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Como uma anestesia calou uma das maiores vozes da música brasileira

Como uma anestesia calou uma das maiores vozes da música brasileira

Clara Nunes, uma das damas do samba, morreu precocemente aos 40 anos

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“Tenha sonhos coloridos’, disse o anestesista Américo Autran Filho para Clara Nunes. Era um sábado, dia 5 de março de 1983, e a cantora tinha se internado na Clínica São Vicente, na Gávea (zona sul do Rio de Janeiro) para uma operação de varizes. Pouco mais de uma hora depois, os sonhos se tornaram um pesadelo. A intérprete de “Canto das Três Raças”, “Conto de Areia” e “Alvorecer”, entre outros grandes sucessos da MPB, sofreu uma parada cardíaca por causa da reação aos medicamentos e entrou em coma. Em 2 de abril, a cantora mais popular do país nos anos 1970 morreu. Segundo a equipe médica, Clara havia sofrido um choque anafilático por causa da anestesia. Tinha apenas 40 anos.

Nascida em 12 de agosto de 1942 na cidade mineira de Paraopeba (hoje Caetanópolis), Clara Francisca Gonçalves, nos primeiros anos de vida, interessou-se pelas letras dramáticas dos sambas-canções de Elizeth Cardoso e Dalva de Oliveira. De certa forma, esse recurso lírico a acompanharia por toda a carreira.

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Aos 2 anos, em 1944, Clara perdeu o pai, vítima de um atropelamento. A mãe, tomada pela depressão, se foi seis anos depois. Foi criada, então, pelos irmãos Maria e Zé Chilau.

Mais tragédias? Zé Chilau matou um ex-namorado de Clara com três facadas, por ele ter espalhado mentiras sobre a moça. Ela migrou, então, para Belo Horizonte, onde viveu com os irmãos Vicentina e Joaquim. O canto passou a ser seu companheiro. Clara adotou o sobrenome Nunes de sua mãe e começou a se apresentar em programas de rádio e TV locais. Em 1965, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde teria mais oportunidades. A primeira veio ainda naquele ano, quando assinou com a gravadora EMI Odeon. Mas o repertório, preso aos boleros e sambas-canções, não lhe deu a tão sonhada popularidade. A mudança veio em 1971, por sugestão do radialista Adelzon Alves, que se tornaria também seu namorado. Clara passou não apenas a cantar sambas mais animados –leia-se partido-alto– como também mudou o visual: adotou vestidos brancos, turbantes, colares e pulseiras, que deixavam clara sua conexão com as religiões afro-brasileiras. Mas Alves não moraria por muito tempo no coração de Clara. Em 1973, ela passou a namorar o músico Paulo César Pinheiro, que adicionou à banda da artista instrumentistas do primeiro time –o guitarrista Hélio Delmiro, o baterista Wilson das Neves– e o melhor repertório que ela poderia ter. Além das criações de  Pinheiro, gravou nomes célebres como Cartola, Nelson Cavaquinho, Candeia e Dona Ivone Lara.

A tragédia, no entanto, continuou a acompanhar a cantora. Clara sonhava em ser mãe. Mas, por causa de miomas no útero, sofreu três perdas gestacionais. Depois da última, doou sua coleção de bonecas (que pensou um dia em dar para a filha) a um orfanato.

Clara Nunes foi a primeira intérprete brasileira a desmentir, na prática, a falácia de que “mulher não vendia discos”: sua discografia passou dos 4 milhões de álbuns vendidos.

Adepta da umbanda, aparecia em programas de TV com vestes típicas e dançava como em sua religião. Também comprou um teatro no Shopping da Gávea, onde deu guarida a artistas com dificuldades de se apresentar em outras casas do Rio. Embora seja conhecida nos meios do samba, Clara não tem o mesmo prestígio que outras intérpretes de seu período. Mas Vanessa da Mata, fã de primeira hora, tem se esforçado para dar a ela o status que merece. Em agosto passado, estreou “A Tal Guerreira”, musical em que interpreta a “mineira guerreira filha de Ogum com Iansã” (como na letra de “Guerreira”). Um renascimento mais do que necessário.

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