‘Homem com H’ é retrato sem retoques da vida e carreira de Ney Matogrosso
Filme do cineasta Esmir Filho estreia hoje nos principais cinemas brasileiros


Quando perguntaram a Elton John o porquê de não ter amaciado as cenas de sexo e drogas em “Rocketman” (2019), sua cinebiografia, o cantor e compositor inglês foi enfático. “Eu não tive uma vida censura livre, então não poderia fazer um filme censura livre”, respondeu, sabendo que a decisão faria com que o filme fosse proibido para menores de idade.
Não se sabe se Ney Matogrosso assistiu às desventuras do intérprete de “Goodbye Yellow Brick Road”, mas adotou a mesma linha de pensamento –ou seja, “que se conte a história sem retoques”. “Homem com H”, que estreia hoje nos cinemas das principais capitais do país, é um retrato nu e cru (muito nu e cru, diga-se), deste que figura entre os intérpretes mais importantes da música brasileira. Nele, o cineasta Esmir Filho não só teve liberdade para expressar suas ideias como contou com o aval do cantor na recriação dos momentos característicos da tal “era do desbunde”.

Um dos pontos altos está na escalação de Jesuíta Barbosa no papel principal. O ator pernambucano perdeu doze quilos para atingir a silhueta esbelta de Ney. Ele assimila como poucos o estilo introspectivo do cantor e emula com perfeição as performances vulcânicas dele no palco. Outro destaque no elenco é Rômulo Braga, na pele do pai de Ney. Um militar linha dura, difícil de ser dobrado (numa das melhores cenas do filme, ele diz que não que um filho “viado”. A resposta é ótima: “Eu ainda não sou. Mas quando for, o Brasil inteiro vai saber”, diz Ney de bate-pronto).
Outra atuação digna de elogios é a de Jullio Reis, na difícil missão de viver Cazuza (embora não seja tão parecido fisicamente, ele tem o mesmo gestual do cantor carioca, morto em 1990).
No mais, “Homem com H” traz a trajetória do mato grossense Ney de Souza Pereira da infância até os 83 anos –e na cena final, é o próprio cantor quem aparece interpretando “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua”, de Sérgio Sampaio, numa apresentação no Allianz Parque no ano de 2024. Estão ali todas as passagens de sua vida: da infância ao tempo em que morou em Brasília, onde descobriu que tinha um tipo raro de voz; dos primeiros flertes ao período de liberação sexual, que deu o tom nos anos 1970; da perseguição da censura ao carinho com o qual tratou os amigos que perdeu para a Aids –entre eles Marco de Maria, que viveu com o cantor por 13 anos.
E, claro, tem muita música. As performances são revividas com precisão absurda e as cenas ao lado dos Secos & Molhados (grupo que o levou ao estrelato) são perfeitas. O filme traz ainda a dúvida de Ney em gravar “Homem com H”, seu maior sucesso –foi convencido pelo cantor e compositor Gonzaguinha da qualidade da canção. Mas aqui, vale um detalhe: sete anos antes de Ney se render à canção, o grupo paulistano Hydra –cujo vocalista, Simbas, já tinha um visual andrógino– gravou “Homem com H”, com produção do folclórico Mister Sam. Abaixo, assista a uma cena de “Homem com H” e a versão do Hydra.
Veja o trailer de ‘Homem com H’, cinebiografia de Ney Matogrosso
Ouça a versão de “Homem com H” com Hydra