Localizado no Himalaia, o Monte Everest foi explorado pela primeira vez em 1953, pelos montanhistas Edmund Hillary e Sherpa Tenzing Norgay. Desde então, cerca de 11 mil expedições foram feitas para o alto do cume mais famoso do mundo. Filmes foram inspirados nessa vontade aventureira de subir até lá, e pessoas no mundo inteiro foram inspiradas por esse sentimento de conquistar o mundo. No entanto, tudo isso tem um preço. As temperaturas podem chegar a -30° C, são mais de 8 mil metros de altitude e horas e mais horas de escalada.
Nessa altura do campeonato, você deve estar se perguntando por que diabos a Billboard Brasil está falando sobre o Everest. Tudo bem, me acompanhe na leitura que eu te explico. Larissa de Macedo Machado nasceu no fim de março de 1993, em Honório Gurgel, no Rio de Janeiro. Quando fez 17 anos, deixou esse nome de lado para vestir-se de Anitta, título artístico que lhe alçaria para o topo do mundo da música.
Ela foi descoberta pela Furacão 2000 em 2010 e, em 2013, lançou seu primeiro disco, batizado pela persona que escolheu para uma trajetória que sonhou em trilhar desde muito nova. A música que debutou em seu repertório, “Show das Poderosas”, foi também a que tornou Anitta conhecida em todos os cantos do país. Com um som que hoje já está dentro do imaginário dos brasileiros, uma batidinha envolvente e um “prepara”, a então popstar em ascensão dominou as rádios brasileiras, surgiu nos principais programas de televisão e passou a ser uma das cantoras mais promissoras daquela época.
Anitta soube bem aproveitar o prato cheio que o Brasil lhe entregou quando o hit viralizou e retribuiu ao público com mais sucessos, um após do outro: “Meiga e Abusada”, “Na Batida”, “Menina Má” e “Bang”, todos com uma forte influência do funk numa boa pegada pop, que davam à cantora um estilo único. Seu auge, naquele momento, foi a chegada ao Grammy Latino em 2014 com a faixa “Zen”. Primeiramente gravada em português, a faixa ganhou uma versão interpretada na língua espanhola, o que rendeu uma indicação na categoria de melhor canção brasileira.

Sua versatilidade a juntou a diversos nomes da música brasileira para parcerias, como Caetano Veloso, Wesley Safadão, Ivete Sangalo, Léo Santana, Preta Gil e por aí vai. De leva, Anitta cativou uma multidão de fãs, anitters. que são absolutamente apaixonados por ela. Com a visibilidade crescente, as críticas também bateram à porta e se transformaram em um fardo. Tudo parecia incomodar: sua aparência, jeito de se portar, letras ousadas a, a forma aberta que ela sempre falou sobre sua sexualidade, religião e opiniões políticas. Você, leitor, certamente já ouviu elogios e ataques na mesma proporção, quando o nome de Anitta é mencionado numa mesa de bar.
Ela mesmo acredita que essa oscilação entre o amor e o ódio é um denominador comum entre os brasileiros. “Quando a gente volta às histórias de pessoas que fizeram muito sucesso no Brasil, que hoje em dia são grandes ícones, no momento em que elas faziam sucesso também eram extremamente criticadas, né?”, comenta Anitta em entrevista à Billboard Brasil, em um tom sereno, conformada em ser alvo de olhares minuciosos há tantos anos.
Para a cantora, que precisou se esforçar para ser maior que os estereótipos a ela impostos, muitos faltaram com a sensibilidade de compreender que sua trajetória foi construída aos poucos. “Para marcar um gol, um atleta chuta umas 20 vezes. E assim é em todas as carreiras, em todos os trabalhos. A gente não acerta todas o tempo inteiro sem parar”, diz. “Minha carreira começou junto com a internet, praticamente. Então, precisei ir aprendendo”.
Além das fronteiras
Depois de conquistar públicos de Norte a Sul, de Leste a Oeste do Brasil, Anitta fez um movimento arriscado: resolveu lançar-se para o mundo. Em 2016, participou de em um projeto internacional: o remix de “Ginza”, do colombiano J Balvin e, naquele mesmo ano, lançou a faixa “Sim ou Não”, em parceria com Maluma. No ano seguinte, lançou o seu primeiro trabalho exclusivo em espanhol, “Paradinha”, e em 2018, “Downtown”, outra colaboração com J Balvin. A faixa foi sucesso absoluto, indicada ao Grammy Latino de melhor canção urbana, e foi a responsável por colocar seu nome de vez no mapa da América Latina.
No documentário “Larissa: O Outro lado de Anitta”, lançado pela Netflix em 6 março, Anitta reflete sobre essa vontade de se aventurar lá fora. Ela relembra que, quando contou para o irmão e fiel escudeiro Renan Machado, que lhe acompanha desde o início, ele teve uma reação questionadora. “Agora que conquistamos tudo aqui no Brasil, você quer começar do zero, tudo de novo?”, indagou. De fato, foi um recomeço. Enquanto aqui por aqui ela mal consegue comprar pão na esquina, lá fora nem mesmo seu nome era dito da forma correta: na gringa, ela tornou-se “Anira”.
“Eu sempre fui uma pessoa de extremos”, conta a cantora, que tatuou um ‘8 ou 80’ no corpo, como prova do seu jeitinho de ser. “Ou eu fazia tudo, estava sempre no auge, no topo… ou eu não faria nada”. Assim ela foi alçando voos, galgando seu espaço em um dos mercados musicais mais competitivos do mundo, com a bandeira do pop hasteada em uma mão e a do funk na outra, na intenção de popularizar ainda mais o gênero brasileiro ao redor do mundo.

