Wilco no C6 Fest: no quintal de casa, delicadamente torto, minuciosamente leve
Banda de Chicago foi discreta até para se emocionar; mas que banda.
O Wilco. Foi esse nome, “WILCO”, que estático permaneceu por toda uma pequena hora de poucos minutos de show desses meninos grandes e grisalhos de Chicago. Não teve vídeo-projeção, telão, efeito visual. Tava tudo já ali no palco —e na platéia. O Wilco é uma coisa.
No quarto dia e último dia de C6 Fest 2025, a banda emocionou-se e fez emocionar porque faz-se Wilco em todas as formas maravilhosas e dolorosas dessa missão de querer ser quem se é.
E quem somos? Do alívio de olhar para o lado e ver seu amigo emocionado à dor na lombar, eis parte do que nos consagra vivos. E a banda, desde que se ergueu no palco —com seu setlist impecável, protocolar— já demonstrava que, sim, a turma é boa, mas tinha algo de diferente no ar.
“Por que não moramos aqui?”, disse Jeff Tweedy, dono de incontáveis violões ao longo da apresentação. “É uma questão que permanece viva na cabeça”, completou. Eles se sentiram em casa, mais uma vez. O tal “antológico” show do Circo Voador, realizado em um nostálgico 2016, fica em uma perspectiva interessante: é uma memória de quem precisava daquilo diante de um enorme sentimento de ausência —e, mesmo assim, compareceu à casa carioca apenas metade da lotação da casa. Só os amigos mais próximos apareceram.
“Eu descobri um dia depois do show de 2016 que ia ser pai. Ontem, eu vi com meu filho na grade. Simbolismos fazem a vida bacana”, comentou Alejandro Mercado, pai babão de Cícero. Aos 40 anos, ele enviou essa mensagem horas depois do show em um grupo formado, em sua maioria, por fãs de Wilco que não se reuniram no WhatsApp necessariamente por causa da banda. São jornalistas, arquitetos, músicos com álbuns lançados que ainda fazem música pelo prazer do criar solitário no quarto. Inclua nesse grupo um hospitaleiro dono de uma geladeira cheia de cervejas das mais esquisitas que ele oferece pelo puro prazer de reunir a turma. É o paradoxo do quintal da casa: fica maior quando os amigos que ocupam-no chamam mais amigos —para crescê-lo mais ainda.
“Primeira coisa que chamou a atenção do Cícero, além do volume, foi o tanto de gente que havia na tenda e como as pessoas cantavam as músicas. O fato de que até os solos de guitarra eram reproduzidos pelo público também chamou a atenção dele”
Pois, então, como estávamos dizendo, era um show para celebrar essa coisa de ser gente, essa coisa de saber o que nos constitui como amantes de música porque gostamos de amar alguma coisa, algum Wilco —que todos ali e o pequeno Cícero foram entoando pelas tortamente assobiáveis “Impossible Germany”, “Hummingrbird”.
Quase dez anos após, agora, essa banda é ovacionada pelos amigos dos amigos dos amigos, por quem se tornou fã mesmo com alguma dificuldade de ouvir toda a discografia da banda, por quem nem sabe muito bem os rumos da carreira solo de Jeff Tweedy, ou mesmo por quem não teve (ainda) a possibilidade de ver o desenho que é a estrada do Wilco pela música que constitui as décadas de 1990, 2000, 2010 e 2020. É muita coisa e, ao mesmo tempo, parece que amanhã poderíamos visitá-los de bobeira numa casa no Butantã —no Rio de Janeiro, lá em 2016, eles ficaram perambulando pela Lapa para alegria de indies safados bêbados no Bar da Cachaça muito anos antes —para orgulho indie de cada um— de o point ser sinônimo de um causo na música hiper-popular brasileira.
“Wilco! Wilco! Wilco” foi o que gritou-se por duas vezes no show. Jeff não sabia mais como retribuir depois de ter feito o gesto simpático da fala no quintal de casa, timidamente se maravilhava com a turba dos descontentes a sua frente, um bando de gente muito contente entoando canções sobre o que é ser gente —que, basicamente diz a obra do Wilco, é se entediar, se apaixonar, desencanar, encanar, pegar, largar, chorar, sorrir, ouvir uma música no aleatório e reclamar do algoritmo levando a sério a experiência de estar vivo.
Mas, sei lá, estou falando sério, a banda permitiu que, ao emanar o coro alegre de “Spiders (Kidsmoke)”, desse a deixa para que alguma gente (mais de uma pessoa, não vou revelar quem, mas gênios) percebesse alguma similaridade da melodia com “Do Seu Lado”, canção famosa do Jota Quest. O que é mais ser gente do que se permitir isso? A banda deixou tudo isso ocorrer, eu juro. Estávamos todos no quintal.
E a vibe do show, ora experimentalmente country, ora dialogando suas guitarras e teclas, criava uma massa sonora densa dissipada sempre pelo humor da banda —e é uma banda curiosa, que te conduz para um ápice de uma canção e quando você vai ver, não tem ápice, ela se encerrou —em outra hora, Jeff está cantando em formato canção e a bateria tá lá trás espancando livre por camadas de guitarras como se tudo estivesse desabando. É quando a gente percebe que vida é mesmo isso aí. Tem hora que acaba sem previsão, tem hora que se estende divertida.
Por todo o show, o Wilco faz uma coisa rara —mas abrangente na coleção dos 13 discos na carreira: é delicado conquanto agride e progride; é leve, não menos minucioso. No fim, você chora com o single mais famoso, coisa que você jurou que era de fã abobado.
Sente a comoção que o Wilco causou em “Jesus, etc” no C6 Fest pic.twitter.com/Ae3WLC9DrP
— Alexandre de Melo (@aledemelo_) May 26, 2025