![Morgan Wallen 2023](https://billboard.com.br/wp-content/uploads/2024/02/2022-04-24T032912Z_902358780_AGIF000PWQ820_RTRMADP_3_AGIF-scaled.jpg)
Durante os ensaios do Vai-Vai para o desfile de 2024, uma cena chama a atenção: em dado momento, a bateria comandada pelos mestres Tadeu e Beto, conhecida como Pegada de Macaco, troca o ritmo por uma espécie de reprodução artesanal do boom bap. Para quem está mais acostumado à cadência do samba, a batida é reconhecida mundialmente como a marca registrada do rap. A energia vibrante do público se transforma numa espécie de transe, em admiração ao recurso. É, mais uma vez, o Vai-Vai inovando no Carnaval de São Paulo.
Tal recurso, embora encantador, não é exatamente uma novidade nas avenidas. Em 1997, comandada pelo mestre Jorjão, a niteroiense Viradouro fez a histórica “paradinha funk”, reproduzindo o som do gênero consagrado nos morros do Rio de Janeiro. No entanto, ao emular o boom bap com caixas, surdos e repiques, o Vai-Vai levará para o Anhembi uma maneira especial de homenagear o hip hop, um senhor que acaba de completar 50 anos de existência global. Na descrição do seu enredo para 2024, a escola diz: “Assim como o samba, o hip hop é atitude de enfrentamento e inspiração, jamais se omitindo de sua missão maior: (R)existir!”.
Primeira escola a desfilar no sábado (10), a maior campeã do Carnaval paulistano retorna ao Grupo Especial com o enredo “Capítulo 4, Versículo 3 – Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano”, que contará no Anhembi a história da cultura que chegou ao Brasil há 40 anos, pelo largo São Bento, no centro histórico da capital paulista, e invadiu as periferias e quebradas de todo o país.
“Dentre as culturas negras de maior importância por aqui, o hip hop era a única que não havia sido homenageada na avenida. Estava mais do que na hora”, explica o presidente da escola, Clarício Gonçalves.
À Billboard Brasil, a escola do Bixiga revelou que Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock, três dos quatro Racionais MC’s, estarão acompanhando Luiz Felipe, intérprete da agremiação desde 2020, no carro de som. A quarta peça do grupo, maior expoente do rap nacional, o DJ KL Jay, estará na bateria. Outros nomes do hip hop como Negra Li, Djonga, Dexter, Nelson Triunfo, Thaíde e tantos mais desfilarão em carros ou alas, numa espécie de Vingadores do rap na avenida.
E não há escola melhor para retratar o rap, o graffiti e o break –que, juntos, formam o hip hop. Conhecido como Escola do Povo, o Vai-Vai tem sua origem intrinsecamente ligada ao Quilombo Saracura. Em maio de 2023, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico) encontrou, na região da praça 14 Bis, que por muitos anos sediou a agremiação, itens que podem ter ligação com o quilombo, como louças e objetos de vidro e couro. Tal descoberta paralisou as obras de uma estação do metrô.
Com 94 anos de história e 15 títulos, o Vai-Vai é representado pelas cores preta e branca. Nos anos 1970 e 1980, com a efervescência dos bailes black, a quadra da escola se tornou uma espécie de reduto para o after, uma extensão de festas, como a “Chic Show”. Depois do samba, chegava a vez dos passinhos. Porém, a obviedade que faz do Vai-Vai com o hip hop o casamento perfeito não se dá em mar tranquilo. A começar pela decisão de homenagear tal cultura em detrimento de outros enredos.
Desfile sem investimento externo
Em 2023, a agremiação conquistou o título do Grupo de Acesso e, dias depois, já era hora de pensar em 2024. Havia três opções: uma homenagem ao parque Ibirapuera, cartão postal da capital paulista e que renderia um patrocínio de R$ 1 milhão à escola. Outra proposta era celebrar os cem anos da Revolução dos Cravos, que contaria com um investimento de € 900 mil (cerca de R$ 4,8 milhões, na cotação atual), do governo português. Por último, a sugestão era mostrar a evolução do hip hop no Brasil, o que renderia um total de… zero reais de investimentos externos.
“Muita gente pensou que eu estava louco, mas nunca tive um pingo de dúvida”, diz Clarício. “É uma grande responsabilidade? É. Mas a escola está preparada. Acho que nosso desfile vai mexer um pouco com a estrutura, com uma certa mesmice do Carnaval, que está muito bonito, organizado, mas sente falta de ousadia.”
Não precisa ser insider do samba para perceber que o Carnaval tem certas tradições e um quê de conservadorismo. Muita gente pode pensar que a união de samba com o hip hop, dois grandes movimentos negros, era mais do que natural. Mas, na prática, a teoria é outra. “A cultura do Carnaval tem um quê de luxo. Plumas, paetês e tudo mais. É a hora de o povo esbanjar”, destaca o carnavalesco Sidnei França.
“Quando anunciamos o enredo, vi muita gente da comunidade do samba torcendo o nariz, porque o hip hop é uma cultura de rua. É algo que, de certa maneira, é diametralmente oposto a essa imagem de luxo que o Carnaval tem. Não esperava algo muito diferente, e o Vai-Vai está pronto para revolucionar mais uma vez.”
![](https://billboard.com.br/wp-content/uploads/2024/02/abre-copiar-777x1024.jpg)
Vai-Vai é destaque na edição de fevereiro da Billboard Brasil (Reprodução)
A diretoria promete muitas surpresas. Guardadas a sete chaves, as fantasias das alas vão buscar se aproximar mais da cultura hip hop do que de detalhes tradicionais da avenida. Em vez de plumas na cabeça, bonés. No lugar de sapatos lustrosos, tênis. O enredo, que faz referência à canção “Capítulo 4, Versículo 3”, do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MC’s, e a letra do samba, com citações a músicas como “Oitavo Anjo”, do grupo 509-E, podem dar a impressão de que o enredo será uma homenagem apenas ao rap, mas o hip hop é um universo muito mais amplo do que a música.
“Fizemos questão de destacar os outros elementos. Teremos muito graffiti, muito break, por exemplo. Tudo ao vivo. Será uma espécie de retorno ao largo São Bento dos anos 1980 direto do Anhembi”, decreta Sidnei.
Assine a Billboard Brasil e fique por dentro de tudo o que rola no mundo da música.