Na Zona Norte do Rio de Janeiro, entre o vai e vem dos carros e trens, há um coração que bate no compasso do charme e do hip hop. Local escolhido para receber a primeira edição do Billboard Apresenta Une Verso Sounds, o Viaduto de Madureira transformou-se, ao longo das últimas três décadas, numa espécie de quilombo urbano. O local vai receber, no próximo dia 12 o show de Ebony com a turnê KM².
A área vazia embaixo das pistas do viaduto, oficialmente chamado Prefeito Negrão de Lima, virou um espaço de muitas expressões culturais. Lá, a festa se encontra com a resistência e a cultura preta carioca se fortalece. É o que garantem os frequentadores e admiradores do lugar.
“O viaduto é mágico. Representa muitas vidas pretas, periféricas, que às vezes não têm outra opção de lazer”, diz DJ Michell, diretor cultural do espaço que também irá discotecar no Une Verso Sounds.
“Muita gente começou a frequentar o viaduto, se entendeu como pessoa preta e se entendeu enquanto profissional. ‘Ah, eu vou trabalhar com dança’, ‘Vou trabalhar com moda”. O viaduto proporciona tudo isso.”
Michell é, ao mesmo tempo, testemunha e protagonista desta história. Afinal, ele toca nos bailes do viaduto desde os 13 anos. No início dos anos 1990, era levado à festa pelo pai e, anos depois, conheceu sua esposa lá. “Minha vida pessoal e profissional se misturam lá. É o meu lugar.”
O nascimento do charme no Viaduto de Madureira
Tudo começou em 1990, quando um grupo de sambistas organizou o bloco Pagodão de Madureira embaixo do viaduto. Poucos dias depois, em um sábado, os DJs Markin New Charm, Kally e Loopy improvisaram um baile na rua. O charme, versão carioca do R&B, foi a trilha sonora escolhida. Os convidados foram os DJs Marlboro, Fernandinho e Corello. Nascia ali o Baile Charme do Viaduto de Madureira que, três anos depois, oficializou Michell como um dos residentes.
Michell explica que o viaduto surgiu com essa vontade de democratizar o acesso aos bailes.
“Na época, o pessoal ia para os bailes muito arrumado, tinha que gastar dinheiro com roupa. Tinha um gasto para você ir para um baile charme. E o viaduto era uma coisa mais popular, né? Você ia de bermuda jeans, de calça, enfim, como você pudesse.”
Sempre democrático, o charme se abriu ao hip hop e o R&B encontrou o rap ao longo do tempo. Na virada dos anos 2000, um novo público descobriu o charme e passou a frequentar o Viaduto de Madureira. O grafiteiro e MC Airá o Crespo faz parte dessa geração do rap que passou a frequentar o espaço.
“O viaduto era um espaço que a gente tinha como referência da cultura negro-urbana. Teve um momento ali que o hip hop realmente estava muito forte, começou a ganhar o mainstream aqui no Brasil”, diz Airá o Crespo.
“Foi inevitável que começasse a tocar nos bailes charme. E tudo isso trouxe não só uma renovação sonora e geracional, mas também uma revolução cultural de aceitação da galera, de outros comportamentos, de outras referências. Porque o público do charme, na verdade, ele vem muito da galera que era jovem na década de 1980.”
Reconhecimento internacional e orgulho periférico
O viaduto virou ponto de encontro entre gerações, linguagens e estilos. Segundo Michell, o público já está na quarta geração. Com os anos, o Dutão foi ganhando reconhecimento institucional. Em 1995, o Governo do Estado criou o Projeto Rio Charme e reformou o espaço. Em 2013, o baile foi tombado como bem cultural imaterial do Rio. A Portela e o Salgueiro já dedicaram alas inteiras ao espaço. E em 2025, foi capa e ganhou duas páginas do New York Times.
“Nunca atendi tanta imprensa na minha vida. Foi surreal. Gente do mundo inteiro querendo saber o que era o baile”, conta Michell.
Mas faz tempo que o viaduto não é só festa. O baile abriu caminho para uma rede de oficinas que vai de dança charme a capacitação em turismo e criação de conteúdo com celular.
“A ideia é gerar renda, fazer circular conhecimento, dar ferramenta para quem é do território. É formar e formar-se, tudo ali dentro”, diz Airá, que em 2024 ajudou na revitalização visual do espaço com grafites que contam a história da música preta, dos tambores da África ao passinho do charme.
A nova fase do viaduto mistura cultura, formação e arte. “A gente criou a maior galeria de negritude urbana do país”, festeja Michell.








