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Feyjão: o sambista que toca em todos os ritmos porque já fez de tudo um pouco

Feyjão: o sambista que toca em todos os ritmos porque já fez de tudo um pouco

De office-boy a queridíssimo de Regina Casé e Alicia Keys, ele tem história

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Marcio Vinicius Ferreira da Conceição, apelidado Feyjão, circulou muito até chegar aos olhos do público como cantor e compositor que foi abraçado pela elite televisiva influente no entretenimento carioca.

Antes de ser adotado como um filho por Regina Casé, ter uma peça de teatro com Carolina Dieckmann, tornar-se participação especial de Alicia Keys e enfrentar o bairro do Leblon, onde reside, Feyjão já corria pelo samba na Zona Oeste do Rio de Janeiro, arrebatando amigos de fé como o cantor Mumuzinho e o ator Douglas Silva.

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O negócio mesmo era equilibrar-se em três funções: estudar pedagogia, trabalhar como office boy e tocar samba de madrugada.  “Eu era um sonâmbulo ambulante. Tava sempre com sono em todos os lugares. As pessoas já me viam como artista, paravam para tirar foto e eu ali: cheio de dinheiro da empresa e vale transporte na mochila”.

Para completar, ainda foi gritador e cobrador de van, um ofício típico do transporte alternativo carioca no qual se é responsável por informar (e atrair) os passageiros. Se você esteve no charmoso calor de Campo Grande, pode ser que cruzou com um “CAMPO GRANDE / VASCONCELOS” sendo gritado pela voz rouca de Feyjão. O apelido, aliás, veio de um amigo chamado Havengar. “O ‘Agázinho’ [apelido do apelidador] quem botou. Antes do dread, dava pra ver um ‘calombinho’ depois da nuca, ficava no formato do feijão, virou apelido do futebol”, explica.

para ler ouvindo: “Gafe”, single do álbum “Meu Tom”

A correria, como é de praxe, principalmente no samba, não veio junto com sucesso. Ao menos no começo. A própria Regina ficou bolada.

“Ela veio me perguntar porque eu não tenho o mesmo reconhecimento que meus amigos de geração possuem. Eu acho que tenho dificuldade para me encaixar na MPB, no samba, no rap. Eu sempre tive resistência desses meios porque eu não me encaixava. Achavam que eu era menos sambista que os outros, por exemplo, por causa das minhas vestes, do meu cabelo”, desenha colocando como problema uma das principais qualidades da madrinha.

“Quando você é um cara preto periférico como eu, as pessoas acham que eu tenho de ser pagodeiro. Eu tenho plena noção de que meu caminho é mais árduo, mas quero ser autêntico, verdadeiro.”

Os diferentes ofícios e lugares por onde labutou transbordam em sua música. “Eu quero caminhar pra esse lugar de não ser rock, reggae ou sambalanço. Quero um pandeiro, uma cuíca. Só não quero ficar engessado dentro de uma bolha”, diz o cantor citando Carlinhos Brown, Seu Jorge e O Rappa como exemplos desse não engessamento.

O maior exemplo dessa vontade é seu segundo álbum, “Meu Tom”, previsto para 2024 e com participações de Thiaguinho, Ferrugem, L7nnon, Natiruts e Belo.

A feijoada completa de Campo Grande embicando no bairro do Leblon

Como dito, Feyjão encara diariamente a rotina no Leblon. Famoso pelas novelas água com açúcar de Manoel Carlos, o bairro ganhou um morador que há 32 anos vivia em Senador Vasconcelos ouvindo os discos de R&B do pai, a rádio Costa Verde, frequentando o baile Disco Voador (intitulado templo do charme carioca), comandando o grupo Manda V, fazendo faculdade de pedagogia e se formando como oficial da reserva do exército. “Eu comecei a ficar mais underground… E mais confuso”.

para ler ouvindo: Ferrugem e Feyjão no programa “A Hora do Brasil”, 2021

A confusão virou questão de terapia. “Eu reflito sobre isso todos os dias. Do nada eu me encontro em um universo… Eu não tenho vizinho preto, eu não vejo gente preta consumindo, só trabalhando”, analisa. Aos 14 anos, Feyjão participou do projeto estadual “Jovens Pela Paz”, em 1998, lecionando cavaquinho como um multiplicador de saber do programa. Em uma das reuniões do projeto, foi apresentado por um amigo ao xará Márcio Batista, hoje mais conhecido como Mumuzinho. “Ele já cantava, lindo. E ele era muito mais quebrado do que eu: canela russona, tênis meio f… e tal [risos]. Só que ele começou a fazer figuração como ator e conheceu o Douglas Silva…”, conta.

Os atores tiveram, então, participação direta na biografia de Feyjão que, em 2006, concluiria o curso de pedagogia com um projeto chamado “EducaSamba”, que trazia a maior herança popular da cultura carioca como força motriz de educação e reconhecimento de país a partir de uma história cantada e contada por quem, de fato, construiu a história. “Como conseguiram demonizar tudo o que é de preto no país, eu queria contar o Brasil por meio do samba e do teatro que é o carnaval”. Estourado depois de “Cidade De Deus”, o amigo Douglas era o cara perfeito para conduzir cenicamente o projeto. Mas o ator, cria da favela do Kelson’s, foi além e, em uma ligação, pediu para Regina Casé recebe-los em sua casa, no Leblon, e conhecer o idealizador Feyjão.

