O que são song camps? Conheça a reunião de autores que criam hits que você ouve
Grupos de composições são ferramentas importantes para criação de repertório
“VIP” e “Anaconda” são dois sucessos da carreira recente de Luísa Sonza. Somados, seus videoclipes chegaram perto da marca de 100 milhões de visualizações no YouTube. Já “Romance com Safadeza”, dueto improvável –porém saboroso– de Wesley Safadão com Anitta, ultrapassou as fronteiras do mercado nacional. Foi exportado para as paradas de sucesso do Uruguai, do Paraguai e de Portugal. Embora tenham estilos diferentes, existe um elo entre essas canções: elas foram criadas em song camps ou, em português, acampamentos de composição.
Os song camps são, basicamente, um agrupamento de pessoas de origens e gêneros diversos que trabalham em busca de um repertório perfeito. As músicas podem ser tanto feitas para um cantor específico ou se tornarem parte de uma espécie de banco de criação.
“É um movimento natural. Os maiores nomes do mercado promovem camps pensando num repertório a médio e longo prazo”, diz Antonio Eudi, fundador e proprietário do selo Alma Music e que tem no currículo “Recaída”, parceria com a cantora Giulia (ex-Be).
Não é de hoje que parte dos sucessos ouvidos nas rádios e plataformas digitais são compostos por terceiros. As principais companhias de disco dos anos 1960 e 1970 tinham times de autores cuja função era servir seus astros com hits em potencial. No Brasil, esse sistema se intensificou no meio sertanejo.
“Eles foram essenciais para a sustentação desse mercado, porque ou a maioria dos cantores não sabe compor ou viaja tanto que precisa de um amparo na hora de criar novas músicas”, explica Bruno Caliman, autor da gigantesca “Camaro Amarelo”, de Munhoz e Mariano, “Domingo de Manhã”, de Marcos e Belutti, “Te Esperando”, de Luan Santana, e muitas outras.
Ironicamente, elas não saíram de song camps, porque Caliman é pouco afeito a esse tipo de laboratório (ainda que tenha participado do processo de criação de “Escândalo Íntimo”, mais recente disco de Luísa Sonza). “É um exercício para o ego dividir uma música com vários artistas”, justifica. “Sou um compositor solitário.”
Song camps funcionam de várias maneiras. A mais comum é separar os autores em grupos formados por compositores, produtores e beatmakers que, juntos, quebram a cabeça em busca da canção perfeita. Ela pode sair de um tema livre ou de algo previamente encomendado pelo artista –cuja presença, aliás, é facultativa.
Alguns levam um estudo prévio da biografia do agraciado. “Gosto de conhecer as redes sociais dos artistas, ver como se comunicam com os fãs e, sempre que possível, conversar com eles para entender sobre qual assunto querem falar”, diz Lary, coautora dos duetos “Love Love”, de Melody e Naldo, “Joia Rara”, de Pedro Sampaio com MC Tato, e “Quase Não Namoro”, de Juliette e Marina Sena.
Mas existem outros métodos de trabalho. A Alma Music reúne compositores e produtores que podem ser tanto da casa quanto novatos. Em geral, o processo lembra uma sessão de terapia em grupo, na qual alguns dos autores falam sobre suas vivências, misturada com gincana de colégio.
Na sessão presenciada pela Billboard Brasil, contudo, foi adotada uma metodologia um tanto diferente. Os participantes se dividiram em grupos heterogêneos: sertanejo com rap, pop com urban, afrobeat com R&B.
Enquanto uns soltavam palavras de maneira aleatória, outros tentavam adicionar uma continuação que fizesse sentido ao termo lançado. Em geral, o faziam com violão em punho para criar uma melodia. Passada uma hora, houve uma troca de integrantes e foi adicionado um tema para a canção. Ao final da sessão, foram desenvolvidas 12 músicas –e só uma foi escolhida a melhor do dia.
Um método diferente foi adotado pela CANETARIA –pelo menos na sessão a qual a Billboard Brasil testemunhou. Os produtores Donato e Marco Lima utilizaram de uma batida eletrônica previamente criada e adicionaram elementos, como instrumentos musicais e versos, que podem ou não entrar nas próximas produções da companhia.
Outros chegam com uma ideia clara do que pretendem gravar. A cantora e compositora King tinha em mente “Don’t Phunk With My Heart”, do Black Eyed Peas, e “When I Grow Up”, das Pussycat Dolls, como referência para seu próximo single. Captando as inspirações da cliente, o produtor Pedro Dash criou uma batida e foi incorporando elementos musicais à sua invenção.
Os compositores, por vezes, se munem de recursos para acelerar o processo de criação: de cadernos de anotações a listas de possíveis títulos. Há também um cuidado redobrado com as letras. “Evito usar palavras negativas e de baixo calão”, diz Thales Lessa, autor de sucessos de Marília Mendonça e Maiara e Maraisa.
Mas a música, frise-se, está longe de ser uma ciência exata. Muitas vezes, ela pode nascer de modo acidental. Fernando Dourado, coordenador comercial e artístico da Boa Music Rights, conta que uma das faixas da editora foi composta a partir de uma garrafa de cerveja. “Alguém no estúdio soprou no vidro e produziu um som que acabou como ponto de partida de uma letra”, explica.
Jenni Mosello, uma das autoras de “Campo de Morango”, de Luísa Sonza, revela que a letra foi escrita a partir de uma conversa sobre Beatles. Até que surgiu a ideia de fazer algo baseado em “Strawberry Fields” (campos de morango, em português). “Tudo vira insight”, diz Jenni.
As diferenças entre os adeptos dos song camps não se limitam aos estilos musicais. Eles abrigam profissionais que buscam diferentes caminhos em sua carreira. A maioria dos compositores alimenta o sonho de passar para o outro lado do balcão, ou seja, tornar–se intérprete de sucesso.
Leia a reportagem completa sobre song camps na segunda edição da Billboard Brasil.