Dexter celebra liberdade com álbum ‘D’LUXO’: ‘rap transcende o tempo’
Confira o papo exclusivo à Billboard Brasil
Por Adriana Arakake
em São Paulo
08/05/2025 às 12h34
Atualizada dia 08/05/2025 às 13h03
Dexter 8º Anjo (produção/divulgação)
Com mais de 35 anos de trajetória no rap nacional, Dexter 8º Anjoé um dos nomes mais respeitados da música brasileira.
Marcos Fernandes de Omena, seu nome de batismo, é referência no rap e ficou conhecido nos anos 90 quando foi um dos fundadores do grupo 509-E, sucesso nas rádios de todo o Brasil com as músicas “Saudades Mil” e “Oitavo Anjo”, ambas de sua autoria. O apelido foi inspirado no filho de Martin Luther King Júnior, Dexter Scott King.
Em entrevista exclusiva à Billboard Brasil, o artista falou sobre seu novo álbum “D’LUXO”, releitura de clássicos de sua carreira, além de refletir sobre sua caminhada, liberdade e o papel transformador do rap em sua vida.
Leia a entrevista de Dexter 8º Anjo à Billboard Brasil
Vamos começar falando do disco “D’LUXO”. Dexter, como foi revisitar esses clássicos? Onde você mais se emocionou nessas releituras?
Dexter: A história do “D’LUXO”começa com os insights que tive sobre minhas músicas. O que busco nesse disco é liberdade. Liberdade de poder trabalhar com minhas criações sem precisar pedir autorização. E, ao mesmo tempo, revisito amigos, situações… Trabalhar com o Zegon foi superimportante, aprendi muito. E ele trouxe ainda o Laudz e o Joel, que fez a mix e a master do disco.
Você deu uma modernizada nas faixas?
Exato. Chegamos nesse ponto: fazer releituras à altura do trabalho. São músicas que ainda tocam hoje, mas que foram gravadas há muito tempo. A ideia é fazer com que essa juventude conheça esse trabalho, que já está na internet, mas talvez não tenha espaço no novo cenário.
Talvez você tenha sentido a sonoridade mais datada?
Exatamente. Mas não só a sonoridade — você fica na fila de trás. Revisitar essas faixas é trazê-las de volta pra frente, dar nova vida a elas. Construo tudo com muito carinho, responsabilidade e amor. Sei que os jovens vão ouvir.
E como é cantar músicas que você compôs há mais de 20 anos?
O rap tem uma magia grande. As músicas fazem sentido até hoje. O sistema carcerário ainda existe, a saudade também, que é o caso de “Saudades Mil”. “Oitavo Anjo” fala de um jovem preso que acredita na liberdade — esse jovem era eu, aos 24 anos. E tem muitos se sentindo assim ainda hoje. “Salve-se Quem Puder” também continua atual. O rap, quando feito com sensibilidade, transcende tempo.
Esse lançamento comemora seus 35 anos de carreira e 14 de liberdade?
Eu não planejo muito. Mas Deus e os deuses da música vão guiando as datas. Coincidiu com meus 14 anos de liberdade e 35 de carreira. E, nesse ano, faço 52 anos. A Boia Fria Produções está novamente comigo, em parceria com minha produtora 8º Anjo, planejando coisas lindas.
Como você enxerga o Dexter de 35 anos atrás?
Eu não fazia ideia. Que um dia ensaiaria no estúdio Nimbus, cantaria com Seu Jorge, Mano Brown, ou Guilherme Arantes. E agora estou no The Town, convidado pelo Péricles. Coisas que nem imaginava.
Na música “Gratidão” você narra seu período privado de liberdade. Chama de exílio e não prisão.
A mente estava livre. Li o livro “O Exílio na Ilha Grande”, do André Torres, que conta como presos comuns e políticos se organizaram. Depois disso, não aceitei mais o rótulo de preso. A música, o rap, a literatura, me deram essa consciência.