A fiadora Regina Casé

Mais do que isso, Douglas puxou Feyjão para sócio quando Benedita Casé, filha de Regina, decidiu produzir uma festa. “E aí começa minha história no Leblon. A Regina ficava sempre dizendo ‘dorme aqui em casa, não vai voltar tarde pra Campo Grande, não’. Eu virei morador da casa dela”, conta.

Feyjão decidiu sair da Zona Oeste, deu uma olhada nos apartamentos do Engenho de Dentro, subúrbio do Rio, mas foi interrompido na busca por Regina Casé. Ela tinha um plano. “A Regina tinha um amigo alugando um apartamento na Cruzada [conjunto criado como modelo habitacional a partir de incêndios orquestrados que expulsaram a população pobre da Lagoa Rodrigo de Freitas; hoje, um dos metros quadrados mais caros do Rio de Janeiro]. Eu não tinha dinheiro pra morar ali. Ela sentou comigo, fez todas as contas de transporte, pedágio, gasolina e me convenceu dizendo que, se faltasse dinheiro, ela pagaria”.

Nunca faltou dinheiro. Pelo contrário: estar no Leblon fez Feyjão surfar mais fácil no mundo do entretenimento. “Ao mesmo tempo, a Cruzada me oferecia a ‘negada’ e o som alto de Campo Grande”, ressalta. As coisas melhoraram, mas mudar de patamar exigiria fiador. “Eu sou sua fiadora”, disse Regina. “Tu quer ser minha fiadora?”, perguntava um incrédulo novo adotado da família Casé. “Ela me coloca de baixo dos braços como filho mesmo. Eu tenho um grupo no zap com Gilberto Gil, sabe?”. Por curiosidade, pergunto o nome do grupo e a resposta, grande, pode ser resumida como “Leblon”. “Então, tem um arquiteto chamado Miguel Pinto Guimarães, ele é responsável pelo projeto de revitalização do Jardim de Alah. Um cara incrível, casado com uma Marinho, da Globo, a Paula. O grupo vem daí”. Azeite e água não se misturam, mas Feyjão diz que, com ele, aconteceu. “E muito por causa dessa capacidade da Regina”.

para terminar de ler ouvindo: Alicia Keys com Sonia Guajajara, Feyjão, Nego Álvaro e Pretinho da Serrinha no Rock In Rio, 2017

A doideira de ser um preto, ali — e, ao mesmo tempo, virar amigo de Alicia Keys a partir da famosa sala do apartamento de Caetano Veloso

“O cara branco nunca tem receio de postar alguma coisa de rico. Posta na lancha, no vinho. Eu não posso postar uma foto no Sushi Leblon, é uma afronta pro meu pessoal”, desenha o conflito que mora em sua cabeça e relata um cenário de vendedores lhe empurrando o sapato mais barato da loja ou o policial perguntando quem é o dono do carro que é dele, uma Land Rover de sete lugares. Quem endossa é João Pedro, genro de Regina. “Ele sempre fala ‘Feyjão, é sempre bom lembrar que a gente está aqui; mas não é daqui. Na hora que apertar, ‘é nóis por nóis’. A gente [preto] tá sempre por um fio”.

Mas o Leblon — e não necessariamente por alguma mística do bairro, mas pelo trabalho de todos esses agentes que Feyjão menciona — também tem pontos altos. E um desses picos é a sala do apartamento de Caetano Veloso na qual Paula Lavigne promove encontros dessa elite que anteriormente seria chamada de “global”. Foi num desses encontros, por exemplo, que Xande de Pilares reuniu condições para interpretar em samba a obra do compositor baiano.

Certa feita, Alicia Keys estava no Rio de Janeiro para apresentar-se no Rock In Rio, em 2017. Um dia antes do concerto, ela e família passariam na casa de Caetano e Paula para um rega bofe básico. Egypt, um dos filhos da cantora, se afeiçoou pelo samba que saía das mãos e dos instrumentos de Feyjão. “Você pensa: ela ali, um ambiente bem branco, e o filho dela ali com um negão. Acho que isso tudo criou uma sintonia — e eu fiquei amarradão também. Dei minha cuíca pro moleque”, relembra.

Alicia ficou duplamente encantada e, no outro dia, Feyjão já tinha que se apresentar no festival como parte do show da cantora e pianista.

“Eu queria chamar uns amigos para me ajudar”, diz Alicia introduzindo a canção “Kill Your Mama” (dos versos “o dinheiro é o rei / é um negócio sujo e sangrento”) e chamando ao palco Sonia Guajajara, hoje (primeira) Ministra dos Povos Indígenas do Brasil e, claro, Feyjão que a acompanhou na cuíca junto com os amigos Pretinho da Serrinha e Nego Álvaro (não por acaso, compositores de “Reza”, hit que escreveram junto com Feyjão e, hoje, um mantra das segundas-feira do Samba do Trabalhador, evento da Zona Norte do Rio de Janeiro).

Mais articulado que isso, só se, de repente, Feyjão completasse o circulo da influência e conseguisse, além do grupo de WhatsApp, dividir uma canção com Gilberto Gil. A conferir os novos temperos dessa feijoada.

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