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O Tempo é Rei, e Gil, imortal

O Tempo é Rei, e Gil, imortal

Uma singela homenagem ao eterno Gilberto Gil

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Gilberto Gil se apresenta todo de branco no Alianz Parque em São Paulo (Leo Franco / AgNews)

O Tempo é Rei, e Gilberto Gil imortal. Não apenas pelo título da Academia Brasileira de Letras que, desde 2021, sedimentou seus feitos. Mas por atravessar gerações com um legado único — numa obra que semeia “safras e safras de sonhos, quilos e quilos de amor…”.

Mesmo já tendo confessado uma tendência ao niilismo — em entrevista ao teólogo Leonardo Boff (publicada no livro “Disposições Amoráveis”, de Gil e Ana de Oliveira) —, sua espiritualidade transborda. Navega entre o nada e o todo, costurando sentidos, fazendo música e partilhando saberes.

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Nessa jornada, o disco “Um Banda Um” trouxe à tona a força das matrizes africanas, ecoando uma de suas religiões — a umbanda. Gil brinca com o som, o signo e a semântica, desconstrói para religar. Na mesma trilha, em “Andar com Fé”, ensina que a crença também pode ser passo firme, chão e movimento.

Em “Se Eu Quiser Falar com Deus”, compreende que para escutar o sagrado, às vezes, é preciso apagar a luz. E, em “Quanta”, dissolve as fronteiras entre o sincrético e o científico, o átomo e o orixá. Há, inclusive, quem o chame de Buda Nagô — nome de uma canção dele dedicada a Caymmi, mas que poderia muito bem ser um reflexo de Gil.

Não se sabe se é esotérico, como ele mesmo desconfia. Mas é, certamente, místico.

Sua celebração à ancestralidade negra é um bálsamo. Um canto agudo, numa oitava só sua, que evoca dos tambores do Ilê Aiyê em “Que Bloco é Esse?”, ao famigerado balafon, que atravessou oceanos desde a Nigéria até encontrar morada em “Refavela”.

O menino soteropolitano que sonhava ser “musgueiro” — como dizia ainda pequeno — ganhou um acordeon ao se encantar com o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Desde então, seguiu afinado com o Brasil mais profundo: do interior de Ituaçu (BA), onde passou parte da infância, aos palcos e púlpitos do mundo.

Cresceu sob influências brilhantes e tornou-se luminoso — não só no espírito, mas também no gesto. Artista cidadão, enfrentou a ditadura com poesia, foi exilado por cantar a liberdade e nunca deixou de fazer da palavra um ato político.

Mais tarde, alçado a Ministro da Cultura (2003-2008), levou essa mesma visão adiante: compreendendo que seu papel era, sobretudo, garantir acesso. Democratizou editais, abraçou o digital, ouviu os povos tradicionais e os criadores das margens. 

Fez da gestão pública um exercício de escuta e partilha — com a mesma clareza com que provocou: “A cultura é ordinária! É igual feijão com arroz, é necessidade básica.”

Gil é ponte. É tempo. É encantaria.

É raiz que canta, estrela que pensa, país em pessoa.
Refazenda de ideias, que não se furta ao embate.
Dando Todas as Letras, todos os sons — desafiando o silêncio da história.

No auge de mais de oito décadas de vida bem vividas, se despede dos palcos,
de onde só quem sabe onde é Luanda sabe o valor.

Mas segue eterno, quiçá como o “deus mu dança/ Talvez em paz mudança/
Talvez com sua lança/ Sente-se, levante-se/ Prepare-se pra celebrar…”

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