A prova de rótulos: conheça o ‘punk rock curioso’ da banda Meu Funeral
Cariocas chamam a atenção na cena hardcore com letras repletas de humor e ironia
O que a funkeira Tati Quebra Barraco, os veteranos do Dead Fish, e o pagodeiro Xande de Pilares têm em comum? Todos eles têm músicas em parceria com a banda Meu Funeral, formada por Luquita, Dan, Pepe e Tentilhão.
A banda surgiu em Niterói, no Rio de Janeiro, quando o vocalista Lucas Varela, (o Luquita), se encontrava frequentemente para almoçar com o amigo Dan. Os dois tiveram a ideia de começar uma banda, ainda que a concretização desse sonho fosse muito vaga.
Tempos depois, Luquita resolveu se dedicar à tarefa de compor, e, mesmo sem um centavo no bolso, conseguiu um estúdio para registrar as faixas. Foi somente a partir daí, que ele foi atrás de uma banda para valer: Pepe chegou para a guitarra e Dan se tornou o baixista. Eles gravaram o primeiro EP em 2018. No mesmo ano, se apresentaram no emblemático Circo Voador, no Rio, com o Dead Fish. Em 2020, eles lançam o primeiro álbum, “Modo Fufu”. Foi nesse periodo que ganharam a adesão do baterista Pedro Tentilhão,
“Começamos a viajar pelo Brasil fazendo nossos shows e divertindo a galera que curte bater cabeça e rebolar até o chão”, conta Luquita.
Os show do Meu Funeral são uma atração à parte e têm atraído cada vez mais a atenção no meio punk rock. Tradicionalmente, as luzes da casa noturna se apagam, alguns holofotes miram somente um modesto palco, e os integrantes sobem um a um ao som da música “I Gotta Feeling”, do grupo pop Black Eyed Peas. Uma entrada nem um pouco habitual, e que já desperta a curiosidade dos frequentadores.
Luquita sobe no palco, e puxa o microfone do pedestal com a naturalidade de quem sabe bem o que vai fazer a partir dali. O vocalista quase sempre está usando um short curtinho e camisa cor de rosa, quebrando totalmente a tradicional vestimenta preta de quem frequenta a cena do hardcore. Ao cantar os primeiros versos, todos da casa já estão com a atenção voltada para o palco: ele é alto, tem a voz forte e marcante, e as letras falam por si, causando um agradável clima de estranheza: “No meu funeral / Por favor, venham todos de bermuda ou camisa floral / Vai tocar Valesca e Ratos de Porão / Pra bater cabeça e rebolar até o chão”, canta Luquita, enquanto ele próprio apoia-se na bateria e rebola para a plateia. O convite foi feito: ou você entra na festa que a banda propõe ou não vai entender nada do que o Meu Funeral está prestes a fazer a seguir.
Ao contrário dos baixistas tradicionais, que, por alguma razão ficam escondidos nas sombras, Dan toma à frente do palco diversas vezes, com saltos e coreografias ensaiadas, enquanto carrega as cores do arco-íris na correia de seu baixo. Pepe, além de ser um excelente guitarrista, ainda tem tempo para se divertir com os integrantes e com o público: desce do palco, se joga no meio do público, que, à essa altura, já abriu a tradicional roda de mosh. Pedro Tentilhão, o mais jovem da banda, dá o tom do que é a música do Meu Funeral: ele vai da batida rápida do hardcore (D-beat), até a levada do pagode, funk e a melodia do sertanejo.
Está dada a receita do Meu Funeral: um hardcore maduro, com ótimos músicos, que produzem letras irônicas e sarcásticas sobre as coisas simples do cotidiano: desde o sofrimento de um amor não-correspondido, até críticas sobre a indústria musical que destaca, na maioria das vezes, as tais músicas “chicletes”: faixas dotadas de uma mesma estrutura, com um refrão pegajoso, e que, em suma, não trazem nenhuma mensagem. Eis uma palinha de “Chiclete”, de 2023. “Pra grudar na sua cabeça/ E até que amanheça/ Você nunca mais esqueça esse refrão”
Luquita explica (ou tenta) a mistura de gêneros que surgem no meio do hardcore do Meu Funeral:
“Foi algo meio natural. Acho que tem uma questão geográfica de sermos cariocas e aqui as coisas serem meio caóticas e misturadas, mas tem também a questão de curtirmos essa mistura e sentirmos vontade de trazê-la pra nossa música. Rola uma vontade de misturar tudo isso do nosso jeitinho pra criar a nossa identidade.”
Por outro lado, o Meu Funeral também fala sério (e muito!), como na faixa “Armas de Brinquedo”, parceria da banda com o vocalista do Dead Fish, Rodrigo Lima.
“Brinquedo não mata ninguém
Mas ensina a matar tão bem.”
A ironia domina a música “Coisa de Satanás”, em que a banda fala sobre a quantidade de substâncias legalizadas e que são consumidas desenfreadamente:
“Cervejinha sexta-feira com os amigos / Uísquezinho se tá frio num domingo / Cigarro se tô estressado / Red Bull se eu tô cansado E se tiver na bad um antidepressivo / Mas eu não tomo drogas porque droga é coisa de Satanás!”
Apesar de a cena hardcore estar adormecida no Brasil, sem grandes bandas lançando músicas que tocam nas rádios, e despontam nos rankings das mais ouvidas nas plataformas digitais, o Meu Funeral surge como algo surpreendentemente novo e curioso, diferente do formato engessado e talvez ultrapassado do gênero.
A atitude punk e as mensagens críticas estão nas músicas e nos shows do Meu Funeral, porém, de um jeito mais leve, sarcástico, e abrangente, onde todo mundo parece ser bem-vindo independente do gênero musical de sua preferência.
Em tempo: o Meu Funeral está fazendo shows e divulgando o mais recente EP chamado “O que sobrou do Rio”.
*Karina Andrade é editora de jornalismo da MIX FM