Pedro Chediak e Diogo Queiroz estão em chamada para conversar com a Billboard Brasil sobre “Música Ambiente do Brasil”, coletânea com 61 faixas que alinham-se com outros sítios, para além dos clubes escuros, insalubres e divertidos que costumam promover com o selo e festa SPEEDTEST e pelo selo Leigo Records, onde são parceiros.
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O momento atual da dupla é uma das primeiras pistas do porquê estamos falando de música ambiente: Chediak está com dificuldades de engatar em leituras —faz cinco anos não lia nada e, agora, ele tenta se concentrar em um dos ensaios do sul coreano Byung-Chul Han; Diogo já estava com a barrinha do especial cheia após tantas raves e perrengues enfrentados e superados coletivamente.
Urgia mesmo um outro ambiente. A conversa —quase— na íntegra segue abaixo explicando o processo que ambos levaram para chegar nesta necessidade que forjou “Música Ambiente do Brasil” e também “Discos Flutuantes”, novo selo da dupla.
Entrevista com Diogo Queiroz e Pedro Chediak
Billboard Brasil, Yuri da BS: Em nossa primeira conversa, o Chediak já falava em fazer música ambiente. Agora, vocês dois provocam produtores para que eles criem música para o gênero e para esta coletânea.
Pedro:
Quer começar, Diogo? Ou eu falo?
Diogo:
Pode ir. Mas eu acho que… Eu e o Chediak, a gente troca muita ideia sobre várias formas de fazer arte diferente. Principalmente música, mas também sobre filme, escrever livro, várias coisas. E esse lance da música ambiente veio forte depois que o Chediak lançou o disco dele, o “A.A.R”. A gente conversou várias vezes sobre como ele tinha essa vontade de fazer música ambiente, e eu tinha vontade de criar um selo de jazz, de colocar jazz na pista, coisas experimentais… Coisas que a gente não conseguia fazer na SPEEDTEST ou na Leigo [Records]. Até poderia fazer, mas não faria muito sentido dentro daquele universo.
E como ele tava sempre produzindo música ambiente, mesmo sem divulgar, falando com outros produtores, mostrando pra amigos… A gente via que tinha gente querendo fazer também.
Aí eu falei: “Cara, a gente tem que dar um jeito de colocar isso no mundo”. Isso tem uns dois anos, né?
Pedro:
A real é que a gente também precisava de outra coisa pra fazer quando não estivesse na rave. Porque se fosse só selo de música de frito, a gente ia cansar rápido —e o público também ia perceber que a gente tava batendo ponto, sabe?
Porque a gente vive disso. Nosso dia a dia é conversar sobre o próximo passo, o que falta pra um projeto sair. E esse lance da música ambient… A ideia do selo não é só lançar ambient. É lançar maluquices experimentais. Pode vir ambient, pode vir jazz, pode vir IDM, colagem sonora.
A gente quer reunir gente em museu, em parque, em praça. Pra mim tem muito disso também: tô ficando mais velho e quero ver minha música existindo em outros lugares. Não só em estúdio, casa noturna, show grande.
E a música ambiente foi tomando mais espaço na minha vida com o tempo.
Yuri:
Isso tem sido uma conversa constante com qualquer tipo de artista. Independente do grau no mercado — do Tiaguinho ao artista mais independente — todos tão buscando outra forma de se comunicar. Parece que, depois de conquistar um público, as pessoas querem fazer o que têm vontade de verdade.
Porque amadureceram. E agora querem criar o que ouvem, o que sentem.
Diogo:
Total. E nisso que você falou tem a nossa estrutura. A gente passou muito perrengue pra fazer a SPEEDTEST funcionar e chegar num ponto confortável — financeiramente, inclusive.
Com o álbum de Volt Mix, a gente aprendeu um jeito de trabalhar coletivamente que funciona. As pessoas gostam. E agora, com a SPEEDTEST num momento bom e a Leigo também, temos estrutura pra lançar esse tipo de coisa sem passar sufoco.
