‘Música e animação é minha ideia de casamento perfeito’, diz Pedro Conti
Diretor de clipes de pop e hip hop dá palestra em evento de animação
Atualmente em sua sétima edição (e décimo ano), o Anymotion é uma referência em design, animação e criatividade. Por três dias (ele acontece de 17 a 19 de outubro no Expo Center Norte, localizado obviamente na zona norte de São Paulo), ele recebe algumas das principais autoridades dessa categoria –nacionais e internacionais, diga-se– que compartilham suas experiências através de palestras e demonstrações de processos criativos. “O Anymotion vai muito além de um festival que movimenta e impulsiona a comunidade da indústria criativa da América Latina: é sobre pessoas compartilhando seus desafios, superações e sonhos”, diz o designer e animador Isac Rodriguez, que criou o evento ao lado da jornalista Tainá Damasceno.
Em meio aos maiores nomes da animação mundial, há um destaque brasileiro: Pedro Conti, diretor e design que traz no currículo trabalhos em grandes estúdios como Disney e DreamWorks, além de colaborar em projetos ao lado de Katy Perry, Emicida e Racionais MC’s.
Em entrevista exclusiva à Billboard Brasil, Conti falou de seus projetos e de como a música guia a sua carreira.
Você colaborou com artistas musicais do peso de Katy Perry e Emicida, e criou uma animação para OSGEMEOS. Como a música e o ritmo influenciaram a sua forma de dirigir uma cena para trabalhos como estes?
A música, para mim, vem antes da animação. Durante minha infância e adolescência, ela sempre foi a forma artística mais presente na minha vida. Por isso, misturar animação e música é a combinação perfeita de trabalho. Procuro sempre pensar nos sentimentos antes do roteiro em si. Acredito que o roteiro se consolida quando conseguimos conectar cenas distintas por meio do uso de metáforas. Então tento pensar nesses sentimentos e ver formas criativas de fundir esses universos.
Qual é o papel da estrutura musical — o beat, a cadência e a emoção de uma faixa — na sua concepção de uma cena animada? Você “ouve” a animação antes de desenhá-la, ou a música é apenas um suporte para a imagem?
Procuro sempre escutar a música sem interrupções, me conectando com sentimentos e momentos que vivi na minha vida. Acho que esse é o passo inicial. A partir daí, tento pensar em qual formato vamos usar para contar a história tecnicamente, entendendo a dinâmica narrativa, o universo e a engenharia por trás. Geralmente, consigo visualizar na minha cabeça a animação se desenrolando junto com a música. Para tornar isso palpável, é preciso um mergulho profundo até chegar à essência do que a música pede. É sempre uma grande jornada.
Seu curta, “Tamo Junto”, é um retrato emotivo e humanizado da cultura brasileira em tempos de pandemia. Como a música e a trilha sonora (assinada pela Loud+, com Criolo e Luciana Silveira) foram cruciais para dar o tom e a profundidade emocional à história?
Música, vozes e sound design representam metade do trabalho. Foi uma colaboração muito especial, que sempre vai marcar minha carreira. Costumo dizer que a parte de som é minha favorita na animação. Geralmente, a animação já está bem encaminhada quando chegamos à etapa de som, então é o momento em que posso sentar e ver a magia acontecer. É sempre quando tudo se encaixa e o projeto ganha vida. Também é a etapa em que é possível receber a contribuição de outros artistas com outro background e ter uma visão diferente sobre a obra.
Sua carreira é marcada por trabalhos para grandes estúdios como Disney (“Moana”), DreamWorks e Marvel, mas você também mantém uma estética autoral forte, inspirada na vida urbana e na cultura hip-hop. Como você equilibra estes universos: o rigor técnico de Hollywood e a liberdade de expressão de sua arte pessoal?
Encontrei um ciclo que se retroalimenta. Meu projeto autoral me proporciona oportunidades dentro da indústria, que por sua vez me permitem criar ainda mais projetos autorais. Vejo essas duas esferas como distintas, mas profundamente interligadas. Trabalhar em grandes produções é, por natureza, bastante hierárquico devido à escala e complexidade envolvidas — não poderia ser de outra forma. Ainda assim, esse tipo de trabalho oferece oportunidades valiosas de aprendizado e de contribuir para algo maior, colaborando com equipes enormes e talentosas.
Além disso, percebo que a indústria de Hollywood está cada vez mais aberta a novos olhares e histórias, o que me dá a sensação de que meu trabalho autoral acaba me projetando para projetos maiores. É como se meus projetos pessoais fossem uma vitrine do que eu posso trazer de novo para produções em larga escala. Por isso, tento sempre manter meus pés no chão e evoluir com minha própria voz, definindo metas anuais de projetos pessoais que quero concluir. Esse equilíbrio entre liberdade criativa e trabalho em grande escala é o que me permite crescer, tanto como artista quanto como profissional.
Seu trabalho é notável pela riqueza no desenvolvimento de personagens –o tal character development. Qual é o papel da identidade cultural brasileira – de onde você tira a inspiração – na criação de personagens que precisam ser visualmente globais (para a Disney, por exemplo), mas que carregam uma alma brasileira?
