O havaiano Peter Gene Hernandez ficou impressionado com o tio John Valentine ser um imitador profissional de Elvis. Influenciado, passou a ficar para lá e para cá imitando os passos pélvicos dos dois ídolos. Quando completou dois anos, o pai porto-riquenho parou de chamá-lo por Peter e passou a chamá-lo Bruno —devido a uma semelhança com o lutador ítalo-americano Bruno Sammartino, professional de telecatch. Não só: fã de Little Richard, considerado o arquiteto do rock, o pai de Bruno transmitiu o vírus da perfomance; a mãe, cantora e dançarina, também faria com que o pequeno Peter —ou melhor, Bruno— já fosse uma estrela da vizinhança aos seis anos.
Essa pequena biografia do pequeno Bruninho é muito, mas muito antes do outro apelido, o Mars, fundar um dos maiores nomes da música pop contemporânea. Anos depois dessas inúmeras fusões musicais na infância, o já adulto Bruno Mars conseguiria uma façanha que parecia ser difícil de ser alcançada após ídolos do porte de Michael Jackson e Madonna, por exemplo, terem permitido espaço para novas estrelas. O havaiano transformou-se em californiano e, pouco tempo depois, parece ser o único headliner possível do pop mundial. E são cinco os motivos que levam Bruno Mars a ser um popstar único e que consegue, na contramão de uma indústria pop cada vez mais de olho nos nichos, ser adorado por todas as gerações.
A versatilidade e o talento óbvios —que não foram reconhecidos de primeira
Bruno aprendeu reggae e soul com a mãe, rock e R&B com o pai. O que parecia ser mais um caso de um bom cantor de boas influências fazendo boas canções pop tornou-se um momento raro do pop mainstream: Mars passou a ser visto como uma expansão do pop de Michael Jackson, ainda que não seja considerado pela crítica como uma evolução do maior ídolo do pop. No entanto, tal como Jackson, Bruno alia seus predicados musicais a coreografias que vão muito além da dança em si, mas pela dança que provoca no próprio cenário que fica sem saber como classificá-lo. Mas isso não conquistou o mundo pop e os executivos de primeira.
Em 2010, quando o New York Times resolveu entender todo esse apelo de Bruno, o jornalista Jon Camaranica declarava que o cantor parecia não ter vergonha de ter um repertório vasto e, ainda assim, ser tão acessível. “Isso faz de Mr. Mars, de 24 anos, um dos mais versáteis e acessíveis cantores do pop, com uma voz claramente inspirada pelo soul, ele flutua por uma série de estilos, um doador universal. Não existe lugar onde Bruno Mars não encaixe”, escreveu em perfil entitulado “Bruno Mars In Ascension”. Quatorze anos depois, toda a impressão do jornalista é mais do que confirmada —parece que ele já era isso tudo lá, aos 24 anos.
Mesmo assim, Bruno sofreu para ser ouvido da maneira como gostaria. “Não olhe para mim, ouça a p… da minha música. Eu não sou um mutante”, reclamaria ao mesmo jornalista ao ser questionado sobre como demorou a ser notado. “Eu sempre fiquei pensando… Na escola todas as garotas gostavam de mim… Por que essas malditas gravadoras não me enxergam?”.
Um showman talhado na infância e, depois, no estúdio
As imitações do “pequeno Elvis” já faziam sucesso, como ele mesmo diz, com as garotas, mas não só. O pequeno encantava também as mães das garotas e, por extensão, avós, pais, tias, todo mundo. O artista foi crescendo e, quando autoral, tornou-se um especialista em agradar a todos. Além do talento, especializou-se em um compositor obstinado e produtor ligeiro. Sabia que perfomances ao vivo vão muito além de saber dançar e, desde o estúdio, começou a construir canções que pareciam destinadas ao rádio, claro, mas também para o auge do pop em cima dos palcos.
Mesmo quando não estava compondo “Just The Way You Are”, “Marry You”, “Talking To The Moon”, “Locked Out Of Heaven”, “The Lazy Song” (todas hits e feitas em um espaço de dois anos), Bruno estava escrevendo e produzindo “Nothin’ On You” (colaboração com B.O.B.) ou “Fuck You” (colaboração com Cee-lo Green). É difícil achar outro artista que tenha criado, já desde o primeiro álbum, tamanha radiofonia e histeria em estádios por onde passa.
