Conheça Guanayra Firmino, a presidenta da Mangueira que se criou no morro
Da linhagem da Tia Fé, Guanayra descobriu-se gestora já aos 14 anos
Guanayra Firmino compartilha um ritual comum a líderes natos. Normalmente, o posto que ocupam no presente é decorrência de uma trajetória orgânica, sem explicações mirabolantes. Quando se viu a primeira mulher eleita para a presidência da Estação Primeira de Mangueira, a mãe, avó e candomblecista se enxergou, mais uma vez, com a responsabilidade de cuidar.
“Tudo isso que eu vivo dentro da Mangueira começou na ancestralidade”, introduz Guanayra sem deixar de citar Eli Gonçalves da Silva, a Chininha, como primeira presidenta de honra da agremiação. Faz questão também de contar que faz aniversário no mesmo dia que Dona Neuma, a primeira-dama do samba, filha de Saturnino Gonçalves, um dos sete fundadores da escola de samba que defende. Como se não bastasse, Guanayra é tataraneta de Tia Fé, responsável pelo terreiro que, anos depois, aquilombaria também a atual presidenta e as crias do morro.
Aos 14 anos, Guanayra já se colocava à disposição da associação de moradores do Morro da Mangueira. Três anos depois, era vice-presidente da organização. Participava de mutirões, mantinha contato com autoridades municipais e erguia um posto médico na comunidade. “Eu sou técnica de enfermagem, estudei psicologia e me formei em tecnologia de redes de computadores. Só então fui fazer pós-graduação em gestão pública —que é o que eu gosto. Então, tu vê que é tudo meio complicado, mas a gestão estava em mim desde a enfermagem. Eu gosto disso”, analisa a líder, que também “gostava de ajudar”, mas que, com o tempo, viu que havia ali uma missão para ela, nascida no Largo do Treze, aos pés de Nossa Senhora da Glória, na favela-bairro localizada na zona norte do Rio de Janeiro.
Os mais de mil mangueirenses que labutam na verde e rosa veem na gestora algo maior do que o título que ostenta. Para muitos, por exemplo, ela pilota o “bonde dos crias”, brincadeira com a palavra que a presidente tanto repete como lembrete de que a escola deve ter um corpo técnico formado por quem nasceu e viveu naquele morro.
“Pensar nessa presidência é pensar no que nos constitui como parte de uma sociedade. Pensar naquilo que a gente acredita que vai viver no coletivo. Eu tenho uma mulher na presidência da minha escola, sabe? Vivi para isso. Guanayra tem um olhar detalhista sobre o morro, sobre a comunidade que o habita. É uma forma rara de fazer gestão”, reflete Rafaela Bastos, presidente do Instituto Fundação João Goulart e vice-presidente de Projetos Especiais da Mangueira.
Enquanto dirigia-se para um ensaio na quadra da escola, Rodrigo Alexandre da Silva, o Digão, matutava sobre o que ia dizer sobre Guanayra. “Já escreve, de antemão, que ela é muito importante na minha vida.” Só então lançou uma pequena biografia dos dois: “Eu já tocava na escola e sempre fui pesquisador musical. Me formei em música, tinha algumas ideias boas, alguns arranjos meus por aí no pagode. Porém, não me via como diretor musical da maior escola de samba do planeta, minha escola de coração”, explica. “Quando Guanayra assumiu a presidência e me convidou para o cargo, eu fiquei uns minutos pensando: não conseguia chorar, nem rir, nem gritar. Aí ela falou a seguinte frase –e eu nunca mais vou me esquecer: ‘Eu confio em você’. Desde então, tento honrar essa confiança.”
“Mangueira é Mãe”, diz a canção homônima eternizada por Alcione, e é como Guanayra se vê. “Acho que eu sou a mãe, como o pessoal lá do Twitter chama, né? Rigorosa, exigente, mas que faz uma gestão com um lado humano, sabe?”, finaliza docemente.
