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Mu540: o aluno de Kelly Key e Joelma quer reconhecimento, acesso e menos machos

Mu540: o aluno de Kelly Key e Joelma quer reconhecimento, acesso e menos machos

Viciado em diva pop, Mu540 manda a real para Diplo e faz tributo às primas

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Pergunto a Murilo Oliveira, o Mu540, sobre ser um homem feminino. Sua postura, quase sempre, marca um interessante constraste com as letras de porradaria sexual escritas pelos MCs produzidos por ele desde idos tempos do Jardim Melvi, na Praia Grande, litoral sul de São Paulo — e um dos redutos do funk paulista desde a época de volt-mix.

Indicado na categoria (100% masculina) “DJ do ano”, do Prêmio Multishow, ele lançou um álbum (“UM Quebrada Inteligente”, com o fiel Kyan), um EP (“No Susto”) e é responsável indireto por um dos maiores hits automotivos do funk brasileiro. Você descobre no fim do texto. Por enquanto, pergunto a Murilo sobre ser um homem feminino.

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“Delicada eu sou só com quem eu gosto”, diz usando, por reflexo, o adjetivo no feminino. Segundos antes, MU540 já havia falado quatro vezes de Jaloo (“a Jaloo fez um dos melhores frangos cozidos que já comi”, “nóis é tudo amiga demais”, entre outros afetos) e todas elas com os pronomes que a artista paraense adota (ela/dela).

Para ler ouvindo: Mu450 ao vivo em Londres, NTS Radio

Ganha quem está na extensão do abraço do produtor carinhoso. Os presentes chegam em forma de música e também em uma versão gentil de um dos gigantes da música eletrônica brasileira (Mu540 mede 1,90m, mas não estamos falando de altura).

“Quem faz música comigo pode contar comigo a qualquer hora, sabe? Quando eu vejo a Jup do Bairro, a MC Tha no rolê é abraço apertado. Lá na minha quebrada é assim também. Se eu faço música com um MC é também pra matar e morrer”, desenha, para ressaltar que “com quem eu não conheço eu sou aquele estereótipo heterossexual funkeiro de quebrada, sabe?”.

As primas, o bar da Nine, a Kelly Key e os DVDs do Calypso

“Eu sei os DVDs do Calypso de cor”, diz contando nos dedos para, em seguida, provar que sabe mesmo: “‘Ao Vivo Em São Paulo’, aquele que tem o clipe da filha da Joelma comendo açaí nos extras, o ‘Ao Vivo No Pará’… Eu gosto muito, mano! Tudo isso aprendi com minha prima Amélia. O e-mail dela era “ameliasaopbc”. ‘Saop’ é São Paulo e ‘bc’ é Banda Calypso”, explica em tributo a uma das primas com quem foi, ao longo dos anos, rebolando É O Tchan e também estudando música eletrônica desde pequeno. Ele se empolga, continuando a resenha:

“Eu amo esse álbum da Kelly Key”, o produtor fala como se em caps lock, ainda que de forma característicamente doce, fazendo referência ao disco “Do Meu Jeito”, de 2003, cheio de garage e jungle londrinos entremeados por letras teen, como “Adoleta”.

“Eu ouvia música de ‘adolescentezinha’ e funk proibidão. Ouvia muito o ‘Millenium’, do Backstreet Boys, e agora eu tô pirando em Sophie [Xeon] e na Charlie [XCX]“, disseca entre o nostálgico e o empolgado com o presente momento da música pop.

Mu540 é um cientista do funk e você pode assistir a uma aula de composição dada na Unicamp bem ao jeitinho Murilo aqui. Sua tese? O acesso. “A gente não aprendeu música na escola, mano! A gente fez a nossa música. Já ouviu caquiado? [ritmo eletrônico derivado do Brega, irmão do tecno melody e primo do rock doido]. É lindo. Lembra do Latitude 10, Nara Costa? Aquilo foi a marginalização da DAW [como são conhecidos os software de áudio, “estação de gravação de áudio”, em tradução livre], dos [teclados] Casio e Korg. Eu sempre fui muito ligado com os sons lá de cima. A gente ficava jogando sinuca e ouvindo Nelson Nascimento, Robério dos Teclados, Companhia do Calypso”.

Trauma de não ter recurso, preconceito com quem tem muito

Em vídeo gravado para o Portal Kondzilla, Murilo pede para que DJs iniciantes se dispam dos preconceitos. Trago essa afirmação como pergunta para o produtor e a resposta é uma autobiografia completa. “Eu gosto de barulho, amo coisa feia. Eu era viciado em apertar campainha, gosto de barulho de talher no prato. O preconceito que eu tenho é com o background da pessoa, com quem move a indústria e tem muito acesso — apesar de terem histórias fodas”

“Eu não gosto [de saber] que um mano meu não tem acesso. Cadê o funk de Roraima? Cadê o funk do Acre? Tem wi-fi na rua lá no Acre! E cadê? Sabe? Não tem. Tendeu? Essa é a minha ressalva: eu tenho trauma é de não ter recurso. E esse é meu único preconceito: com quem tem muito”

O trauma é o resumo de um país que ainda vê os meios, a comunicação e os meios de comunicação dominados por uma elite cultural. Para Mu540, arquitetos e engenheiros de som precisam, então, lembrar de suas quebradas para que a história não se perca. “Essência e acesso é igual sucesso. Eu sou a prova viva disso. Acesso sem essência é só marketing. E quando você volta pra ajudar um mano da sua quebrada, você anda na rua despreocupado. A cultura volta pra você”.

