“Na maioria das vezes, não me surpreende tanto”, diz Eric Alves, o Agazero, produtor fluminense de São Gonçalo, pego de surpresa ao ver Björk ouvindo e apreciando sua música. Dono de discografia prolífica em quantidade e gêneros, o produtor falou à Billboard Brasil sobre as frustrações com o reconhecimento no Brasil, seus projetos simultâneos como ICQ BABY e DJ LHC, e sobre seu TDAH, que o deixou com “parafusos soltos”.
“Eu vi o vídeo da Björk durante meu horário de almoço, para você ter noção”, diz o também técnico de TI, citando o registro no qual a islandesa, ao lado da também fora-da-caixinha ARCA, aparece pulando ao som de “Palhaço do Mal”, que assina como ICQ BABY, uma de suas muitas facetas.
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— björk brasil (@bjork_brasil) March 4, 2024
CLT e pouco reconhecimento
Sua carreira nunca viu os palcos internacionais, mas que já exportou faixas exclusivas para a Mugler, uma das maiores grifes da moda mundial, a pedido do hoje amigo Total Freedom. “Para mim é um mix de sensações ruins e boas. Uma hora eu sou contratado pela Mugler, ouvido pela Björk ou admirado pelo fundador do PAN [um dos mais importantes selos europeus de música eletrônica]. É estranho porque minha vida não mudou nada, na prática. Na vida real, eu ainda trabalho CLT, pego metrô lotado, tenho problemas para sobreviver em São Paulo…”, analisa.
A contradição fica ainda mais nítida quando se passeia pela obra de Eric —que começou a produzir aos 14 anos. Como Agazero e DJ LHC (outro de seus pseudônimos), ele já emplacou dois remixes em um mesmo álbum da cantora e compositora norte-americana Kelela. Em 2021, estava presente também na obra de Carlos do Complexo, outro produtor carioca conhecido por trazer ares mais densos à pista.
“Eu nem fico tão ‘caralho, que foda!’ quando eu vejo alguém famoso tocar minhas coisas. O caso da Björk é diferente porque ela é minha primeira referência musical. De resto, não me surpreende tanto. O sistema capitalista é uma merda e mesmo sendo um artista que lá fora tenha relevância, aqui dentro eu não sou valorizado. Eu tenho que trampar porque senão não faço música. É basicamente isso”, explica o produtor de 26 anos, resignado.
Só em 2024, além de Bjork, Agazero foi citado ou tocado por figuras como o diretor de cinema Harmony Korine (em um Boiler Room, aqui) ou pela DJ Horse Giirl (ao site especializado Resident Advisor) Em uma busca por faixas tocadas na NTS, o produtor já soma mais de 30 músicas indicadas por outros apresentadores ou DJs.
Viagem no tempo
A quantidade de nomes artísticos reunidos em uma só pessoa é a forma que o produtor arranjou para viajar no tempo. “Eu posso ser várias pessoas. Uma coisa que eu aprendi na internet é ser quem eu quiser. Eu fui criando vários alteregos. O ICQ BABY é uma versão minha com 12, 13 anos só que com a minha habilidade atual de produção. É o som que representa meu gosto por RPG, nightcore com a estética ICQ. Se eu tivesse nascido depois dos 2000, eu seria MSN BABY”, explica o gen-z nascido em 1997.
“Meus projetos têm uma história mesmo, sabe? O DJ LHC é um viajante no tempo. Ele volta no passado, para Memphis, depois vai para Londres para aprender jungle… Estou sempre criando alguma coisa, toda hora”, conta, revelando que os personagens servem como um mapeamento de todas as cenas que o Eric Alves curte. “Eu tenho tudo mapeado”, revela.
Foram essas facetas que trouxeram para Eric um olhar curioso dos antenados gringos em música eletrônica que fogem da tentativa de reproduzir estéticas estabelecidas. “A pessoa descobre ‘um eu’, depois descobre outro, depois outro. Eu não imponho limites à cabeça, sabe?”, conta.
Um dia após o vídeo de Björk batendo cabeça com “Palhaço do Mal”, Eric estava ao vivo na NTS, rádio inglesa atenta à produção de vanguarda do Brasil e que abre espaço para nomes como Iasmin Turbininha, ANTCONSTANTINO, entre outros.
Vivendo a vida de sempre
“Eu consegui um pouquinho mais de acesso e cultura que amigos meus de São Gonçalo, alguns acabaram indo para o crime, fazendo coisa errada. Gente que tinha sonhos parecidos com os meus”, contextualiza o arquiteto de cloud servers, que mexe “diretamente com redes e principalmente tecnologia de armazenamento em nuvem da Amazon”.
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