Parlamento britânico pede medidas contra misoginia e agressões sexuais na música
Relatório denunciou machismo enraizado na indústria fonográfica no Reino Unido
Um comitê do Parlamento do Reino Unido alertou o governo britânico para lidar com o machismo e discriminação que artistas mulheres enfrentam na indústria da música.
Um relatório do Comitê de Mulheres e Igualdade (WEC) publicado na terça-feira (30) pede que os ministros a tomarem medidas legislativas urgentes para proteger músicos e criadores contra assédio sexual, incluindo a proibição do uso de acordos de confidencialidade em casos de abuso sexual, bullying ou má conduta.
O relatório de 70 páginas reconhece que a representação feminina está melhorando em muitas áreas do setor, mas alerta que o progresso permanece lento, com assédio sexual e abuso contra mulheres sendo ocorrências comuns em uma indústria ainda rotineiramente descrita como um “clube dos meninos”.
“As pessoas na indústria que participam de premiações e festas atualmente o fazem ao lado de agressores sexuais que permanecem protegidos pelo sistema e pelos colegas”, disse o comitê multipartidário de deputados.
A investigação descobriu uma “cultura de silêncio” existente em toda a indústria da música, com muitas vítimas de assédio sexual ou abuso com medo de relatar tais incidentes.
As vítimas que falam têm dificuldade em serem acreditadas ou podem ver suas carreiras encerradas como consequência, descobriu o comitê.
Eles afirmaram que grande parte das evidências que receberam teve que permanecer confidencial, “incluindo comentários em programas de televisão e nomes conhecidos”, devido a cláusulas de confidencialidade e legais.
Testemunhas
O relatório segue uma investigação sobre o machismo na indústria da música do Reino Unido, que começou em junho de 2022 e contou com depoimentos de vários artistas e executivos, incluindo executivos seniores das três grandes gravadoras, representantes da indústria ao vivo, a ex-DJ da BBC Radio 1 Annie Mac e a cantora pop britânica e diretora da Ivors Academy, Rebecca Ferguson.
Ao testemunhar em setembro, Ferguson, que ficou famosa na versão britânica do programa “The X Factor”, afirmou que o machismo na música era apenas “a ponta do iceberg das coisas que estão acontecendo nos bastidores”.
Ela disse que mulheres na indústria musical que sofrem abuso muitas vezes sentem que “não podem falar” porque “têm medo de nunca mais trabalhar”. Ela informou aos deputados que tinha conhecimento de casos de estupro não denunciados.
Além de abuso sexual e assédio, a investigação descobriu que mulheres que buscam carreiras na música enfrentam oportunidades limitadas em comparação com os homens, falta de apoio e pagamento desigual persistente.
Essas questões são intensificadas para mulheres que enfrentam discriminação racial, afirmou o relatório, enquanto artistas mulheres são “rotineiramente desvalorizadas e subestimadas”.
O comitê recomenda que os ministros promulguem legislação para conferir aos trabalhadores autônomos as mesmas proteções contra discriminação que os empregados, além de impor um dever legal às empresas e empregadores de proteger os trabalhadores contra assédio sexual por terceiros.
O relatório também pede requisitos de segurança mais rigorosos para setores da indústria onde assédio e abuso são conhecidos, como estúdios de gravação e casas de espetáculo.
Além disso, os gerentes de artistas devem ser licenciados, enquanto as gravadoras foram recomendadas a publicar regularmente informações sobre a diversidade de seus elencos criativos, força de trabalho e lacunas salariais de gênero e etnia – uma prática que muitas gravadoras e grandes empresas de música já adotam.
O comitê disse que a indústria da música e o governo britânico devem aumentar os investimentos e o apoio ao talento diversificado, especialmente em áreas dominadas por homens, como A&R, engenharia de som e produção.
“O potencial criativo e de carreira das mulheres não deve ter limites impostos pelo machismo ‘endêmico’, que persiste por tempo demais na indústria da música”, disse Caroline Nokes, presidente do Comitê de Mulheres e Igualdade, em um comunicado.
Em resposta ao relatório, Jo Twist, CEO da associação comercial de gravadoras do Reino Unido (BPI), e Yolanda Brown, presidente da BPI, disseram que todas as partes da indústria da música têm “uma responsabilidade compartilhada” de enfrentar o machismo na música.
Silvia Montello, CEO da Associação de Música Independente (AIM) com sede em Londres, disse que o relatório “proporciona uma leitura desconfortável, mas infelizmente previsível”.
“Não deveria ser tão difícil, aqui em 2024, apoiar as mulheres para terem sucesso e serem levadas tão a sério quanto nossos colegas masculinos”, disse Montello em um comunicado.
Os ministros do governo agora têm dois meses para responder às descobertas do comitê, embora as recomendações não sejam vinculativas, o que significa que não há exigência legal para serem implementadas.
No entanto, o Comitê de Mulheres e Igualdade pode voltar ao tema do machismo na indústria da música se sentir que não há progresso suficiente.