Dono da D-Edge diz que está ‘tranquilo’ e que teve embate com Baby do Brasil
Confira entrevista exclusiva do Renato Ratier à Billboard Brasil


O dono da boate D-Edge, Renato Ratier, mostrou-se decepcionado com a pregação da cantora (e amiga) Baby do Brasil e do pastor Pedro Santana em evento realizado na última segunda (10). “Eu não chamei a Baby para pregar. E também não queria o testemunho do Pedrinho”, disse Renato em entrevista à Billboard Brasil.
A boate da Zona Oeste de São Paulo completa 25 anos em 2025 e, desde o evento promovido por Renato, viu sua credibilidade arranhada após falas fora do tom dominado pelo inconsciente coleitov da comunidade da música eletrônica —quase sempre voltado para questões próximas às pessoas à margem do sistema. O culto profético na boate contou com cerca de 150 pessoas e foi amplamente divulgado nas redes sociais.
Em dado momento, Baby do Brasil sugeriu que abusos sexuais fossem perdoados. O pastor Pedro Santana chegou a dizer “Mona não morre, vira purpurina. Mas Jesus me pegou pelas mãos”, dizendo-se curado pela fé das relações homoafetivas anteriores à conversão.
Pai de um filho homossexual, Renato demonstrou, três dias após diversas entrevistas, arrependimento e disse que teve “embate” com a cantora após o episódio, apesar de ter tido “100% de apoio” de amigos e da comunidade envolvida com a boate. Amigo de longa data da cantora, os dois passaram a ter uma ligação afetiva após um problema de saúde da esposa de Renato —quando Baby se mostrou companheira durante o momento.
Renato, três dias depois do episódio e diversas entrevistas, você acha que foi uma boa decisão ter feito o culto na D-Edge? Vão ter outros?
Não, não foi. Vou vai fazer outros? Não, não vou. Então, agora o que eu vou fazer? Não adianta eu também ficar me culpando por uma coisa que teve uma boa intenção, né? Eu sei da minha intenção, sei do meu coração, sei como foi a minha vida, o que norteou o propósito sempre de tudo que eu fiz. Estou muito tranquilo, mas muito chateado com isso tudo. Eu fiz um outro culto lá no Sul e foi muito bom. Então, eu acho que saiu totalmente fora do contexto, do script, entendeu? Do que tava programado.
A figura que me norteio sempre foi Jesus. Nunca foi nenhum tipo de religião, não são as coisas do Velho Testamento, da lei, né? É da graça. E Jesus era uma pessoa que falava com todos, entrava em todos os lugares, então isso é o que eu sigo, entendeu?
Como você agiu no momento da fala da Baby do Brasil?
Naquele momento da fala da Baby, eu fui pegar uma água. Não sei se eu estava no banheiro. Teve uma hora que eu fui no banheiro porque eu fui pegar uma umas toalhas de papel para o pastor. Aí teve um outro momento que eu saí cumprimentando [outras pessoas], [isso] está no vídeo, tá? Então, eu não ouvi. Só fui ver que ela falou isso depois que deu o problema. A Baby não estava programada de pregar. Depois eu falei: “Nossa, não acredito que ela falou isso”.
Como foi falar com ela depois disso?
Tipo, até agora eu não consegui. Assim, eu tentei falar com ela, a gente até teve um certo “embatezinho” porque eu queria tentar conversar com ela, de boa. Mas a Baby falou: “Ah, meu, eu não acredito, você vai entrar nessa!”. Tipo, e não é “entrar nessa”. Pô, pelo amor de Deus, é a minha vida, cara. Eu dei minha vida por isso, entendeu? Eu tenho 30 anos de carreira, 25 anos de D-Edge.
Como é que foi essa conversa?
Na verdade, depois do corrido, ela tava estava em um evento e eu a chamei aqui em casa pois estava tendo um jantar. Quando ela chegou, eu quis falar com ela, aí não deu muito certo. Até teve um momento assim, meio tenso. Aí eu desci, falei: “Dá licença, eu vou no banheiro”. Aí desci, vim pro meu quarto. Eu fiquei orando, pedindo para que tudo se acalmasse. Mas ela falou que não ia se posicionar. Então, eu falei: “Bom, eu vou, porque quem cala, consente”. Não tenho nada a esconder.
Ela é uma mulher de fé, corajosa, não quero denegrir a imagem dela. Mas como ela falou, ela tem de responder por isso, né? Eu tentei falar mas, daí, o negócio começou a esquentar, não foi para um lado legal e eu falei: “Bom, como é que eu fico”. E ela me deu uma resposta que não soou boa para mim. E depois, quando a asssessoria [da D-Edge] fez a nota [sobre o episódio] ela me cobrou por eu não a ter defendido.
