Comemorando 50 anos, DJ MAM ‘insiste’ na missão de tocar música brasileira
DJ está na Europa fazendo 'gringo bater cabeça' ao som de 'Aquarela do Brasil'


Com 50 anos recém-completos, Marco Aurélio Marinho, o DJ MAM, quer reviver o moleque bate-bola e pichador que costumava ser no subúrbio do Rio, enquanto faz os gringos dançarem. O DJ nascido e criado nas zonas norte e central carioca, foi escolhido como residente da Casa Brasil, a casa oficial da comissão brasileira nos Jogos Olímpicos de Paris.
Rodando pela Europa desde o final do mês de junho, MAM é daqueles DJs que militam pela música brasileira. Seu set reflete os 35 anos de carreira e pesquisa, que compartilhou com nomes como Alceu Valença, Gilberto Gil e Elza Soares (1930-2022), e também sua obsessão em conectar os povos originários e diaspóricos. Além de tudo, o DJ tenta não cair na tentação de repetir os sons das frequências radiofônicas e dos charts.
No Carnaval de 2023, por exemplo, foi uma das atrações da comemoração dos 50 anos da Banda da Conceição, tradicional bloco da região portuária carioca. Lá pelas tantas, com o público já com o flagrante da folia na cuca, o o DJ foi inundado com pedidos. “Toca Ivete!”, ouviu. Mas, ali, não.
“Eu me sinto muito confortável naquela região. Morei no Morro da Conceição. A gente havia acabado de sair de um período sombrio e eu estava de frente para um quartel, no Carnaval. Ali, não dava para ceder a nenhum pedido”, relembra ele, confessando que evita tocar canções do mainstream por questões políticas.
Naquela noite, o DJ então pegou o microfone e tascou uma bronca no público.
“Democracia não é ceder, mas apresentar possibilidades”, explica a decisão. “Por que o samba e o hip hop foram perseguidos? Eles não interessavam a quem estava no poder”, questiona o DJ que, agora, sai em turnê comemorando os 35 anos de carreira e as duas décadas que o separam de seu primeiro álbum, “Bossa Lounge”, de 2002.
“O que eu trago hoje, independentemente se vai ter muitos plays ou um destaque na grande imprensa, é estar alinhado ao que eu acredito: a causa sócio-ambiental. Se não tem planeta, irmão, não tem nada. Estou envolvido desde 2019 com o projeto Demarcação Já, como coprodutor musical e curador. Nesta turnê, a gente retornou ao Brasil para um show que reuniu duas etnias [Guarani e Atikum] em um espetáculo chamado ‘Show das Matas’ e depois voltamos para a Europa”, explica o DJ.
O momento de carreira de MAM, agora, é de revisitar sua trajetória no bairro da Penha encarnando o personagem Caboclo Exu do Rio, cujo figurino é assinado pelo artista plástico rOnA.
“Vim da periferia do Rio, morei ao lado de terreiro, essa coisa que a gente tem no Brasil, essa riqueza de batuque e harmonia… Eu vinha trazendo isso para o palco por meio de um ‘guerreiro do futuro’, um indígena samurai. Agora, é o moleque da ‘perifa’ que aparece, que sobreviveu com a arte e que conviveu com Afrika Bambaataa, tamborzão, levou o funk pro Réveillon de Copacabana… Enfim, agora vivo esse personagem que é um bate-bola mesclado com caboclo, com exu. Estou muito mergulhado”, conta o produtor, que também bate tambor como ogã em um terreiro de umbanda.
Além das pickups, durante a turnê europeia, Marco Aurélio mostra também em sala de aula a diversidade da música brasileira.
“O convite veio de um parceiro musical, professor e diretor do Institut für Pop-Musik, vinculado à Universidade Folkwang de Artes, de Essen, na Alemanha. Fui convidado justamente para falar da música brasileira enquanto música de resistência. E eu escolhi o samba, o forró e o carimbó”, conta.
Na aula, conta o DJ, alunos de vários cantos do mundo demonstraram conhecer de Heitor Villa-Lobos à Anitta. Após a experiência, Marco Aurélio confessa que tem chorado muito na Europa. Mas de alegria. Como quando tocou para 70 mil pessoas no Fusion Festival, também na Alemanha.
“A turnê está o bicho, chorei para caralho […] Geral vendo, cantando, batendo cabeça com ‘Aquarela Brasileira’. Porra, meu irmão, ninguém sabia o que estava acontecendo e todo mundo com o braço levantado e gritando. Eu lá, olhando para uma galera onde rolou um grande genocídio, onde a extrema-direita está aumentando. Nem sei descrever, mas acho que contei uma historia para aquelas pessoas.”