Você vê o rap como ferramenta de transformação social? O que ele fez por você?
O rap me deu tudo. Organizou minha mente, minha vida, me fez entender minha ancestralidade. O rap é revolução através das palavras. Ele salvou minha vida.
O rap e o jazz são estilos que transcendem a música, viram estilo de vida. Você vê isso também?
Com certeza. O rap virou uma religião pra mim. Conheci com 16, 17 anos. E aí comecei a entender quem eu era. Sem o rap, eu não estaria aqui.
A autoestima também vem daí?
Sem dúvida. Ainda mais de onde eu venho, por quem eu sou. Sempre fui um sério candidato a morrer cedo. O rap me deu amor-próprio, me deu voz.
Muitos dizem que só existir como artista já é um ato de protesto quando se é da periferia. Você concorda?
Com certeza. Mas isso não é contabilizado. As oportunidades muitas vezes não são dadas, nem por nós mesmos, porque não fomos ensinados assim. O Brasil devia investir nas crianças, nos talentos das quebradas. Só assim o panorama muda.
E o sistema não quer isso…
Exato. Já nascemos marginalizados. Só pela cor, pelo lugar onde a gente nasce. É um projeto de encarceramento. E o dinheiro que deveria ir pros presídios, pra reabilitação, não chega. O rap me mostrou tudo isso. Antes, eu era vítima do racismo e não percebia. Ouvindo Racionais, me reconheci. A arte salva. A escola não me ensinou minha história.
Tem uma música que mais te emociona?
“Saudades Mil” é forte. Mas gosto de todas. Escolhi nove faixas só minhas. Não incluí as com parceiros, porque a ideia era um trabalho totalmente meu. Só quero trazer do passado o que ainda tem significado. O que não me convence mais, não carrego.
E como foi cantar fora do Brasil?
A maioria era de brasileiros. Fiz um show num clube na Espanha. As pessoas se emocionavam, vinham conversar, tirar foto. Em agosto a gente volta: última semana em Lisboa, primeira de setembro em Barcelona.
Tem algum sonho a curto ou médio prazo?
Muitos. Ano passado vi o The Town e pensei: “Um dia”. E esse dia chegou. Quero conhecer outros países, outras culturas, cantar com nomes que admiro. Mas o sonho maior é continuar lutando e ver resultado. A luta é diária, mesmo com momentos de alegria. O amor é o combustível de tudo isso.
Quais os próximos planos?
Vou comemorar meus 52 anos com amigos e fãs, dia 17 de agosto na Barra Funda. Sobre discos: são três esse ano. “D’Luxo” já saiu. Em junho, lançamos “Na Linha do Tempo”, com releituras de músicas fundamentais do rap nacional. No final do ano vem o álbum de inéditas. E também estamos trabalhando num livro e num documentário. A O2 Filmes vai co-produzir o doc, depois da minha participação em Pico da Neblina. O Fernando Meirelles topou na hora.
Pra fechar: o que você diria para o menino Dexter de 17 anos que estava começando na música? Diria pra continuar firme, acreditando no coração dele. Na época, eu era cabeleireiro — adorava levar autoestima para as pessoas. Mas um dia percebi que a música transformaria muito mais. E fui. Nunca mais voltei. Diria pra ele continuar se emocionando como sempre. Vai pelo amor, mano. É isso.
Ouça o novo àlbum de Dexter, “D’LUXO”
Tracklist “D’LUXO”
DE MENTIRA NÃO TINHA NADA
TRIAGEM (VERSÃO D’LUXO)
OITAVO ANJO (VERSÃO D’LUXO)
SEM CHANCES (VERSÃO D’LUXO)
SAUDADES MIL (VERSÃO D’LUXO)
A TRANSFERÊNCIA (INTERLÚDIO)
NOITE INFELIZ (VERSÃO D’LUXO)
ALTA VOLTAGEM (VERSÃO D’LUXO) – prod. Laudz e DJ Loo