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Morre Arlindo Cruz, o sambista perfeito, aos 66 anos

Morre Arlindo Cruz, o sambista perfeito, aos 66 anos

Excelente compositor e tocador de banjo, ele estreou aos 15 anos

Arlindo Cruz, o "sambista perfeito" (Instagram)

O compositor, cantor e banjista Arlindo Cruz morreu nesta sexta (8). A morte foi confirmada por Babi Cruz, esposa do sambista e a informação foi dada pela  TV Globo. Ele estava em tratamento desde 2017, quando sofreu um AVC que o afastou dos palcos. Ele deixa dois filhos: a modelo Flora Cruz e o sambista Arlindinho.

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“Com imenso pesar, a família e a equipe de Arlindo Cruz comunicam seu falecimento. Mais do que um artista, Arlindo foi um poeta do samba, um homem de fé, generosidade e alegria, que dedicou sua vida a levar música e amor a todos que cruzaram seu caminho. Sua voz, suas composições e seu sorriso permanecerão vivos na memória e no coração de milhões de admiradores. Agradecemos profundamente todas as mensagens de carinho, orações e gestos de apoio recebidos ao longo de sua trajetória e, especialmente, neste momento de despedida. Arlindo parte deixando um legado imenso para a cultura brasileira e um exemplo de força, humildade e paixão pela arte. Que sua música continue ecoando e inspirando as próximas gerações, como sempre foi seu desejo”, diz nota publicada por seus entes.

Filho de Aracy Marques e Arlindo Domingos da Cruz, aprendeu a tocar cavaquinho ainda criança, guiado pelas lições do pai — o Arlindão, cavaquinista do conjunto Mensageiros do Samba da Portela. Com treze anos, viu seu mestre e referência musical ser preso por envolvimento com o Esquadrão da Morte, grupo que daria origem às milícias que atuam hoje na cidade.

O episódio não o afastou do samba. Aos 15 anos, já era habitué do quintal da casa de Candeia, figura central do samba suburbano carioca e fundador do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo. Em 1975, fez sua estreia como músico, gravando cavaquinho no álbum Samba de Roda. A partir daquele terreiro, em Fazenda Botafogo, Zona Norte do Rio, moldou-se como partideiro e cronista. Seis anos depois, voltaria a participar de discos de outros artistas, registrando sua marca no álbum Na Fonte de Beth Carvalho e no LP “Alcione” da própria Alcione.

“Ele já estava no meio Cacique, vendo tudo aquilo acontecer”, conta Marcos Salles, biógrafo do sambista e escritor de “O Sambista Perfeito”. “O Arlindo fazia participação no show do Fundo de Quintal. Fez show segunda, terça e, na quarta, levaram o Jorge Aragão para gravar seu álbum solo. Como o Arlindo estava por ali, por ali ele ficou [substituindo Aragão]“.

De novato, Arlindo passou a ser um líder secreto do grupo. De acordo com o arranjador Rildo Hora, partidos como “Eu pisei na folha seca” adquiriam formato de pout-pourri por conta da sabedoria conquistada por Arlindo épocas antes com Candeia e Aniceto do Império. Logo depois, viu sua amizade e parceria com Sombrinha gerar certo desconforto no Fundo de Quintal — o que, de alguma forma, alertava para o potencial da dupla. “Parecia que era só eles. Alguém resolveu, em conjunto, que precisava maneirar. Com o tempo, acabou passando. Tinha o Sereno que era terceira voz, tinha o Cleber Augusto que sempre tinha músicas, a batucada do Ubirany e Bira… Tudo isso é importante. Mas os dois eram os mais ativos na condução do show. Uma hora isso balançou. Mas passou e eles seguiram”.

Para colorir ainda mais a história com Sombrinha, Arlindo não se dava inicialmente com aquele que seria seu parceiro eterno. “O Sombrinha fala que eles não se davam. Chato, bebado, marrento. Mas acabou que deu certo e eles ficaram muito amigos”, conta Salles. A parceria gerou cinco álbuns —um deles ao vivo— e uma enormidade de pérolas que, até hoje, são imprescindíveis às rodas de samba.

