Mosquito: ele achou seu ‘quinhão’ e virou sambista após ‘Faroeste Caboclo’
Cantor diz nadar 'na raia 12', no 'cantinho do mercado'
Mosquito surge tímido-simpático na ligação em que atende a Billboard Brasil. Em uma hora de papo, ele conta sobre como gosta do formato de álbum —que culminou em “Quinhão”, segundo disco da carreira e que vem sendo gestado desde 2023.
Nascido na Ilha do Governador, o sambista chegou cru a sua primeira roda de samba, sem fazer jus ao título que hoje ostenta como reconhecido partideiro, versador e cavaquinista. Foi em Xerém, terra dos pagodes de Zeca Pagodinho, que, então, fora vaiado pela primeira vez.
“Eu tinha entre 12 e e 13 anos, ali. Foi minha descoberta pelo pelo samba. Eu já gostava de letras de música, mas eu não ouvia muita música, assim. Eu gostava de Legião Urbana, cara. Principalmente quando contava histórias como ‘Faroeste Caboclo'”, diz, relembrando.
Mas a simpatia pela obra do trovador Renato Russo não adiantou muita coisa. Os amigos zombaram e o adolescente Pedro Assad Medeiros Torres se viu decidido. Era hora de afundar no samba —ao invés de afundar o próprio. Virou hábil improvisador e inveterado fã de Zeca.
“Depois eu fui conhecer mais de samba muito por causa da obra do Zeca, Bezerra. E eu percebi que eram histórias bem contadas em um ritmo maneiro. Foi aí que eu me joguei no samba, sabe? Comecei com o cavaquinho…”, diz.
Entre outras coisas, Mosquito fala também sobre as noites de quinta-feira (antes vazias, agora lotadas) do “Encontros Casuais”, roda que compartilha com Inácio Rios, no lendário Beco do Rato, entre a Glória e a Lapa, no Rio de Janeiro.
Entrevista com Mosquito sobre ‘Quinhão’
Yuri da BS: “Quinhão” tem um desenho de álbum clássico, transições, estilos diferentes dialogando. Foi intencional esse desenho?
Mosquito: Eu gosto muito desses desenhos de discos completos, sabe? Onde você tem uma gama de ritmos dentro de um disco. Ali tem várias nuances do samba, várias vertentes, ramificações. Do samba de breque, do calango, do partido. Acho muito gostoso ouvir um disco assim. Por exemplo, o samba de breque, eu mostrei pro Pretinho [da Serrinha, produtor do álbum].
Na sua primeira experiência com roda de samba você já foi logo sendo zoado. É curioso porque quem não te conhece já acha que você nasceu partideiro. Talvez até por causa do seu jeito moleque, sorriso traquinas. Queria voltar nessa cena em que você está em Xerém com seus amigos e sofre um escárnio. Quem era esse Mosquito ali?
Eu tinha entre 12 e e 13 anos, ali. Foi minha descoberta pelo pelo samba. Eu já gostava de letras de música, mas eu não ouvia muita música, assim. Eu gostava de Legião Urbana, cara. Principalmente quando contava histórias como “Faroeste Caboclo”. Depois eu fui conhecer mais de samba muito por causa da obra do Zeca [Pagodinho], Bezerra [da Silva]. Aquele disco do Ney Lopes com Wilson Moreira [‘O Partido Alto de…’, de 1985]. E eu percebi que eram histórias bem contadas em um ritmo maneiro. Foi aí que eu me joguei no samba, sabe? Comecei com o cavaquinho… Quando eu vi, já tava tentando compor, fazendo sátiras e brincadeiras com meus amigos, no meu trabalho. Nunca com a pretensão de “ó, eu estou tentando fazer uma grande canção”. Muito mais na brincadeira, no sarcasmo.
Acho que o público também sente essa coisa do humor em você. Talvez até por achar, inicialmente, que você é tímido.
Eu acho que faz parte. É o timido com coragem!
Você se considera privilegiado em termos de mercado? Você tem seu nome ligado à Paula Lavigne por ter sido “descoberto” por ela, é visto com alguma expectativa, angariou um lugar difícil de se chegar no samba, com chance de beliscar um espaço numa rádio de MPB e tal. É um lugar de destaque pra você?
