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Por que o country não decola no Brasil?

Por que o country não decola no Brasil?

Country capa especial

O country no Brasil é como um cavalo selado, pronto para correr, mas que ninguém teve coragem de montar de verdade.
A estética desperta interesse, com chapéus, botas e violões de aço, e, nas redes sociais, artistas já começam a experimentar o estilo. Mas, na prática, falta um movimento coeso e uma identidade própria que sustente esse entusiasmo.

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Enquanto isso, nos Estados Unidos, o cenário é outro: o country não apenas se mantém vivo; ele cresce e se reinventa em tempo real. A diferença entre os dois mercados começa justamente no que define a essência do gênero.

Mais que instrumentos: a essência do country

Existe um equívoco comum por aqui: acreditar que basta colocar um banjo ou um pedal steel em evidência para transformar qualquer música em country. Muitos produtores usam esses instrumentos como carimbo de autenticidade, mesmo quando a canção não pede, a letra não dialoga com o timbre ou a ressonância das cordas não encaixa na narrativa.

O country é feito de histórias.

Assim como Hans Zimmer constrói cada nota para servir à cena de um filme, no country cada acorde e instrumento precisa estar a serviço da letra.

Os  elementos característicos do country — pedal steel, banjo, fiddle, guitarra telecaster — vêm de origens distintas, carregam influências rurais e urbanas e, juntos, misturam sentimentos que alcançam ouvintes dos campos e das grandes cidades.

Temas que atravessam gerações

Mais do que o som, a estrutura é fundamental:

  • Storytelling que prende o ouvinte
  • Refrões marcantes
  • Letras sobre fé, família, amor, perda, vida simples, traição, nostalgia, bebida e até crimes passionais

E, para completar, a interpretação precisa carregar verdade e identidade.

Os números não mentem: EUA x Brasil

Segundo o relatório IFPI 2025, o country vive um momento histórico nos Estados Unidos: Morgan Wallen, Zach Bryan, Luke Combs e Shaboozey estiveram entre os artistas mais ouvidos globalmente em 2024.

  • 69% da receita global de música vem do streaming
  • 51,2% desse total vem de assinaturas pagas
  • Nos EUA, grande parte desse consumo é de lançamentos recentes, mostrando que o gênero é movido por novidade e pelo surgimento constante de novos artistas

Já no Brasil:

  • Mercado cresceu 21,7% em 2024
  • Streaming domina com 87,8% da receita da música gravada na América Latina
  • Porém, o consumo não é dominado por músicas novas
  • O topo das paradas sertanejas é ocupado por regravações e repertório seguro, muitas vezes lado B dos anos 90, alimentando um ciclo de nostalgia que pouco conversa com a nova geração

O paralelo que incomoda

A postura cautelosa não é exclusividade do Brasil.
Nos Estados Unidos, premiações como o CMA, o ACM e até a MTV, com sua nova categoria “Best Country Artist” no VMA 2025, seguem no modo seguro. Novos nomes que impulsionam o gênero, como Ella Langley, Zach Top e Shaboozey, são sistematicamente ignorados, mesmo com números expressivos nas plataformas.

No Brasil, o reflexo é claro: o mercado tende a priorizar canções imediatistas, pensadas para impacto rápido, em vez de investir em letras poéticas e carregadas de sentimento.

Se o country nacional seguir por esse caminho, corre o risco de ter o mesmo destino do sertanejo atual: virar cópia de Garth Brooks e Shania Twain ou, pior, abraçar de vez o infame bro-country norte-americano — o equivalente musical do arrocha —, o que seria a pá de cal definitiva sobre qualquer possibilidade de originalidade.

Lições que o Brasil pode aprender com country

Existem exemplos que mostram outro caminho. Austrália e Canadá adaptaram o country às suas culturas, misturaram tradição e inovação e criaram cenas autênticas.

No Brasil, isso significa:

  • Valorizar medalhões, mas também abrir espaço para novos compositores e intérpretes;
  • Incentivar a produção autoral;
  • Permitir que o gênero absorva influências locais sem perder a essência.

Respeitar as raízes não significa viver delas para sempre. É preciso deixar que cresçam novos galhos.

O futuro em jogo

Se o country brasileiro quiser decolar, precisa decidir agora se vai ser mais um reprodutor de fórmulas antigas ou um criador de histórias novas. O sertanejo já mostrou onde a estrada do excesso de nostalgia pode levar: um público envelhecido e dificuldade para conquistar novas plateias.

Country não é só um som; é uma narrativa viva. E no Brasil, essa história ainda precisa ser escrita com tinta própria, não com cópias desbotadas.

 

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