Agora a gente sabe que conseguimos fazer várias paradas diferentes. Então, foi o momento que a gente viu de investir no ambiente, lançar o selo e tal. A primeira ideia era mais fazer uma parada só do Chediak. Depois, troquei de ideia e aí apareceram 60 porradas de pessoas que queriam participar da parada.
Pedro:
Pô, isso é uma parada que eu queria falar. Eu comecei a fazer música ambiente como uma parada para eu escutar, sem planejamento nenhum de lançar. Tava começando a entrar naquele hiperfoco.
Parte 2: Música (ambiente) para criar novos ambientes
Yuri:
Isso é algo que eu queria comentar. Você já me disse que música ambiente foi algo que já tava rolando na sua intimidade.
Pedro:
Quando descobri o ambiente, comecei a pesquisar muito. E aí produzia pra eu escutar com minha namorada. Porque eu morava com meu pai, e às vezes a gente queria trocar uma ideia e tinha meu irmão jogando videogame num quarto, meu avô vendo novela no outro, meu pai falando em outro canto…
Então eu comecei a fazer músicas sem vocal e sem bateria. Era música ambiente mesmo, pra poder tocar no nosso quarto, ou onde estivéssemos, e criar um espaço nosso.
E quando soltei o primeiro álbum, não foi planejado. Eu tinha soltado um single house com um gringo [camoufly], chamado “only1”. No dia seguinte, lancei o álbum de ambiente sem avisar ninguém. Programei a data: aniversário de namoro com a Nari.
A gente já morava junto, e não precisava mais tanto dessas músicas pra criar um espaço nosso, mas ela sempre brincava: “Meu sonho é você lançar essas faixas no Spotify para eu ouvir quando você não tiver em casa”.
Então lancei o disco meio como um presente. Ele começa com uma narração minha: “Toda vez que eu não sei o que fazer, eu saio para caminhar…” Pensei que podia ser tipo um diário musical, uma linguagem bem livre.
Não era algo que esperava que o público da SPEEDTEST fosse ouvir.
E não foi uma parada que explodiu. Uma vez por mês algúem mandava uma mensagem como “Caramba, achei esse projeto seu, muito foda” ou “Achei que ninguém mais no Brasil fazia isso”.
Assim como foi no começo da SPEEDTEST. O movimento do drum and bass já existia, mas eu comecei a estudar com a projeção do selo. E com o ambiente foi a mesma coisa. Foi me conectando e guardando música.
E aí surgiu a ideia do nome do disco: Música Ambiente do Brasil. E aí o Diogo pensou que isso deveria ser maior.
Aí usamos a estrutura da SPEEDTEST, tipo o Volt Mix: abrimos formulário, recebemos músicas, ouvimos tudo durante meses, curadoria…E chamamos a mesma galera da parte visual: Vinícius Monteiro, Kawaii Oliveira…É tipo SPEEDTEST com outro nome, focado no ambiente. Continuamos eu e Diogo criando um espaço pra galera se encontrar.
Recebemos quase 200 músicas. Não lembro o número exato, mas selecionei 61 faixas. São 60 artistas de vários cantos do Brasil, de idades diferentes. Tem gente de 15 anos, tem galera mais velha, gente que não quis se identificar — eu só sei o vulgo da pessoa e pronto.
Tem artistas lançando a primeira faixa da vida e tem nomes como o Carlos do Complexo, que já tem uma carreira gigante.
Yuri:
Tem algum nome conhecido escondido atrás de pseudônimo?
Pedro:
Tem, tem. Mas eu nem sabia na hora. Descobri depois que a gente anunciou o álbum.
Vi DJs de outras cidades que mandam música pra SPEEDTEST dizendo: “Tenho uma faixa nesse disco com outro nome”. Tipo o Gabrieu, lá de São Paulo. Produz tech, garage… Ele deu RT no disco e falou: “Tô aí com nome tal”. E eu nem sabia que era ele. E tem outros que usaram o próprio nome, mas lançaram faixas totalmente fora do que costumam fazer. Tipo a track do Carlos do Complexo. É um código Morse que se repete durante a música inteira, com ambient em volta. Nunca imaginei ouvir isso dele.
