava o “Bonde do 171”; Em 2019, o MC Keke dizia que o momento estava fácil: “mexia com os pino, hoje mexo com o Santander. Depois de alguns anos, Raul conceituado: especialista em contas e de cartões clonados”.
Artistas como MC Amaral, MC Negão Original e o próprio Kapela são pródigos em canções que descrevem golpes e festas bancadas com o dinheiro adquirido.
“A palavra tem o seu próprio significado. Eu uso o termo pra quem ganha dinheiro fazendo errado e sempre deixa a deseja, está devendo alguém. É óbvio que a questão da não violência faça com que o termo Raul seja muito utilizado nas músicas. Não fazemos apologia ou usufruímos do crime”, explica o MC Negão Original, responsável pelo bordão “Tá Raul, hein, bigode?” e ator da série “DNA do Crime”, da Netflix.
Raul é a gíria para o especialista em golpes bancários, praticante do estelionato. O rapper Kyan, por exemplo, cravou uma frase do imaginário: “Banca de estelionato / é só Raul do terceiro nível”, canta em “brinks!“, do álbum “UM Quebrada Inteligente”, parceria com Mu540.
Segundo o artigo 171 do Código Penal, é crime “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. A pena para um Raul é reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Quem explica a gíria é o escritor Alexandre de Maio, autor do livro “Raul“, lançado em 2018. “Eu conheci um cara do rap que foi preso porque era ‘Raul’. Decidi contar essa história, com ideia de também ensinar pessoas a não caírem nos golpes”, conta o autor. Alexandre acredita que o termo tenha vindo do chupa-cabra que clonava cartões em caixas eletrônicos: o aparelho era chamado de “Raul” já na década de 1980.
Essa dinâmica de dinheiro rápido e com a necessidade de ter uma finalidade ainda mais rápida, faz com que boa parte dos Raul gastem a quantia obtida nos golpes com festa, bebida, balada e roupa de grifa.
“Até mesmo por ser necessário um conhecimento mais específico, uma lábia, existe um glamour. No entanto, Raul também vai preso, não é uma vida fácil”.
BolinhoXZ e a criação do Raul Açucarado
Se você entendeu que os Raul estão portando marca, jóia e bebida cara, você também já flagrou que os caras estão no porte. Só que, em 2023, começou a surgiu uma variante, menos preocupada com a pose de criminoso que ataca o sistema bancário. Uma galera mais doce… Esse, por exemplo, é o BolinhoXZ, autodenominado o “01 dos açucarados”. A jogadinha da franja é o charme de um moleque bonito, chave e suingado.
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Bolinho, que se chama Nicollas William Santana dos Santos, é o Raul mais famoso e doce da internet. “Esse termo ‘Raul’ vem do maloqueiro que se veste bem, anda sempre nas grifes e cabelo na régua. No meu caso, é a franja. E o termo açucarado vem do jovem carismático, carinhoso. E eu peguei isso pra mim depois que acordei e vi meu vídeo com mais de 1 milhão de views”.
O termo foi cunhado pela própria audiência de Bolinho. “O termo veio dos meus fãs. Como eu era um Raul que se vestia bem e tinha franja, me colocaram esse ‘açucarado’ aí”. O jovem, de 15 anos, fala com maturidade sobre homofobia. “Há um certo preconceito dentro da periferia com quem é Raul e dança. Mas eu revolucionei, tendeu? E agora que eu danço, tá vindo um monte de jovem, adolescente e até adulto”, analisa.
O dress code de um Raul Açucarado
Como se veste um Raul Açucarado? “De preferência, a franja, né? Mas se não tiver, um bonezinho e uma camiseta da Armani, uma calça skinny da Jay Jones e um Jordan nos pés”. Mas o look não é o suficiente. “O mais importante é o molejinho da franja, é o charme”, avisa Bolinho, morador da Ponte Rasa, bairro da zona leste de São Paulo. Gravar o irmão Vitor, já apelidado “açucaradinho”, tem sido a maior diversão do influenciador que implora aos seguidores: “não liga para os que os outros vão falar, senão você está perdido”.
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Se o “calvo de cria” não emplacou para além da piada, o Raul Açucarado se conecta com a história, uma linhagem do funk. É a mente vingativa do palhaço chegando mais suave naqueles que só querem dar uma paqueradinha no baile ou apenas uma jogadinha no TikTok. Admire:
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A música oficial de um Raul
Apesar de todo o caráter 171 de um Raul, os açucarados realmente subverteram a lógica até nas escolhas da música. É claro que as que relatam crimes e luxúria continuam dando pinta nos vídeos, mas a música oficial do Raul é o hit “Então Tá”, do MC Carioca Do Sem Terra. Pega os moleques doces:
@lucas_oficial.silva Invadimos tudão kkkkkkkk#foryou #fyp #raul ♬ som original – @lucas_oficial.silva2
