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Como Paulo Junqueiro ajudou a moldar a sonoridade do rock e da MPB atuais

Como Paulo Junqueiro ajudou a moldar a sonoridade do rock e da MPB atuais

Executivo esteve à frente das principais revoluções da música nos últimos tempos

Em “O Cortiço”, clássico da literatura brasileira escrito por Aluísio Azevedo (1857-1913), o imigrante português Jerônimo desembarca no Rio de Janeiro em busca de um trabalho onde possa ascender socialmente. Mas, aos poucos, troca a austeridade europeia pelos hábitos locais. “Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil” escreve Azevedo. 

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Paulo Junqueiro, 65 anos, também seguiu os passos do personagem literário. Chegou ao país nos anos 1980, a princípio para cuidar do imóvel que a família tinha no centro do Rio. E, tal e qual Jerônimo, “abrasileirou-se”. As semelhanças param por aqui. Enquanto o imigrante de “O Cortiço” cai em desgraça por conta do processo de assimilação do jeitinho brasileiro, Junqueiro construiu uma carreira de sucesso no mercado musical autóctone, assumindo posições estratégicas nas companhias de discos a ponto de se tornar referência (e, claro, repassar essa história em entrevistas e palestras ao redor do país). Junqueiro foi engenheiro de som, produtor de discos, diretor artístico e finalmente presidente de gravadora. 

“Não são os animais mais fortes que sobrevivem, mas sim os que melhor se adaptam ao ambiente”, diz, sacando de uma citação do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). Sim, embora agradável, a conversa com este senhor falante e de gargalhada ruidosa – além de uma paixão doentia pela arte de seu ofício – é daquelas onde recomenda-se um pequeno caderno de anotações por conta da quantidade de referências e ensinamentos. Em duas horas de resenha numa cafeteria paulistana, fomos de rock progressivo a movimento punk, da sucessão papal à Revolução dos Cravos (que derrubou Antônio Salazar, ditador de Portugal) e causos sobre as principais personalidades do rock nacional. 

Mas vamos à ficha corrida do gajo. O jovem Junqueiro flertou com diversos tipos de trabalho até ser indicado para fazer estágio num estúdio de gravação em sua terra natal. Olha que por pouco não conseguiu a função. “Perguntaram o que eu entendia de eletricidade e respondi que sabia trocar lâmpada”, diverte-se. A bravata ficou restrita à entrevista de emprego. Os seis meses pelos quais ele foi contratado se estenderam por mais seis e posteriormente resultaram em uma contratação. Ali, a busca pela sonoridade perfeita tornou-se o seu Santo Graal (sim, este que vos escreve também se permite gastar uns tostões de sabedoria). Junqueiro foi do fado a bandas de rock. Até que, em 1984, migrou para o Brasil. 

Desembarcou no Rio, mas mudou para São Paulo para trabalhar no estúdio da Transamérica, na zona oeste da cidade. Certa feita, chegou para trabalhar e se deparou com um sujeito em trabalho de mixagem de uma faixa da cantora Simone. “Ele perguntou o que eu tinha achado e eu disse que tinha muito reverb”, disse. O tal produtor era Marco Mazzola, até hoje referência na produção de discos no país – e que se prontificou a ajudar aquele novato insolente. “Foi meu assistente de produção em discos. Aqui, precisava de uma carta para conseguir se manter no Brasil. Fui o responsável por ele poder ficar aqui no Brasil. Ele me agradece até hoje, dizendo que sou culpado por ter ficado aqui”, explica Mazzola. 

Os conhecimentos de produção e engenharia de Paulo o colocaram para trabalhar com bandas como Ira! – “Vivendo e Não Aprendendo”, melhor disco do quarteto, tem assinatura de Junqueiro. “Paulo gostava muito do som do Ira! e a química foi muito legal. É muito divertido e tranquilo trabalhar com ele, além de ser um grande técnico de som”, diz Nasi, vocalista do grupo paulistano. “Paulo inclusive batizou o nome do nosso terceiro disco, ‘Psicoacústica’, onde ele atuou como engenheiro de som.” 

Paulo retornou ao Rio pouco antes de se debruçar sobre o trabalho do Ira! Trabalhou no estúdio Nas Nuvens e ocasionalmente cuidava do som ao vivo de bandas brasileiras – entre elas Capital Inicial e Titãs. “Meu primeiro encontro com os Titãs foi em Campo Grande (MS), onde tive a missão de fazê-los soar como uma banda de oito integrantes e não aquele som que, como disse Gilberto Gil, parecia radinho de pilha.” A experiência com o então octeto deu tão certo que ele, tempos depois, esteve à frente do som do maior projeto do conjunto, o “Acústico MTV”. 

Mas, antes disso, vamos a uma pequena atualização no currículo de Paulo. Em 1994, ele assumiu a direção artística da gravadora Warner. Um de seus feitos foi contratar e bancar O Rappa, grupo que hoje é referência no pop/reggae/rock brasileiros. “Eles vinham de um primeiro disco que não tinha vendido bem e a gravadora pensou em dispensá-los. Eu disse que iria embora também”, disparou Junqueiro. Sérgio Affonso, executivo da Warner à época, comenta que havia uma ordem superior para tirar o grupo. “Os resultados custaram um pouco a chegar e a companhia estava vivendo mais uma das crises de mercado. Qualquer resultado era vital e urgente”, diz Affonso. 

Um outro caso daqueles tempos: às vésperas do “Acústico MTV”, ele foi acometido por um problema de saúde – que mais tarde descobriu ser uma contratura muscular. A carta de alforria do médico veio em forma de chantagem. “Ele disse que só me daria alta se eu providenciasse um par de convites para ele. Bem, ele foi ao show”, diverte-se. “A participação do Paulo no disco foi importante. Ele trouxe uma coisa diferente para a nossa sonoridade”, derrete-se Sérgio Britto, tecladista e vocalista dos Titãs. 

Paulo Junqueiro ao lado do produtor Jack Endino e de Tony Bellotto e Sérgio Britto, dos Titãs (Arquivo Pessoal)

O trabalho como executivo permitiu a Paulo saber com mais consciência que exercer o comando muitas vezes é tomar atitudes impopulares. Pouco depois de bancar O Rappa,  deparou-se com a recusa do grupo em fazer uma versão de “Hey Joe”, sucesso do repertório de Jimi Hendrix. “Lembrei a eles que cuido de várias carreiras ao passo que eles só tinham uma”, declarou. O Rappa gravou a canção e fez sucesso. Ainda na Warner, trouxe para o elenco da companhia o grupo Raimundos, que então era de um selo associado a major, o Banguela. “O Carlos Eduardo Miranda [então diretor do selo] ficou chateado, mas a gente tinha essa prerrogativa e eu sabia que eles venderiam mais na Warner”, justifica. 

Quando foi presidente da Sony, cargo que deixou no início de 2025, priorizou em seu cast nomes que estavam mais preparados para os novos tempos – onde o streaming é a mídia mais consumida – do que aqueles que pensavam em tempos de orçamentos inflados de gravação e divulgação. E aproximou a companhia do novo pop ao trazer para o cast nomes como Pabllo Vittar e Luísa Sonza

Paulo Junqueiro, esse Jerônimo da indústria musical, ‘abrasileirou-se’. Mas, ao contrário do personagem de Aluísio Azevedo, não perdeu o rumo. Ao contrário: ajudou a moldar o som de um Brasil que ainda aprende a se escutar. 

Paulo Junqueiro com Gilberto Gil e Caetano Veloso (Divulgação)

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