Eu sei que ele tem coisas absurdas guardadas. Mas é interessante quando a gente vê o que está escondido nos artistas. Sempre imagino que tem algo diferente ali. E nesse projeto, deu pra acessar isso.
Parte 3: Ambiente sem grana
Yuri:
A música ambiente é um alívio, então, pra quem tá enfurnado quase sempre produzindo?
Pedro:
Mano, o Diogo sabe, eu sou noiado com som. Tipo, se a gente tá conversando e tem alguma coisa esquisita tocando duas rodas para trás e eu consigo ouvir um pouquinho, eu não consigo continuar a conversa. Tem muito isso assim desde sempre, desde moleque.
Entrar no meu quarto e botar um som pra ser algo ali sempre foi algo meu.
Yuri:
Literalmente ambiente.
Pedro:
Sim (risos).
Pra gente está sendo muito legal. É um disco que tem duas horas. Todas vez que vou ouvir eu ponho no aleatório. E, por ser muito abstrato, várias vezes esqueço que faixa é qual. É um bom disco pra se deixar levar. Acho que foi o Diogo falou que tava lendo um livro durante a audição do disco.
Diogo:
É. Eu tô lendo o livro sobre os 25 anos do Movimento Negro [“25 anos 1980-2005: movimento negro no Brasil”, Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006], do Januário Garcia. E aí tocou 35 músicas e, de repente, esqueci que estava ouvindo música, eu fiquei viajando. Eu entrei no universo do livro e do álbum. Eu fazia isso antigamente com trilha sonora de “Games of Thrones”, para eu achar uma música mais calma. Quando o Chediak lançou o álbum dele foi que me deu o estalo. Eu lembro muito claramente dele falando pra mim de um evento de música ambiente no MAM (Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro). Uma parada com patrocínio, pessoas da classe artística da zona sul do Rio, aquela história de sempre. E eu queria ouvir e fazer isso com a turma do Jardim Gramacho [bairro de Duque de Caxias, onde forjou-se a Leigo Records] também.
A gente quer muito que esse álbum e as coisas que saírem do selo sejam eventos e que sejam também coisas físicas, materiais.
Yuri:
Diogo, você consegue dizer qual foi o pior agouro dessa caminhada de tocar selos e como é que você contornou esses entraves, nesses cinco anos?
Diogo:
Tem uma coisa forte aqui, o principal, que é o lance da parceria entre todo mundo que quer estar na Leigo. A gente criou uma rede de pessoas que querem fazer a parada, querem fazer a arte, querem trabalhar nisso, mesmo que isso não tenha um retorno financeiro. É uma panela, digamos assim, em que tá todo mundo disposto a trabalhar de igual para igual, a dividir tudo.
Depois do tempo em que o Antônio [ANTCONSTANTINO, produtor e DJ, nome maior do grime no Brasil] tava ali meio “sozinho”, é essa a mentalidade que a gente passa a ter. A parte mais difícil é manter o selo e os eventos estando no underground brasileiro: sem verba, tendo que passar pelos piores lugares do Brasil, piores estruturas possíveis para tentar entregar um trabalho com qualidade. É construir um público estando na rua.
Uma mentalidade que eu acho que difere um pouco a gente de outros selos, como os de rap, por exemplo. Às vezes, os artistas têm números gigantescos, mas não tem o público que a gente tem. Porque desde o início a gente quer construir esse público pessoalmente, né? Então, assim, a parte mais difícil é realmente a parte de estrutura, de grana, de conseguir botar o nosso plano no mundo da melhor forma sem ter dinheiro, nem apoio.
Pra gente, o mais importante é colocar a arte no mundo, tá ligado? A gente não pensa em fazer arte para ganhar dinheiro, a gente pensa em fazer dinheiro para fazer arte. O mais importante disso tudo, para passar por cima disso, é justamente criar uma panela assim. Porque muita gente na no cenário briga porque existem panelas, mas eu acho que as pessoas não entendem que a panela não é uma lance de exclusão, mas de se ajudar.