Eu estou aqui para conversar com quem quer que seja, para esclarecer essa situação. A Baby, ela foi convidada para cantar. Ela falou: “Eu vou levar minha banda”. E eu falei: “Tudo bem, a tua banda é bem-vinda”. Em hora nenhuma falei “você vai pregar”. Eu dei o microfone para ela cantar”. E, aí, ela foi dar o microfone para o Pedrinho [Pedro Santana, pastor] que também não foi convidado.
Havia um receio, então?
Eu tinha falado antes para o Samuel [Santana, também pastor, filho de Pedro]: “Ó, eu não quero que a Baby convide seu pai porque, muitas vezes, eles pregam junto e seu pai sempre dá um testemunho. Um testemunho que, às vezes, da maneira que ele coloca, pode soar como se ele seja preconceituoso. E eu conheço o Pedrinho, ele é um homem que faz filantropia no centro de São Paulo, ele é um homem que ajuda, ele vai onde ninguém quer ir, tá? Ele anda todo naquele centro de São Paulo ali ajudando os moradores de rua. Eu não estou passando pano. É o testemunho dele, mas ele precisa tomar cuidado.
Então, ele misturou os assuntos, falou de suicídio, que “mona não morre, vira purpurina”, enfiou tudo no mesmo bolo…
Isso aí, foi uma fala isolada de uma pessoa que foi falar o testemunho que não tava nem no script para falar, que eu tinha falado antes que eu não queria dar voz para ele porque ele ainda é muito simplório. Eu já sabia, antes. “Se cair na mão do Pedrinho dá merda”. Na hora que a Baby falou “Pedrinho, dá uma faz uma oração pra gente”, eu pensei “Pronto, ferrou”. Só que não tinha como eu chegar lá na hora e tirar o microfone. PFicaria uma coisa muito ruim.
Como é que a comunidade que trabalha junto à boate (DJs, colaboradores, artistas em geral) reagiu por mensagens a você após o episódio?
Claro que isso tudo tem uma repercussão muito grande, né? Então, no WhatsApp, foi praticamente cem por cento de apoio. Não teve quase mensagem de alguém me criticando. As pessoas falaram: “Rê, o que que aconteceu? Me explica”. Por exemplo, vai, Dudu Marote [produtor musical de álbuns de Skank, Pato Fu, Jota Quest], dando um exemplo. Você conhece ele? Me disse “Olha, irmão, tô aqui, ó, se precisar de mim. Eu entendo, te conheço, tô aqui para ajudar”. Então, tive muito apoio. Meu filho, inclusive, ele falou disso. Meu filho é gay, o Guilherme, tem 21 anos. Ele ligou e disse: “Pai, me ligue, eu preciso conversar com você. Estou um pouco confuso”.
“Pai, você acha que eu sou doente?” Eu liguei para ele, falei: “Filho, desde o momento que você chegou para mim e falou que era gay, como que foi a minha reação contigo?” Ele falou: “Você sempre me apoiou e sempre me tratou com a amor. Eu sei como é que você é”. Então, meu filho na hora falou: “Pai, eu sei, eu tô aqui para te ajudar. O que você precisar de mim, conte com comigo”.
Meu filho é meio que meu sucessor na D-Edge. Ele é maravilhoso. Não tem ninguém que não gosta dele.
Você concorda que as experiências individuais de conversão, apesar de serem positivas para cada um, acabam sucumbindo à falta de entendimento da comunidade evangélica sobre assuntos como homoafetividade, racismo, abusos?
É. Aí que foi o erro. O meu erro foi levar isso para um ambiente que não é um ambiente religioso. Mas quando eu olhei, eu falei: “Bom, quem que é o cara que eu sigo? E o que eu sigo é Jesus, eu não sigo pastor, eu não sigo placa de igreja. Jesus entrava em todos os lugares, falava com todo mundo. Eu realmente não devia ter misturado as duas coisas. Eu vou à igrejas, vou à Pura Fé. Agora, se tiver um pastor que fale algo que eu não acredito… Por exemplo, eu não concordo com o Silas Malafaia. Não é porque sou cristão que devo concordar com ele. Não é porque um padre abusou sexualmente que todos os padres são abusadores.
Você, então, se arrepende de não ter tido o cuidado de curadoria com os headliners do seu evento.
Então, Yuri, mas eu não convidei. O Pedrinho não foi escalado. A Baby não foi escalada para pregar, ela foi escalada para cantar.
Mas dada a catarse deste tipo de evento e dado o histórico da Baby do Brasil, isso fez você refletir em como isso expõe as contradições dos caminhos dessa fé?
Às vezes, eu olho a Baby… Ela tem a fé dela, é uma pessoa de fé, corajosa, ousada, tudo o mais. Mas, apesar dela acreditar no mesmo Jesus que eu, a gente tem discursos desalinhados. É o mesmo Deus, é Jesus, mas o caminho é diferente. As visões são diferentes. Tanto que eu tentei abordar o assunto com ela algumas vezes e eu não tive muito sucesso. Então, eu acho que é um momento para darmos um tempo, esperar a coisa abaixar, e realmente olhar.