“Eu realmente me importo com o que as pessoas veem. Eu quero que elas saibam que trabalho duro por isso. Os artistas em que me inspiro como James Brown, Michael Jackson, Prince… Você olha para eles e entende porque eles dedicam tanto tempo aos detalhes da arte: e isso incluí a roupa, o movimento, o que eles fazem o público sentir. Eles vão matar quem os antecede ou sucede naquele palco. Foi isso que eu vi por toda minha vida e como me inspirei”, disse em entrevista à CBS, em 2017. E isso nos leva ao terceiro ponto:
Um artista que é um tributo vivo aos clássicos —sem a armadilha da nostalgia
A impressão de que Bruno é uma coletânea de artistas não é falsa. No entanto, em outros artistas, essa observação pode vir a diminuir potenciais, como se fosse limitar um artista a somente ter boas referências. No caso de Mars, ela evidencia que o cantor conseguiu as pessoas enxergarem os clássicos não por imitação, mas por uma tentativa de expandí-los. E ele foi bem sucedido nisso já que ninguém olha pro palco e acha que o cantor é um cover de Michael Jackson ou de James Brown —por mais tributo que ele insista a fazer a ambos.
“Qual o sentido disso se nós, como músicos, não podemos aprender com os caras que vieram antes? Por que eles fizeram isso? Eu espero que mais pra frente exista uma banda que pegue o que nós fizemos e vire isso do avesso e enlouqueça ao colocar seu próprio toque nisso, porque se não o fizerem, então de que adianta estarmos fazendo isso?”, disse ele em entrevista ao podcast The Breakfest Club, em 2021.
“Você não conseguirá encontrar uma entrevista em que eu não esteja falando sobre os nomes do entretenimento que vieram antes de mim. E a única razão pela qual estou aqui é por causa do James Brown, é por causa do Prince, do Michael Jackson… são as únicas razões pelas quais estou aqui”, acrescentou, durante lançamento do álbum “An Evening with Silk Sonic”, projeto em que dividia as composições e arranjo com Anderson Paak. Nesse projeto, por exemplo, já no auge do sucesso, Bruno e Anderson exploravam o R&B, soul, funk, pop, disco e hip hop. “Apesar de ser estilizado como dos anos 1960 e 1970, o projeto não é uma nostagia, mas sim uma fusão”, escreveu o portal Sputnikmusic, por exemplo.
O charme de um popstar que entendeu tudo
Como se não bastassem as qualidades musicais, o ídolo de 1.65 metros de altura também começou a ser visto como um galã. Ou melhor, como o namorado perfeito aos olhos de quem queria tê-lo como namorado ou mesmo tê-lo como genro. E isso inclui o fato de que Bruno Mars entendeu que para ser visto como produto por “toda a família”, ele precisava pisar em lugares diferentes dos comumente pisado por superastros: as polêmicas. Quanto mais longe delas, ainda mais em épocas em que popstars sofrem para esconder as sujeiras para debaixo do tapete, mais ídolo de todas as gerações ele vai se tornando.
E, enfim, os temas universais que canta
Um artigo de 2019 escrito na plataforma Medium contava, em primeira pessoa, o porquê de “The Lazy Song” ser um hino geracional. O cantor, então com 12 anos, sentia que a canção, mesmo que soasse adulta, parecia demais com algum sentimento muito próximo. “Mesmo sem eu saber a profundidade daquilo tudo, a música ressoava em mim e eu reconhecia a música como um hino. Eu sabia daquela tal ‘preguiça’ que Mars cantava, antecipando para mim o sentimento de burnout”, escreve Alia Atkins.
Esse exemplo é um dos muitos que podem ser encontrados em uma discografia também repleta de declarações de amor, tentativas amorosas, felicidades e tristezas. Mais do que compor canções pop, Bruno entende para quem canta cada uma das canetadas que dá.
Alia continua: “de acordo com o especial ‘Story of the Song’, Mars escreveu ‘The Lazy Song’ após um longo dia trabalhando no estúdio. O objetivo era criar uma música melhor do que as dos Beatles, que fosse tanto histórica quanto mágica. No entanto, o cantor foi ficando frustrado a cada tentativa. Após cinco horas, ele disse: ‘hoje eu não quero fazer nada’, e todos os produtores se iluminaram. A inspiração para essa música veio particularmente de um sentimento de descontentamento com o trabalho”.
Ou seja: a diferença de Bruno Mars é saber ser igual —não aos artistas que influenciaram-no— mas igual, quase um par, no coração de quem o escuta. Independente do tema que esteja cantando, o cantor criou para si uma atmosfera que possivelmente não veremos repetir —e essa é a graça da música pop.
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