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Vivian Seixas homenageia Raul Seixas com tributo e exposição no MIS

Vivian Seixas homenageia Raul Seixas com tributo e exposição no MIS

O cenário musical brasileiro lembra as capitanias hereditárias do período colonial. O sujeito ganha seu lote de terra e cabe aos herdeiros seguirem o seu padrão de governança. O clã criado por Raul Seixas (1945-1989) não é tão poderoso quanto os de Gilberto Gil e Caetano Veloso – para ficarmos entre os baianos –, mas certamente possui um sucessor bastante arrojado. No caso, Vivian, filha da união entre Raul e Kika Seixas.

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DJ e produtora de eventos, Vivian lidera as comemorações dos 80 anos do maior roqueiro brasileiro, em 28 de junho. Ela será protagonista em pelo menos uma delas: o “Raul Seixas e o Rock das Aranhas”, ao lado da também DJ Paula Chalup. O projeto atualiza o universo raulseixista, com direito a remasterização e novas mixagens do cancioneiro do mestre baiano para os tempos atuais. Há projeções de clipes e trechos de entrevistas de Raul. “É um tributo visual e sonoro à obra dele. Revisitar essas músicas é uma forma de celebrar sua genialidade e apresentar sua força poética a novas gerações e ao público de Raul. É um show feito com respeito e liberdade, como ele sempre viveu”, resume Chalup.

Vivi Seixas na infância, com seu pai Raul Seixas (Arquivo pessoal)
Vivi Seixas na infância, com seu pai Raul Seixas (Arquivo pessoal)

“A gente quis dar um presente, fazer uma homenagem para o Raul Seixas e seus fãs. Não será algo eletrônico. Dessa vez é para os fãs de Raul, será um presente para os admiradores do meu pai”, explica Vivian. “A gente está meio revisitando a obra do meu pai, mas mudando o arranjo de algumas músicas. Tem muita sobra de estúdio, tem o meu pai falando, zoando o outro…”

A outra homenagem com abertura no dia 11 de julho, no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo. Vivian e sua mãe, Kika Seixas, são curadoras de “O Baú do Raul”, mostra dedicada ao autor de sucessos como “Gita” e “Maluco Beleza”, parceria do roqueiro com, respectivamente, Paulo Coelho e Claudio Roberto. Boa parte do acervo sai da coleção pessoal de Kika e Vivian. “O Raul sempre foi muito caótico em termos de organização e minha mãe organizou tudo”, explica Vivian. “Você vai na casa dela, está tudo assim, em pasta, organizado por época, ano, temas… Até coisas do baú do Raul, que minha avó mandou”, completa. Boa parte do material, aliás, pertencia à Dona Maria Eugênia, mãe de Raul. A outra parte saiu do acervo de Sylvio Passos, amigo e presidente do fã-clube do cantor. Por fim, em 28 de junho haverá no Circo Voador (Rio) um show tributo a Raul Seixas, com participação de Rick Ferreira (guitarrista dos principais discos do roqueiro baiano), Chico Chico, Roberto Frejat, Ana Cañas e muitos outros.

Raul Seixas tornou-se símbolo do rock brasileiro. Primeiro pela simbiose entre o gênero americano e ritmos tradicionais brasileiros – presente, por exemplo, em “Let Me Sing”, primeiro compacto solo, que unia ritmicamente Elvis Presley e Luiz Gonzaga. Raul também perpetuou, ao lado de diversos parceiros, um estilo de letra apocalíptica, que ia desde escritos do mago Aleister Crowley (1875-1947), presente em “Sociedade Alternativa”, a crônicas engraçadas – vide “Metrô Linha 743” ou “Como Vovó Já Dizia”.

Vivi Seixas na infância, com seu pai Raul Seixas
Vivi Seixas na infância, com seu pai Raul Seixas (Arquivo pessoal)

A filha do Maluco Beleza 

Raul e Kika Seixas foram casados de 1979 a 1985. Kika tentou manter o marido – conhecido pelo abuso de álcool – na linha e organizar sua carreira. Vivian tinha oito anos quando o pai se foi, mas ainda guarda firme as poucas e boas recordações que tem dele. “Minha mãe sempre fez muita questão de me manter próxima ao meu pai. Eu sempre ia a São Paulo visitá-lo ou ele vinha ao Rio me visitar, aparecendo de surpresa no colégio. Foi bacana assim, porque é diferente das outras esposas do meu pai, que teve outras três filhas. Minha mãe sempre fez muita questão de manter ele próximo e de falar das coisas positivas”, resume Vivian.

“…Foi bacana assim, porque é diferente das outras esposas do meu pai, que teve outras três filhas. Minha mãe sempre fez muita questão de manter ele próximo e de falar das coisas positivas”, resume Vivian.

O pai de Vivian cantou certa vez que o diabo era o pai do rock, mas aquele ser chifrudo, de fato, gosta de estilos musicais que desafiam padrões estabelecidos de caretice, e hoje a música eletrônica tem preenchido o espaço de rebeldia que era por direito do rock. No caso da filha de Raul, a opção pela carreira de DJ surgiu depois de uma bizarra escolha de carreira. “Eu iria ser geriatra. Sempre gostei de velhinhos, queria cuidar deles”, confessa. A paixão pela música eletrônica se deu durante um período em que Vivian passou na Austrália. “Fui para minhas primeiras raves de música eletrônica, me encantei e voltei com isso na cabeça. Me apaixonei pelo groove, pela batida, comecei a frequentar os festivais. Ficava encantada com aquela coisa de você dançar ao ar livre, com pé no chão, entre as árvores, na floresta. Um amigo meu me ensinou a tocar e acabei me apaixonando. Me senti abraçada na música eletrônica, sabe? Encontrei o meu nicho”, diz ela.

“A música eletrônica é transgressora de outra forma — menos gritada, mais sentida. Há 22 anos eu vivo pistas onde corpos diversos se encontram para existir fora das normas. A eletrônica nunca foi só entretenimento: ela é espaço de resistência, de reinvenção. Isso, pra mim, é pura atitude rock’n’roll”.

Vivi Seixas nas pick-ups e na infância, com seu pai Raul Seixas
Vivi Seixas nas pick-ups e na infância, com seu pai Raul Seixas (Arquivo pessoal)

A princípio, Vivian dissociou-se do trabalho do pai. Especializou-se em sets eletrônicos, nos quais tocava, em sua totalidade, house music. O distanciamento foi necessário para que mostrasse que é muito mais do que uma herdeira. “Eu queria fazer a minha parada: procurar o meu caminho e me desvencilhar um pouco dessa coisa de Raul. Foi importante para mim e precisei de muita coragem para fazer o que eu acreditava que eu queria fazer no meu coração.” No início dos anos 2000, já com a carreira estabelecida, voltou para a obra do pai. Um de seus feitos foi “Geração da Luz”, de 2013, no qual criou remixes de hits como “Carimbador Maluco” (do disco que o pai lançou em 1982 e está entre os seus prediletos) e “Só pra Variar”.

Vivian pode ter demorado para trabalhar a obra do pai, mas hoje sente-se à vontade até de recriar clássicos do repertório alheio. Quatro anos atrás, fez uma versão para as pistas de “Lança Perfume”, de Rita Lee e Roberto de Carvalho. “Foi especial porque mexer com Rita Lee é uma referência na música brasileira, assim como o meu pai. Mas para mim não tem ninguém como ela”, derrama-se. Toca Raul, toca Rita mas, acima de tudo, toca Vivian. A capitania Seixas não poderia ter uma herdeira melhor.

Raul Seixas
Raul Seixas (Divulgação/Frederico Mendes)

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