O que você vai encontrar em ‘Um Mar Pra Cada Um,’, quarto álbum de Luedji Luna
Cantora é espécie rara na música brasileira porque, no mínimo, se arrisca

Luedji Luna é rara no país porque faz uma música que, para ser internalizada, precisa mais do que boas maneiras de sua assessoria ou de movimentos virtuais para promovê-la como relevante no pop brasileiro. Nesta segunda (26), ela lançou “Um Mar Pra Cada Um”, quarto álbum de uma discografia destacada desde o lançamento de “Um Corpo No Mundo”, de 2017.
Rebocado pelo fenômeno “Banho de Folhas” —inicialmente uma de letra esperta e potente, peça útil para o heterogêneo consumidor de música pop, mas que evoluiu na obra da também excelente compositora para se tornar mais uma grande canção do repertório—, o debute dela aos 30 anos de idade em muito se diferencia do que agora se ouve em “Um Mar Pra Cada Um”.
Enquanto o hit inicial migrava para todas as tendências mainstream de eletrônico ou hit em festas de música brasileira ou mesmo parar no repertório de Ivete Sangalo, Luedji trabalhava arduamente em passos maiores do que se provar como cantora. Quando o sucessor “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água” chegou, a cantora estava já distante, léguas, de ser apenas um nome legal em uma programação de rádio adulta que ama tocar uma canção brasileira que aponta para o soul, jazz e R&B.
E, assim, veio também duas variações deste segundo momento dela: uma continuidade (chamada de “versão deluxe”) e um registro ao vivo —o primeiro, inclusive, difere-se tanto da matriz que pode tranquilamente ser apontado como terceiro disco; o segundo, mostra como ela alcançou facilmente uma superioridade como crooner que é difícil de achar paralelos neste nicho que briga por ingressos em shows na Casa Natura, Casa de Francisca, Circo Voador, entre outros.
“Nisso de trabalhar com o mercado, com tantas demandas, é fácil a gente ceder, escolher outros caminhos.”, ela disse em certo momento na entrevista coletiva de lançamento, realizada há uma semana. Ela também, na mesma coletiva, ressaltaria que acha “legítimo também querer ser famosa, ter reconhecimento e dinheiro” mas que lembrava “Corpo no Mundo” “não foi sobre isso”.
“Fiz tudo o que quis em ‘Um Mar Pra Cada’. Não sei se se conversa com o mercado atual, se vai ter um hit, se vai dar certo, se vão gostar e sentir, se é sobre o povo, se é sobre Grammy…”
E essa capacidade de olhar para a própria carreira continua em “Um Mar Para Cada Um”: uma de suas melhores peças, chamada “Dentro Ali”, se reapresenta agora ainda mais linda em um movimento que mostra-se precioso. Não é comum regravar-se e reeditar-se tanto assim na música daqui. Antes, inclusive, a canção já havia ganhado algumas versões incríveis: uma com DJ Nyack, Rincon Sapiência e Tassia Reis (no EP “Mundo”, de 2017) e outra também com produção de Nyack, mas acompanhada de Moe Moks e Illa J.
Nesse álbum, além de Nubya Garcia (na supracitada “Dentro Ali”), o álbum traz o guitarrista e produtor queniano Kato Change produzindo um áudio de WhatsApp (chamado “4hz”) em que a cantora lamenta e, finalmente, entrega um caso amoroso de uma pessoa próxima aos céus. “Eu só posso respeitar. Respeitar, não. Eu só posso rezar e rezar que você seja feliz. Dez anos ficando com a pessoa e [ele] não tem coragem de pedir em namoro, de fazer uma coisa que, enfim, toda mulher merece”, finaliza junto ao piano e uma bateria que promete criar um segundo ato no disco.
E é aí que a partipação mais famosa do disco surge. De timbre já muito conhecido para os ouvintes brasileiros, Liniker surge aos 3 minutos conversando com o ouvinte: “Na boca da noite, o vento me trouxe notícia velha. Ele não presta… Uhm-uhm”, ele diz dando uma deixa para uma bateria que quebra e, depois, confirma que “[ele] tem quase um harem”. A produção do marido Zudzilla é um espetáculo.
Outra participação no disco é de Isaiah Sharkey, guitarrista responsável pelo instrumento em registros de Robert Glasper, Common e D’Angelo. Ele deixa um rastro que não ofusca Luedji em dueto com Luiz Melodia (1951-2017) —o mesmo acontece com o trumpetista Takuya Kuroda (em “Salty”).
As respostas que não vinham mesmo com muita volta em “Banho de Folhas” vão, a cada álbum de Luedji, revelando coisas muito mais importantes do que soluções; mas uma cantora que prefere a questão —que é o cerne de estar vivo.