Eu tenho essa essa relação há 10 anos com a Paula, desde o lançamento do meu primeiro álbum [“Ô Sorte”, de 2015]. Com certeza me sinto privilegiado.
Quais são as partes boas e ruins de estar nesse meio, sendo um artista que também está sempre com artistas que possuem pouco dessa exposição e de um nome como esse por trás?
Ela me abre muitas portas. A Paula é uma grandessíssima empresária, cuida da minha carreira como artista, me leva a diversos lugares. Tem partes ruins também: porque, no início, talvez, eu tivesse a vontade de ser um artista mais popular e, depois, com o tempo, eu vejo que eu gosto de estar onde me querem, sabe?
Meu ponto é desfrutar dos prós e contras disso, tentar dosar, aproveitar essas portas que se abrem do lado de cá, mas também explorando o lado de lá [do underground]. Então, se eu tenho amigos de um desses lados, eu tento pular para lá, para cá. Eu vou onde me levam.
Em algum momento, talvez, eu consiga dosar mais essa gangorra dos diversos lados que o samba tem.
Quando você diz que queria ser mais popular… Quando você lança o seu primeiro álbum, você imaginava iria a ser um sambista muito popular e conhecido nacionalmente? Como é que era essa imagem de ‘eu queria ser mais popular’?
Naquele primeiro disco, eu estou muito cru ainda para o mercado. Na verdade, sempre fui. Já era músico há muito tempo, mas eu não tinha essa coisa do mercado —e eu ainda não sou um cara experiente nisso. E a vontade que se tem quando você está surgindo é sempre tocar nas rádios, querer fazer show nos grandes festivais.
Eu achava que esse era o meu destino. Depois, fui entendendo, formando um pouco de público, me compreendendo mais como artista, vendo que nem era aquilo que me fascinava, nem era para esse caminho que eu queria ir. Eu queria mesmo me achar como como artista, achar pessoas que curtissem meu som, que quisessem acompanhar meu trampo.
Hoje me sinto confortável nesse lugar, sabe? Não quero ser o o artista mais pop do mundo, também não quero deixar de ser. Quero que a minha música aconteça e que as coisas naturalmente fluam.
Pegando carona nisso, você ainda vislumbra alguma esperança no seu coração de que a sua música ou a música do Inácio [Rios, parceiro na roda “Encontro Casuais”], os partidos feitos no Beco do Rato, as rodas como o Terreiro de Criolo, o Terreiro de Mangueira, de que isso vá ser comercial novamente? Ou você acha que o samba vai estar cada vez mais aprendendo a se fortalecer no seu círculo interno de rodas?
Eu vejo esse potencial comercial do samba em muitos desses artistas e rodas que você mencionou. Acho que acho que esse mercado da música é uma grande roda gigante, onde já se teve lá no alto o samba dos anos 1980, o rock, o axé, o sertanejo, o pagode.
Eu acho que o samba logo chega nesse alto da roda gigante de novo. Acho que tem muita música boa sendo feita, os movimentos cada vez mais se fortalecendo, rodas de samba pipocando pela cidade, cada vez mais grupos, os audiovisuais bombando.
Eu acho que o os gêneros se tornam grandes quando há grandes movimentos acontecendo, eu vejo esse grande movimento acontecendo no samba também.
Como é equacionar o sucesso da roda no Beco para que o repertório se equilibre entre o que vocês querem e o que o público gosta de ouvir?
É meio natural o que acontece no Beco. A gente tem uma ordem criada por etiqueta: o primeiro set é onde a gente mais experimenta as músicas, inclusive autorais. E a gente não tem muito essa coisa de “hoje vamos cantar mais autoral” ou menos. Tem dia que a gente canta pouco, tem dia que a gente canta muito. O primeiro set geralmente é o set mais difícil, onde a gente canta o lado B, onde a gente vai no Roberto Ribeiro, na Dona Ivone [Lara].
