O MC paulistano que precisa intermediar a paz entre evangélicos e macumbeiros
Agnóstico, MC Marks lança 'Menino de Fé' em meio a 'conflito' espiritual
Em algum momento, MC Marks revela que é libriano. Solta, assim, essa astrologia pode parecer trivial. Mas o MC, voz presente no mega hit do funk paulistano, como “Set dos Casados” (antecessora na fórmula cypher de “Let’s Go 4“), revela uma guerra fria do axé e do louvor que ele, todos os dias, precisa equilibrar na balança da fé.
“A minha família toda é da umbanda”, diz o neto da mãe de santo Dulce e filho da mãe Cristina, responsável pelos banhos espirituais. “Mas minha esposa é evangélica, olha só que coisa louca”, completa, quase suando frio, o também esposo de Larissa. Casados há seis anos, o MC reflete seu papel de balança de Libra. Segundo a astrologia, indivíduos nascidos sob este signo possuem um talento especial para manter a paz e procurar soluções conciliatórias em situações conflituosas. “Eu fico no meio dessa guerra, administrando, pesando”.
A interseção religiosa faz parte da biografia de um MC que, forjado nas rodas de samba que o pai, Seu Adilson, comandava, acabou virando um especialista do atabaque, chegando a tornar-se ogã, título do responsável pelos toques e pontos nos terreiros. “Não, não me fiz em nenhum santo”, completa de forma agnóstica o compositor que, junto aos produtores Umberto Tavares e Jefferson Junior, lança “Menino de Fé”, álbum com mais batuque de samba do que pontos de funk.
Segundo Marks, a fé do título do álbum não foi feita em santo, mas em casa. “Eu fui criado no meio de um monte de mulher, mimado. Todo mundo já me espiritualizava”, explica. Ele conta que a esposa é “de boa” com sua ancestralidade na umbanda, mas completa a observação pesando o preconceito evangélico contra as religiões de matrizes africanas.
“A discriminação é muito maior do lado dos evangélicos, eu sinto isso”.
Mas foi um conselho de uma tia —que escapuliu do terreiro e se converteu ao protestantismo— que, casos dos acasos da fé, transformou sua carreira.
“Ela chegou pra mim e disse que eu precisava falar de Deus em uma música. Que só ia virar quando tivesse isso”, conta o sobrinho da evangélica tia Luciana, coincidentemente quem mais se dá bem com sua esposa. “Pior que minha mãe já percebeu isso”, confidencia, mais uma vez rindo entre o descontraído e o preocupado, como que prevendo um possível rolo que isso pode gerar no grupo de WhatsApp da família.
O perdão ao pai ausente por medo de ser um pai ausente
Mas, talvez, o grande lance de fé da carreira é um perdão que virou música. Sem medo de adjetivar o pai como ausente, Marks percebeu que a alcunha também podia chegar em si próprio. “Percebi que eu podia estar repetindo meu pai”. Ao contrário do que diz a letra de filho para pai de João Nogueira, o grande lance para Marks foi o espelho se quebrar. Uma quebra, inclusive, silenciosa. “Ele nunca me pediu perdão por isso, foi uma coisa que eu mesmo resolvi internamente comigo. Eu deixei que ele se aproximasse, foi indo assim. Agora, eu faço o possível para que eu não imite o que aconteceu”.
Além de seu Adilson em “De Pai Pra Filho”, o álbum ainda traz Marvilla, Xande de Pilares, Ferrugem, Tiee e Belo. Nenhuma dessas escolhas veio do MC. Perguntado se não sentia falta de um nome que viesse do seu coração, o MC responde de uma forma que revela um pouco da estrutura presentes na relação do que é se construir como artista no funk. “Eu vou ser sincero com você. Essa é a primeira vez que eu pude ser produzido dessa forma. Nos outros álbuns, eu era tudo, inclusive meu próprio empresário”, conta aliviado em poder ser só artista de um projeto que surgiu ao acaso, por vontade de Umberto Tavares, um dos autores do hit “O Baile Todo”, do Bonde do Tigrão e, também, responsável por sucessos de Anitta e do próprio Belo.
“Eu fui gravar um ‘consciente’ com o DJ Zulu, que é artista da Mousik [selo do produtor]”. “Consciente” é uma vertente do funk no qual o MC versa como que motivacional. “Cheguei lá, gravei. E começamos a trocar ideia de igual pra igual, eu não sabia muito bem a história do Umberto, mas a gente começou a conversar e rolou uma parada. Foi quando ele me convidou para fazer uma canção e logo depois o Belo topou entrar. Depois, o Tiee. Foi aí que caiu a ficha e também quando eu comecei a entender a história dele na música. Fiquei de cara”, finaliza o menino que, para agradar mãe e esposa, terá que dizer que “nunca foi sorte, sempre foi Deus — e o axé”.