Todo mundo quer ter um beat assinado pelo ‘filho da p…’

Para ler ouvindo: Kyan e DJ Mu450, UM Quebrada Inteligente (EHXIS, 2023)


Além de acesso e recurso, Mu540 toca e implora por barulho. Por isso mesmo, é xingado em todo show que faz. “DJ Musão! Manda pra elas seu filho da p…”, canta a voz de MC Renan na assinatura que sempre é acompanhada em uníssono — principalmente nas raves de classe média (“que é onde tá o dinheiro”).

“Eu gosto de tocar pros dois públicos [o do asfalto, o da favela]. Eu vou lá na festa de boy pegar meu recurso. E eu gosto de estrutura: luz boa, som bom, um front dedicado à dança. E tem sempre mina trans, as gays… Meu front é lindo! Eu adoro isso. E o que essas pessoas que curtem meu som vão fazer? Na favela vão ser tiradas. Na festinha? Vão ser tiradas. Então eu tô sempre de olho, quase que dizendo ‘tamo ai, hein!? qualquer coisa me grita’. Sou DJ, mano! Festa, casamento, rua. Sou DJ!”, salienta.

“Eu tenho um compromisso com a justiça e com a verdade. Não importa se é o 21 Savage, se é o Neguinho do Caxeta, se é a Pabllo Vittar… Se é verdade, eu vou querer fazer”

De Diplo à Kenya20Hz, de Bassan a BruninMX

“Ontem mesmo eu troquei uma ideia com ele”, diz o produtor mencionando uma conversa recente com Diplo, produtor e DJ outrora transformado em algoz da música eletrônica underground brasileira pelo próprio Mu540. Em entrevista ao PodPah, Mu540 queixou-se de um furto de pendrive por parte de Diplo, deixando uma denúncia de apropriação, furto cultural, mão grande. O norte-americano já não era tão bem visto no Brasil, então o corte com a acusação espalhou-se fácil.

“Mano, eu esqueci o pendrive, sumiu. De repente, Diplo aparece tocando minha música sem me dar créditos. Eu sou moleque de favela, poucas ideia. E aproveitei isso pra falar de roubo de cultura. Agora ele entendeu como é. Se nós não fala, ninguém nos ouve. Quem não chora, não mama. E quem não mama, não é feliz [gargalha largado].” A história foi desmentida pelo produtor Mulú, responsável pelo evento “Arrastão” que contou com Mu540 e Diplo. Foi o próprio Mulú quem enviou a faixa do paulista para o norte-americano.

O morde e assopra reflete também a tranquilidade em que Murilo se encontra. Se era crédito que ele queria, um pouco disso veio em forma de indicação para o Prêmio Multishow, na categoria “Melhor DJ”, em que só homens foram indicados — Alok, Vintage Culture, Pedro Sampaio, Vhoor e o próprio. “Falta gay, falta trans. Só tem o Pedro Sampaio, que é bi, e o resto é um bando de hétero. Aí fica muito fácil pra mim e pro Vhoor, pô? [gargalha mais]. Mas falta a Larinhx, a Kenya20hz, EVEHIVE… Falta essência, o pessoal de Manaus, do Pará, de Rondônia… Mas ano que vem tamo aí perdendo pra DJ Bassan, se Deus quiser”.

Curioso (e simpaticamente coerente em um mercado dominado pela mediocridade de artistas e assessorias) notar que Mu540, apesar da luta por reconhecimento de seu trabalho, fez a boa de uma indicação que resultou no funk brasileiro mais ouvido em 2023 no mundo, o automotivo produzido pelo introspectivo otaku funkeiro DJ Brunin MX junto à Bibi Babydol.

O próprio Brunin se assustou com a generosidade. “Ele me seguia no Instagram, eu sei lá porquê ele fez isso, mas fez. Chego um dia nas minhas mensagens e tem um convite da Bibi pra mim dizendo que a indicação veio do Mu540”, explica o produtor de Duque de Caxias, ex-ajudante de pedreiro, ex-funcionário de montadora de veículos e autor de “Automotivo Bibi Fogosa”, que estourou na Ucrânia e alastrou-se via TikTok pelo mundo inteiro.

Reconhecimento tá tendo, recurso tá rolando, acesso ele tá compartilhando. Já o Prêmio Multishow não rolou: ficou com Alok. Marcha.

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