O pagode do momento: entrevista com Mart’nália
Ela lança álbum com releituras de clássicos dos grupos como Revelação e Soweto


Dizem que o marco dos 30 anos costuma trazer uma espécie de crise na qual você repensa se tomou as decisões certas no passado e o que ainda tem de oportunidades para o futuro. No caso do chamado Pagode 90 –movimento que teve um papel fundamental na valorização da negritude brasileira–, o momento está longe de ser problemático. O fenômeno, que há três décadas marcou uma geração, agora vive uma febre de regravações dos mais variados artistas. A mais recente foi Mart’nália, que lançou o álbum “Pagode da Mart’nália”. Com um total de 12 faixas, o trabalho conta com participações de Caetano Veloso, Luiz Otávio, Luísa Sonza e Martinho da Vila, pai da artista.
No caso de Mart’nália, a ideia de gravar o álbum partiu de um desejo inconsciente. Na verdade, tudo nasceu de um sonho alheio. “Minha empresária e produtora, Marcinha Alvarenga, disse que sonhou comigo. Ela contou que eu estava num churrasco e cantava pagode, algo que não é tanto a minha praia. No meio do papo, ela sugeriu: ‘por que você não grava um álbum cantando uns pagodes?’ Daí, brinquei: putz, não sei, não. Mas me convenceu”, conta à Billboard Brasil.
Também nos anos 1990, Mart’nália integrou o grupo Batacotô e surfava uma onda bem próxima do pagode. “Um Velho Malandro de Corpo Fechado”, do álbum “Samba dos Ancestrais”, lançado em 1994, é uma composição de Arlindo Cruz e Franco que, anos mais tarde, foi regravada pelo ex-Fundo de Quintal e se tornou presença constante em muitos pagodes pelo país.
Segundo a própria cantora, aquele estilo de pagode meloso nunca foi sua especialidade –não só por causa dos elementos musicais, mas muito pelas composições. Falar de amor com certa ponta de dor incomoda a solar Mart’nália, que prefere interpretar fatos alegres do dia a dia. Em seu último álbum, “Sou Assim até Mudar”, lançado em 2021, em meio à pandemia, a cantora diz que até se aproximou mais do gênero. Para o repertório, escolheu “Novo Normal”, um tradicionalíssimo pagode composto por Xande de Pilares e Serginho Meriti. “Desde então, venho enchendo o saco do Xande e de outros amigos para mandarem composições de pagode, que queria gravar mais um ou outro”, brinca a artista.
Xô, tristeza
O repertório do novo álbum vai de clássicos dos grupos Revelação e Soweto, passando por Raça Negra e Katinguelê. Ao todo, foram 50 canções pré-selecionadas e o filtro foi baseado em três pilares: conhecimento das letras, memória afetiva e “antimelação”. Tudo porque Mart’nália não gosta de música triste. Na verdade, ela evita música triste, de corno, melosa e derivados.
“Tristeza, definitivamente, não é a minha praia. Algumas músicas eu sabia a letra, outras eu conhecia o refrão. Aquela cena do Pagode 90 foi algo muito forte, era algo muito popular mesmo. Construindo o repertório, pedi ajuda até para os meus sobrinhos mais novos, que conhecem uma coisa ou outra, para saber o que eles gostariam de me ver cantando. No fim das contas, gostei muito, me encontrei no pagode.”
As participações de Martinho da Vila e Caetano Veloso são uma forma de homenagear dois daqueles que são gurus de sua trajetória musical, diz a cantora. Já no caso de Luísa Sonza, além da qualidade vocal, Mart’nália quis passar um recado sobre um problema da geração passada.
“Caetano é um dos caras que mais gostam de transitar pelos gêneros. Meu pai também tem essa coisa, e achei que seria legal ter essa bênção dos meus gurus. A Luísa Sonza representa a modernidade, alguém que vai do brega ao rock e ao sertanejo, e tem muito a ver com pagode também. Aquele pagode dos anos 1990 era um clube do Bolinha, mulher quase não tinha espaço, era algo bem careta.”
São tantos fatores que explicam a enxurrada de regravações de pagodes que fizeram sucesso há três décadas que fica difícil responder o que justifica o fenômeno. A nostalgia e a certeza de retorno são dois fundamentos importantes que estão por trás da tentativa de novos nomes do pagode em impulsionar suas carreiras com músicas desses artistas.
Mart’nália acrescenta um outro fator à discussão. “Olha, sendo bem sincera, sou meio fora da casinha e fico meio por fora dessas tendências mais atuais. Lembro que Alcione regravou alguns pagodes, teve uma galera que mencionou que estava tentando esse caminho. Mas, nos anos 1990, não tinha muito. Um cantava um gênero e era isso, não tinha muita mistura. Era uma chatice do cacete. Acho que hoje isso está mais aberto, gera conversa, e música é isso, é conversa, é um papo de união.”
[Esta matéria foi publicada na 13ª edição da Billboard Brasil. Adquira sua revista aqui.]