Acho que a especificidade cultural de cada artista é muito importante para a indústria cinematográfica. Naturalmente, colocamos um pouco das nossas experiências, seja de forma direta ou indireta. O Brasil, culturalmente, é extremamente rico e possui símbolos muito fortes que podem ser explorados. Nem sempre conseguimos impactar de maneira direta, mas essas influências podem aparecer nos detalhes — nas texturas, nos acessórios ou até mesmo em algum diálogo. São essas sutilezas que tornam um personagem fictício mais crível e próximo da realidade. Os grandes estúdios estão de olho nisso e abertos a contribuição de cada artista envolvido.
Como você vê a evolução da visibilidade dos artistas latinos no cenário global de animação e motion design? As gigantes da indústria (como Disney e Netflix) estão de fato buscando mais vozes narrativas e estéticas vindas do sul global?
A indústria está cada vez mais atenta a vozes de todas as partes do mundo. No momento em que vivemos, há uma busca por novas formas de fazer animação e contar histórias. Estamos saindo do legado estabelecido por Walt Disney e, posteriormente, por estúdios como Pixar e DreamWorks, entrando em uma fase de experimentação e redefinição da linguagem da animação.
Estamos vivendo um ponto de virada, em que toda a indústria está observando atentamente essas novas respostas, novas perspectivas e novas vozes. Nesse cenário, artistas brasileiros têm se destacado em grandes produções, trazendo experiências culturais, visuais e narrativas únicas que enriquecem o panorama global da animação. É um momento inspirador, que abre espaço para explorar diferentes estilos, técnicas e histórias, e que mostra que o talento local pode, de fato, dialogar com o mundo inteiro.
O Anymotion Festival celebra 10 anos e a sétima edição, se consolidando como o maior evento de motion design e animação da América Latina. Em sua visão, qual é a importância estratégica de um festival como este para a profissionalização, a conexão de networking e a inspiração da comunidade criativa?
Esse tipo de conexão é fundamental para o desenvolvimento da comunidade artística. Sinceramente, não sei onde estaria minha carreira sem movimentos e eventos desse tipo. Trabalhar com arte digital muitas vezes pode ser uma experiência isolante, e encontros como o Anymotion nos permitem nos conectar de verdade com outras pessoas, não apenas através da internet. É nesse tipo de contato que grandes oportunidades podem surgir, seja para colaborações, projetos ou simplesmente novas ideias.
Além disso, reunir tantas mentes criativas em um só espaço amplia a percepção sobre o que é possível dentro da arte e mostra diferentes caminhos para viver dela. Para mim, esses momentos são sempre um grande aprendizado, uma forma de perceber o que está acontecendo no cenário artístico e de se inspirar com a energia e diversidade das pessoas ao redor. É esse tipo de troca que fortalece tanto a comunidade quanto o crescimento individual de cada artista.
O que significa para você, como um artista brasileiro de renome internacional, compartilhar sua experiência no Anymotion, no seu país, estando ao lado de outros grandes nomes globais (como ManvsMachine e Golden Wolf)?
Uma experiência muito especial. Geralmente, recebo mais convites para eventos no exterior do que no Brasil, então ter a oportunidade de participar de algo tão próximo da minha origem é realmente significativo. Eu nasci e cresci no bairro do Jaçanã, bem perto de onde o evento vai acontecer, então a sensação é como estar no quintal de casa, conversando com amigos. É uma oportunidade única de compartilhar meu trabalho e, ao mesmo tempo, aprender com tantas mentes brilhantes reunidas em um mesmo lugar. Esses momentos não só fortalecem a comunidade artística, mas também me inspiram a continuar explorando e expandindo meu próprio trabalho.
Se você pudesse resumir o principal “legado” que o Anymotion Festival deixa a cada ano, qual seria? É técnico, é criativo ou é de empoderamento profissional para a comunidade latina?
Impossível mensurar. São tantas vidas sendo positivamente impactadas pelo evento que seria impossível prever. Cada pessoa tem uma caminhada diferente, enfrenta desafios diferentes. Acredito que a mensagem que fica é sempre de que é possível viver de arte, não importa a realidade de onde você venha. Cada momento da carreira traz desafios distintos, e cada pessoa entende o evento a partir de suas próprias experiências. O fato de o evento acontecer no Brasil amplifica muito essa força, pois cria uma conexão real, como se alguém da mesma realidade mostrasse que é possível encontrar um caminho para viver disso. Acho que esse empoderamento e essa autoestima são o mais importante; a parte técnica surge a partir dessa força motriz.
Para encerrar, quais os hits que não podem faltar na sua playlist durante um processo criativo para construção de personagem e também para um storyboard de suas animações?
Sempre uso a música para definir o tom de algo que estou criando, então ela está sempre conectada ao meu processo. Aqui estão alguns sons que tenho escutado muito nos últimos meses: “Atelier“, de Kivitz e DJ Comum; “Olha pros Neguinho”, de Xará e Emicida; “That’s My Way”, de Edi Rock e Seu Jorge, e toda a discografia do Tom Misch.
SERVIÇO
Data: 17 a 19 de outubro.
Horário: a partir das 10h.
Local: Expo Center Norte, Rua José Bernardo Pinto, 333 – Vila Guilherme – São Paulo, SP.
Ingressos: Sympla
https://expocenternorte.com.br/eventos/anymotion-festival-2025/ .