Sempre tem novidade. É isso que me fascina em estar lá às quintas porque é muito gostoso. Os caras da harmonia são feras, então o que você mandar lá, os caras topam. Depois, um monte de músicas nossas, naturalmente, já fazem parte do segundo set e já animam a plateia. Então, são como grandes sucessos que a gente canta, sabe? A gente tem de saber dosar isso bem, ele canta uma, eu canto outra. A gente faz um bem bolado ali que funciona e é por isso que o projeto está há tantos anos aí: ele consegue se renovar e ser um pouco da gente e um pouco de tudo ao mesmo tempo.
O Arlindinho [Cruz, responsável pela roda “Arlindinho das Antigas”, também no Beco] conta que nas primeiras vezes dele no Beco era bem vazio. O Encontros Casuais chegou a ter quanto tempo de “espaço” no salão?
A gente chegou no Beco em um momento de transição. Eram poucas poucas atrações. Então, geralmente, na terça-feira tinha “Terça Desamplificadas”, que era uma roda de samba muito boa. Foi lá que eu encontrei o Inácio e decidimos começar. E tinha mais umas rodas de samba no final de semana.
Então, não tinha roda nem segunda.A gente chega um pouco antes do Arlindinho, acho que uns dois anos. Quando a gente começou era bem vazio mesmo. Só tinha 20, 30 pessoas no máximo. Acho que a gente ficou um mês assim nessa, quebrando essa pedra. Uma vez a gente falou: “Teresa [Cristina, cantora], dá uma força aí”.
Foi a única vez que a gente botou o nome de algum de um convidado no flyer. Esse dia já encheu. Deu 120, 150 pessoas. Para os nossos padrões, já tínhamos uma casa cheia. Depois desse dia, eu acho que nunca mais ficou vazio.
E a gente deu sorte logo no começo. Além da Teresa, foi pintando gente curiosa e, às vezes, relevante. E foi de fato virando um ponto de encontro, sabe? As pessoas começaram a ficar curiosas pra saber quem ia pintar por lá. Esse frisson ajudou a manter essa base de público.
Na sua cabeça, hoje, como é que você se você se organiza como artista? Você tem os seus lançamentos autorais, tem a roda e o que mais preenche sua agenda?
Ah, eu faço algumas coisas. Eu tive um projeto recente [“Roda de Som”] com o Feyjão que foi bem maneiro. A gente cantava de tudo, música brasileira no geral. Eu podia experimentar, cantar outras coisas como forró, até rock. Sempre em um ritmo meio levando tudo para o pagode.
Aí, tem o Encontros que é a minha base. E vira-e-mexe tem alguém me convidando para alguma coisa, faço participações com os amigos da música, do samba. Tô sempre com uma “datinha” pipocando.
Com 38 anos, qual sua projeção daqui pra frente considerando esse segundo álbum, seu nome um pouco mais consolidado e, principalmente, essa maturidade em relação a esses desejos do querer ser artista?
Eu gosto de pensar no futuro. Eu quero é deixar uma obra. Espero que eu consiga uma regularidade de lançamento, eu tenho muita música na gaveta. Além da minha carreira, tem o projeto do Encontros, sabe? Fazer ele caminhar mais, gravar alguma coisa no futuro.
Mas eu sou agradecido pelo momento que eu me encontro, pela meu lugar no mercado hoje. Eu digo que eu nado na raia 12, vou ali pelo meu cantinho e me sinto bem.
Assim, tô evoluindo. Nesses últimos anos, tenho estudado. Tenho aprendido um violãozinho, tenho feito música para caramba. Apesar de quase quarentão, me sinto engatinhando, sabe? Porque eu acho que o samba tem essa coisa: o samba você ganha mesmo depois de uma certa idade, você tem que galgar um pouquinho, comer um arroz e feijão, aprender com os mestres.
Aí, depois, você vai conquistando, cada um vai conquistando o seu lugar. Eu vejo toda essa galera assim como eu, não só eu, mas um monte de gente que eu olho e falo: “Pô, o cara tá conquistando o seu lugar. Esse cara não vai ser esquecido.” E é isso que a gente quer, eu acho.