Sim, ela é minha amiga, mas eu tive momentos, vou ser sincero contigo, já tive vários momentos de embate com ela.
Quais?
A gente é amigo, eu gosto dela, mas ela tem um temperamento forte. A a gente já teve momentos assim: “Ô, Baby, peraí, calma. Calma. Só que foi a pessoa que mais me apoiou. Ela nunca deixou eu ficar caído no chão. Ela sempre falou: “Pega aqui, vem cá, fica com isso aí não, para cima, fica de pé aí”. Ela sempre foi assim, nesse sentido, ela sempre foi “guerreirona” ao meu lado.
Mas isso te gerou alguma reflexão em termos de como própria comunidade evangélica?
Sim, mas eu acho que hoje tem muito menos [divergência em relação a temas como homofobia], sabe? Eu sinto que tem ainda, né? Mas eu acho que muito menos. Por exemplo: na minha igreja tem muitos tem bastante gay. Tem trans que são membros da igreja. Já encontrei alguns que, inclusive, frequentam a D-Edge. Então, não é um ou dois. Já encontrei uns três trans que vão na D-Edge.
Já encontrei vários gays, amigos meus lá, entendeu? E que não foi nem eu que levei. Cada vez mais existe umas tantas linhas, tantas democratizações dentro da igreja… Antigamente tinha a questão de a mulher não usar calça, não pintar unha. Eu acho que a gente está em um outro momento e, aí, tem várias igrejas, várias ramificações.
O próprio Samuel, filho do Pedrinho, é um cara super… Eu nunca escutei o Samuel falando nada próximo do testemunho do pai dele, qualquer brincadeira perto disso, zero. Aquele discurso antigo não cabe mais.
Por isso, minha pergunta. Você diz que seu discurso não combina com o que foi falado lá, mas o discurso da Baby tem sido esse há bastante tempo.
Algumas vezes a gente tá conversando, eu falo: “Ah, Baby, eu não acho que é assim”. Mas eu não vou agora, tipo, condenar a Baby. Ela tem o jeito dela, eu tenho o meu. Você pode ter um amigo que você tem um monte de coisas em comum e tem outras que não são. Mas a gente tem que ter cuidado, né? Realmente, eu tenho que ter cuidado, principalmente em todos os sentidos de estar alinhado com o meu discurso, né? Então, assim, realmente, eu agora estou pensando: “Como é que vai ser isso? Ela vai entrar na imprensa? Ela vai se declarar? Por que ela falou isso?”. Ela foi, falou, e me jogou na fogueira. Eu estou aqui falando que não tem nada a ver e ela vai fciar quieta lá. Mas aí é com ela, não posso fazer nada.
“Você tinha que cantar. Mas você pregou, você falou um negócio, jogou uma bomba na minha mão, não vai na imprensa para falar nada, fica quieta e a bomba está no meu colo”. Tá bom, joga esse abacaxi para cá que eu vou ficar descascando porque eu não tenho nada a ver com isso.
Uma hora, as pessoas vão entender. Elas vão uma hora pensar: “Pô, pera aí, esse cara aí tem 30 anos de carreira; o clube dele tem 25 e ele abriu porta para tanta gente”.
A comunicação da D-Edge vai sofrer transformações após o episódio?
É. A partir disso, eu acho legal a gente criar várias coisas para que possamos discutir. Criar workshops, palestras… A gente tá discutindo com toda a equipe. De maneira nenhuma eu vou fazer qualquer movimento que apareça oportunismo. Não, eu tô muito tranquilo.
Se eu precisar começar um trabalho como se eu tivesse do zero, eu faço. A verdade vai aparecer. Todo mundo vai saber que isso não condiz com que é o Renato Rattier. A gente pode criar ações, falar, vamos discutir com todo mundo, com a equipe para ver o que que pode ser acrescentado nisso para que a gente possa discutir sobre isso, criar painéis, entendeu? Inclusive vai sair um livro agora. O Camilo Rocha [DJ e escritor de “Bate-Estaca: como DJs, drag queens e clubbers salvaram a noite de São Paulo”] está escrevendo esse livro de 25 anos da D-Edge Tem um projeto de um documentário também. Não é qualquer clube. É o maior clube com o maior número de abertura das Américas. Nenhum clube fez tanto, tanto pelo mercado de música eletrônica no Brasil.
Então, tem muita história para contar. A gente vai sentar e falar. Vamos discutir sobre isso, vamos falar sobre isso, não vamos esconder. Eu não quero jogar para debaixo do tapete, eu quero aflorar essa parada, vamos discutir sobre isso.