Pedro:
Para mim, tem um outro lado dessa parada que é poder cada vez mais escolher com quem a gente quer trabalhar. Tanto o álbum de Volt Mix que a gente soltou ano passado, quanto esse de ambiente agora, todo mundo que participou tem autoria das músicas, a gente não está registrando em nosso nome. É uma vitrine dos artistas que fazem esse estilo de música atualmente no Brasil, sabe?
No caso do álbum de Volt Mix, eu fiz uma aula gratuita para a galera aprender a produzir, eu mandei um sample pack para o pessoal poder ter os sons específicos que constituem aquele estilo musical ali. No ambiente também. Fiz uma playlist com mais de seis horas de música, meio que um starter pack para se entender o que é isso, sabe? Então é foda ver o que o Diogo tá falando porque eu já os via trabalhando e, hoje, a gente abre esse espaço para um moleque mandar uma música e entrar num disco comigo, o Crosstalk, Mari Hezer e o Carlos do Complexo.
E é meio isso que vocês estão falando aí. Isso para mim é acesso. Para eu estar falando na Billboard, alguém abriu a porta pra mim —e, no caso foi o Maffalda. E eu acabei sendo essa pessoa também para outros produtores. Não sei onde vai dar, mas quero o máximo de gente junto, pensando junto.
Parte 4: Pedro Chediak vs. o pop contemporâneo brasileiro
Yuri:
Mudando um pouco a prosa, eu me lembrei de ti, Chediak, ao ver o show do A.G. Cook no C6 Festival. Não só por alguma semelhança física, mas também por algo geracional. Fiquei pensando que no Brasil tem um vácuo desse tipo de produtor que consegue de alguma forma ter acesso ao mainstream, conseguir emplacar a sua forma de pensar musicalmente onde tem muito público ouvindo.
Você já teve bons convites ou vontade de oferecer o seu esmero e a sua visão para quem está fazendo milhões de views ou milhões de dinheiros?
Pedro:
Cara, eu… Não… Que pergunta difícil, velho. Caralho, tipo. Ah, não sei, mano.
Vou tentar ser sincero aqui. Talvez, eu trave aqui em alguma parte, porque, tipo, eu não sei o que eu acho sobre isso, para ser sincero, assim, sabe? Eu faço muito o que eu gosto de fazer e e às vezes eu vejo eco, em alguns artistas, de algo que eu ajudei a construir, algo do jeito moderno brasileiro de fazer alguns estilos de som e tal.
Assim como também já trabalhei com artistas e acabei fazendo remix oficial para artistas pop, por exemplo. Aí, depois, eu vi elementos de músicas que poderiam ser minhas na obra desses artistas —porém, de novo, feitos por outros produtores, por outras pessoas, sabe?
Ao mesmo tempo, me sinto reconhecido porque eu sei que se eu talvez tentar entrar em contato pode rolar uma colaboração com alguém que eu gosto e tal. Algumas vezes a gente tentou entrar em contato para eu poder trabalhar com artistas que eu que eu admiro e não rolou, sabe?
Eu não vou falar para você “cara, eu gostaria muito de ser um produtor de um grande álbum de pop atual” porque não tem nada do pop atual no Brasil que eu consuma como fã.
Mas tem artistas que eu olho e eu falo assim: “Cara, se eu tivesse oportunidade de criar da forma que eu crio com algumas pessoas…”.
Tipo, adoraria trabalhar com a Marina Sena. Eu acho foda o que ela faz, mas eu faria com ela algo completamente diferente do que ela já fez, sabe?
Ey queria ser essa pessoa de conseguir chegar em algumas pessoas e dar uma ideia e falar: “deixa eu te ajudar a botar isso no mundo”. O AG Cook fez isso com a estética da PC Music, eu admiro muito. O Maffalda fez isso, colocou coisas modernas e novas no pop brasileiro.
Mas óbvio que ia ser irado trabalhar com gente muito grande e ver minhas ideias sendo validadas dessa forma também.
É foda porque MAIS UMA VEZ o papo termina no Maffalda.