O carioca Alex Magno coreografou duas turnês de Madonna e viveu o modo intenso de trabalho da norte-americana, que faz show histórico no Brasil no dia 4 de maio, no Rio. Em depoimento exclusivo à Billboard Brasil, o coreógrafo deu detalhes da rotina ao lado da maior estrela do pop.
“Comecei a dançar no Rio de Janeiro, onde nasci, nos anos 1980. Eu era adolescente e, aos domingos, ia a uma discoteca chamada Baby Disco com meus amigos. Em uma dessas matinês fui descoberto por um bailarino profissional. Ele nos viu, se aproximou e disse: ‘Vocês já pensaram em dançar profissionalmente?’. A gente treinava caratê, a dança era meio tabu. Era um pensamento atrasado, ‘não era coisa de homem’. A academia dele procurava rapazes para as aulas, mas eu não tinha condições de pagar.
Nasci em família humilde e tenho quatro irmãos. Ajudávamos meu pai vendendo sonhos, o doce, nas ruas. Ganhei uma bolsa integral nessa academia e no Vacilou Dançou [projeto de Carlota Portella e Renato Vieira]. Minha vida mudou. Foi quando comecei a minha história profissional como bailarino. Fui para os Estados Unidos após ganhar um concurso e economizei toda a grana que tinha para comprar dólares. Em Los Angeles, conheci vários anjos que me hospedaram, mas meu dinheiro estava acabando. Lavava pratos e fui assistente de garçom. Não falava inglês, mas corria atrás. Ganhei outra bolsa em uma escola de dança norte-americana e comecei a dar aulas com o meu próprio estilo.
Nessa época, Carrie Ann Inaba foi minha aluna. Vi nela um talento bruto e a treinei. Ficamos muito amigos. Ela virou uma celebridade no ‘In Living Color’, um programa de televisão muito popular nos anos 1990, no qual tive a chance de dirigir e coreografar um número. Em 1991, trabalhei com Paula Abdul no Oscar. Essa oportunidade me abriu portas. Fiquei conhecido na área e viajei o mundo dando aulas. O que destacava meu trabalho dos outros era minha bagagem no teatro. Dançar com uma razão, com mensagem nos movimentos.
Um dia, minha agente me ligou e disse que a Madonna tinha visto meu trabalho. A Madonna não contrata ninguém sem conhecer pessoalmente. Se a vibe dela não bater com a sua… Pode ser a pessoa mais genial do mundo, mas ela não vai contratar. Eu despiroquei. Eles procuravam coreógrafos para a turnê ‘Girlie Show’, só que eu ia para o Japão dar aulas por um mês. Estava negociando isso havia um ano e não ia deixá-los na mão. Infelizmente, não poderia conhecê-la. Fiz um vídeo agradecendo a oportunidade e enviei para a empresária dela com uma foto de Carrie Ann. Madonna amou e a contratou. Carrie me contava que os ensaios estavam difíceis, porque o coreógrafo contratado era meio devagar, e Madonna estava frustrada. Ele era maravilhoso, mas para a cantora não funcionava. Ela sempre quer resultado na hora e vai ser sincera, bruta. Vai dizer: ‘Que porra é essa?’. A equipe tentou ao máximo, mas a turnê atrasou. Assim que voltei do Japão, avisei que estava disponível.
Foi quando Madonna perguntou para Carrie Ann: “Você acha que o Alex tem condições de coreografar essa turnê?”. Minha amiga colocou a mão no fogo por mim: ‘Você pode me demitir se ele não der conta’. E Madonna adora quando a desafiam. O diretor me convidou para fazer uma audição e tive só um dia para coreografar ‘La Isla Bonita’. Madonna terminou de assistir à apresentação, me abraçou de lado e disse: ‘Alex, vou te falar como eu trabalho. Se eu te perguntar o porquê do passo, quero que você me explique. Você precisa saber a letra da música em cada passo. E se eu não gostar de algo, não leve para o pessoal’. Às vezes, Madonna não fazia os movimentos muito bem. Eu continuava mudando até encaixar. Nunca vi uma artista tão profissional, ela era a primeira a dizer par repetir. Ela realmente tem a necessidade de se expressar. Uma fonte jorrando criatividade avassaladora. A única maneira que se organiza isso é criando. Se não canalizar essa energia, ela te consome.
Eu tinha 14 números para criar e colocar a turnê de volta no prazo. Eu não ia deixar essa oportunidade passar. Montei um por dia. Quando a Madonna viu como eu era bom, me deu liberdade. Ela aprendia uma coreografia num dia e, de noite, ela já mostrava o número do dia seguinte para adiantar como a performance deveria ser. ‘É isso o que eu quero para amanhã.’
A turnê passou pelo Brasil. Eu estava de volta ao Rio para o show do Maracanã, em 1993. Madonna me perguntou: ‘O que eu posso falar para eles e que seria engraçado?’. Respondi: ‘Bunda suja!’. Ela amou e fez uma musiquinha em português! As pessoas se apaixonaram mais ainda por ela, criou intimidade [risos]. Quebrou o gelo! Eu cheguei ao Maracanã, e a produção havia aberto os portões cedo, porque estava muito quente. Os bombeiros jogavam água no público. Todo mundo viu a passagem de som e alguns ensaios de coreografia. Isso nunca acontece, a plateia nunca vê. Mas Madonna abriu essa exceção. O Brasil e o Rio são especiais.
Oito anos depois, sonhei com uma concepção para a próxima turnê dela, ‘The Drowned’. Avisei à agente que estava interessado. Por coincidência, algumas das minhas ideias eram as mesmas que Madonna havia tido. Ela me contratou e o diretor, James King, chamou também outros coreógrafos. Mas ela não gostou das seleções, mandou todos embora, e eu terminei sendo o principal. Madonna dizia: ‘Eu conheço o trabalho dele. Essa outra pessoa aqui? Não. O que ela fez eu fiz há 20 anos’. Ela odiou.
Só que, nessa turnê, ela me orientava através do James. Mas ele também me passava as próprias orientações e, às vezes, a Madonna não gostava. Eu já estava acostumado a trabalhar com ela. A gente mudava o que ela queria e terminava fazendo melhor ainda, porque Madonna nos desafiava. ‘Que merda é essa?… Ah, é? Você vai ver!’. Ela tem uma fórmula para trabalhar e quem não sabe ou aprende, ou roda. É muito louco, mas é assim. Durante as duas turnês, entre um set e outro, no camarim, ela fazia anotações sobre o que estava errado.
No final da noite, Madonna nos reunia e avaliava cada parte. Como Prince e Michael Jackson, Madonna teve que bater de porta em porta, em cada país, para conseguir a fama que tem. Não existia rede social, eles trabalharam duro para ter fama. Não acontecia do dia para a noite. O respeito da classe artística é algo que você conquista. A Madonna vive o hoje como se o amanhã não existisse. Ela sabe que ditava e dita tendências. Ela não copia ninguém, são as pessoas que a copiam.”