Nessa jornada, conseguiu fazer feats com estrelas globais, como Snoop Dogg, Cardi B, Alesso, Major Lazer e até mesmo Madonna. A cada participação em um programa internacional, os anitters faziam questão de colocar seu nome entre o mais comentados do mundo na internet, quase como uma forma de mostrar que, para os gringos era o começo, mas para nós aquilo tudo era o auge. “Eu não dizia não para nada. Não queria perder nenhuma oportunidade”.
Ela estreou nos charts da Billboard em 2020, com a faixa “Me Gusta”, em colaboração com Cardi B e Myke Towers. Tudo isso, claro, teve um preço. “Eu tinha um dia de folga por mês. Houve meses em que eu não consegui ver a minha casa”, relembra Anitta, reforçando que não se arrepende dessa entrega, mas que não repetiria a dose.
A cereja do bolo feito com tanta dedicação veio em 2022. Ela lançou a faixa “Envolver” como parte de “Versions of Me”, disco feito totalmente para o mercado mundial. A coreografia ousada, em que Anitta se jogava no chão e rebolava apoiada nos braços, viralizou rapidamente. As pessoas queriam repetir, tentar fazer o mesmo que ela. Como era sua intenção, os gringos também queriam emular o rebolado brasileiro, e a faixa decolou. Ela foi a primeira brasileira e primeira mulher latina com um trabalho solo a alcançar o topo do Spotify Global com a faixa. Tornou-se a número 1 do mundo, depois de ter recomeçado tudo do zero. Esse sucesso sem precedentes lhe garantiu uma vitória inédita no MTV Video Music Awards (VMA) e uma indicação ao Grammy, como artista revelação. Naquele mesmo ano, entregou um dos principais shows do Coachella, vestida de verde e amarelo, com uma performance representando as favelas cariocas em cima do palco.
Seu trabalho de “levar o funk para o mundo” estava feito. Seu nome — mesmo dito de uma forma meio internacionalizada — estava na boca do povo, agora de um canto ao outro do planeta.
Nos bastidores, porém, a conquista carregava com um gosto agridoce. Ela estava no topo do mundo, e tentando entender quais seriam seus próximos passos a partir dali. “Era uma coisa que eu queria muito. Mas depois que aconteceu eu fiquei… E aí, né?”, relembra.
“Não tem nada maior que o número 1. Não existe o número zero. Quando se chega nesse lugar, que não tem onde você ter mais, mais e mais, a gente fica nessa de encarar o vazio”.
Nesse intervalo, sem ver sua casa por meses e com pouquíssimos dias de descanso, Anitta foi diagnosticada com uma endometriose e o vírus Epstein-Barr. No documentário da Netflix, ela mostra exatamente o momento em que recebeu uma ligação dos médicos, que lhe falaram até de uma suspeita de câncer no pulmão. Quando questionei a cantora sobre possíveis arrependimentos, ela falou tocou justamente nesse ponto: “Talvez eu tivesse cuidado mais da minha saúde… Mas se eu tivesse feito isso, eu não teria ficado tão doente, e aí eu não teria tido que parar tudo para olhar para dentro de mim”, disse. “Acho que depois que isso aconteceu, eu comecei a buscar outras coisas na minha vida que me dessem sentido, que não fosse apenas sucesso, bens materiais”.
Todo esse esforço fez com que ela chegasse onde chegou, mas não é algo que ela faria outra vez, se precisasse.
“Hoje em dia pode vir a grande oportunidade, a maior do mundo. Se eu tiver que abrir mão de coisas que são valiosas para mim, que é ficar em casa, ficar com os meus cachorros, ficar com a minha família… Eu não faço.”
Apesar de todo este processo, Anitta manteve seus planos de se consolidar fora do Brasil. Em 2024, lançou “Funk Generation”, um de seus projetos mais ousados, em que canta funk em inglês. Com o disco, que lhe rendeu mais uma indicação ao Grammy, agora na categoria de melhor álbum de pop latino, ela percorreu os Estados Unidos e Europa com uma turnê inédita. Apesar do reconhecimento da Academia, ela encarou tudo isso com um outro olhar. Decidiu ficar em seu país e se apresentar para uma multidão de mineiros com a turnê “Ensaios da Anitta”, em Belo Horizonte. A categoria foi vencida por Shakira. “Nada para mim hoje em dia tem o valor que tem eu ficar bem em casa. Eu acho que já deu, né?”.
E agora? Esse tanto de reflexão resultou em uma busca por algo maior, menos atrelado ao sucesso, ao estrelato. Anitta decidiu dedicar-se mais à religião, aproximou-se de mantras indianos, ioga e, no documentário da Netflix, recém-lançado, mostra sua tentativa literal de subir o tal monte Everest (fez sentido agora?).
Para mim, a repórter que assina este texto, soou como mais um empreendimento para levar a Larissa, de Honório Gurgel, para o topo também [alerta de spoiler]. Isso ficou mais claro quando, em uma das cenas, ela diz que tudo girava em torno da Anitta nos últimos anos, e Larissa ficou um pouco de lado. Afinal, quem era Larissa sem a Anitta? O que ela gostava de fazer? O que não gostava? Pois bem. Mas essa jornada específica cessou no meio do caminho, depois de um grande esforço para enfrentar a altitude desafiadora que foi superada por poucas pessoas do mundo. Diferentemente do que faria em outras situações —colocando seu corpo, mente e alma até a última gota de esforço para conquistar algo— Larissa aceitou que não daria conta. Parou e retornou, com a ajuda de um helicóptero, para o solo, sem vergonha de desistir. “Eu me sinto mais livre. Eu não tenho mais a pressão de fazer sucesso. Não sinto mais a pressão de continuar no topo”, conta. “Não preciso de mais nada, só de viver o tempo da Larissa que eu não vivi”.
Assista a entrevista completa de Anitta para a Billboard Brasil