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Cego desde os oito meses, MC Leozinho ZS descreve a vida na favela pela música

Cego desde os oito meses, MC Leozinho ZS descreve a vida na favela pela música

Funkeiro contou sua história para Billboard Brasil

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Leozinho ZS

“Eu não sei como é enxergar. Perdi a visão com oito meses, por conta de uma meningite bacteriana, então não tenho memória de antes. Mas isso não é papo de sofredor, tá ligado? Isso é a minha realidade, só. Isso não faz de mim melhor ou pior do que ninguém, não. E desde menor eu levo isso comigo. Vou à luta e faço meu corre, nem me diminuindo nem crescendo para cima de ninguém.

Nasci em Itabuna, na Bahia. Minha mãe, Patrícia, viajou de São Paulo para lá quando eu estava para nascer, porque queria ter a companhia da família dela no parto. Meu pai, Josenildo, ficou. Logo depois que nasci, deu dois ou três meses, voltamos para o Capão Redondo, lá no fundão da zona sul, onde moro até hoje. Eu vivia no meião da favela, mesmo. Hoje, que a vida deu uma melhorada, estou em outro pico. Mas não saio do Capão. Minha essência é de lá.

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Essa parada de música entrou na minha vida quando eu era criança. Sempre fui muito independente, gosto de me virar sozinho. Meu tio tinha vários CDs em casa, lembro que ia de Calcinha Preta a Djavan, e eu ouvia tudo. Sempre brisei em vários ritmos.
Na escola, eu era o linha de frente da molecada. Estudava numa escola pública que, claro, tinha seus problemas, mas éramos eu e outros cinco alunos cegos, e recebíamos a atenção possível. Eu ficava na assistência com a lição, explicava como funcionava o braile. Enfim, eu era um pouco professor também. Mas, além de estudar, eu gostava de rimar. Diziam que eu tinha esse talento. Fazia minhas músicas, mas tinha vergonha de cantar.

Lembro até hoje da primeira vez em que subi num palco. Foi lá na minha quebrada, eu tinha 14 anos. Alguém comentou com o pessoal que organizava o baile que tinha ‘um MC cego que cantava bem’. Me jogaram lá no palco, e eu morrendo de vergonha! Mas cantei. Lembro que fiz a lista de músicas na minha cabeça, cantei umas que estavam ‘estouradas’ e umas que tinha escrito no caderno, cujas melodias estavam na minha cabeça. A galera gostou, e eu nunca mais tive vergonha de subir num palco novamente.

Mas ainda tinha que gravar, né? A vida de MC não é só o baile. Fui falar para o meu pai que queria ser MC e precisava ir num estúdio, produzir uma música. Ele me deu R$ 500. Minha família sempre me incentivou, então aquilo deu um gás para mim –mesmo que esse dinheiro só desse para gravar uma única música, eu sabia que ela ia virar. Na época, o que estava pegando era a putaria, essa coisa de falar de sexo. Eu não curtia muito, minha cara sempre foi mais o funk consciente. Não é porque eu sou cego que não posso cantar a realidade do dia a dia. Eu também vivo o que acontece na favela.

Gravei uma música, e estourou. Fiz outras, e meu nome já estava rodando. Quando consegui me firmar no funk de São Paulo, fui para o consciente. Mas, querendo ou não, era uma responsabilidade. As pessoas cobram muito de quem canta essa vertente, elas querem verdade. Para falar a real, acho que o que eu faço de melhor é cantar para o público da favela. Não tenho ego, essa coisa de querer fazer só o que eu gosto. Quero trocar ideia e ouvir histórias, é assim que construo as minhas letras.

Acho louco quando alguém me para na rua e diz: ‘Aê, Leozinho, aquela sua letra foi feita para mim!’. O pessoal se identifica porque temos muitas histórias em comum. Só que eu não vivo tudo que canto, né? Para mim, meu maior sucesso é ‘Vários Abandona’. É uma música que conta o sofrimento da população de presídio, dos familiares. E é uma música com a qual muita gente se identifica. Tem gente que acha tão real que fala que tirou uma cadeia comigo. É mole?

Independência

Eu vivo rodeado de amigos. Quando não estou fazendo show, o que mais gosto é de estar no estúdio. Quando era moleque, precisava de um emprego para ajudar em casa e fiz um curso de locomoção. Hoje, sempre tenho algum produtor ou alguém da equipe para andar comigo. Mas, se não tivesse, eu me virava. O pessoal brinca que até esquece que eu sou cego. Eu mando guia de música pelo WhatsApp, escrevo e decoro as letras pelo celular. Agora, meu próximo objetivo é aprender a produzir. A tecnologia de hoje oferece acessibilidade em tudo, então tenho que meter marcha.

Só para deixar claro: esse papo de que sei me virar não é que aprendi sozinho, não. Pelo contrário. No funk, eu tive vários aliados que me ajudaram no caminho. Eu brinco que meu mestrão é o Neguinho do Kaxeta. O que ele tem de funk eu não tenho de idade. E essa troca me ajudou a entender muita coisa. Nesta vida, eu caminho do lado de várias pessoas de luz. São elas elas que me guiam.

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