Com Zeca Pagodinho, nunca gravou álbuns em formato de dupla, mas tinha no partideiro de Irajá um grande amigo e também parceiro. No entanto, a relação tinha uma característica marcante: Zeca era extremamente pontual; Arlindo, não. Certa feita, Zeca esperava por Arlindo e resolveu telefonar para a casa do sambista. “Onde você está?”, perguntou Zeca. “Estou saindo, abotoando a blusa!”, respondeu Arlindo. “Pô, quantos botões tem essa camisa?”, retrucou Pagodinho. “O Zeca é quem passava no banco para tirar o Arlindo Cruz e levá-lo para as rodas do Cacique, em Ramos”, conta Salles.

Ogan e filho de Xangô, teve uma carreira frenética: desde 1981, foi gravado ano após ano por toda a sorte de nomes do samba. Com a ascensão do pagode romântico nos anos 1990, passou a ser reconhecido como um dos pilares do novo gênero comercial e respeitado como ídolo pelos grupos emergentes. Sua história —entre o samba de raíz e o novo pagode— fez com que sua discografia, então, refletisse um sagaz compositor.

O sambista bonachão perfeito para a televisão

Após o sucesso da dupla Arlindo Cruz & Sombrinha nos anos 1990, o sambista — assim como o gênero que representava — enfrentou o desgaste de um mercado em retração. Sua produção ficou mais espaçada: entre 2000 e 2017, lançou apenas três álbuns de inéditas — “Sambista Perfeito” (2008), “Batuques e Romances” (2011) e “Herança Popular” (2016). Ainda assim, suas músicas continuaram ecoando nas rádios e nas rodas. Foi nesse período que compôs sucessos como “Meu Lugar”, verdadeiro hino do subúrbio carioca, e “O Bem”.

A fase também rendeu álbuns ao vivo marcantes, como “Pagode do Arlindo”, “MTV Ao Vivo” e “Batuques do Meu Lugar”, além de “2 Arlindos”, gravado com o filho Arlindinho.

Arlindo não apenas tinha a “caneta afiada”: incentivava amigos a mergulharem no ofício de compor. Foi assim que aproximou figuras dispostas a entrar nessa pilha criativa, como o humorista Helio de La Peña, do Casseta & Planeta. Entre tentativas de samba e provocações do rubro-negro contra o botafoguense, surgiu a ponte que levaria Arlindo a ser reconhecido como partideiro capaz de criar sambas para a família brasileira reunida diante da TV.

“Viramos uma família. Até que um dia ele me mostrou um rascunho de um samba que passeava, com humor, por nomes da Globo, coisas como ‘Renato Sorria’, ‘Tony Erramos’. Eu achei que a Globo gostaria disso”, relembra Helio em vídeo de tributo. A emissora, então, encomendou um samba para apresentar sua programação em 2008.

“Pelo menos ele sabe fazer samba! Pelo menos alguma coisa de preto ele sabe!”, brincava Arlindo sobre o amigo. A fórmula funcionou por cinco anos e consolidou sua presença na TV, coroada pela cadeira cativa no programa “Esquenta!”, de Regina Casé.

Com ainda mais visibilidade, alcançou novos públicos. Em 2007, viu Maria Rita popularizar seus sambas nas rádios de MPB, transformando a inédita “Tá Perdoado” em sucesso e regravando faixas como “O Que É o Amor”. Entre a nova geração, foi interpretado por Diogo Nogueira, Fabiana Cozza, Zélia Duncan, Seu Jorge, Paula Lima, Marcelo D2, Xande de Pilares e muitos outros.

Em 2016, foi convidado para compôr a canção-tema dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Com Rogê e Arlindinho, compôs o samba-funk “Os grandes deuses do Olimpo visitam o Rio de Janeiro”.

A luta contra a pressão, o peso e a cocaína

Em março de 2017, Arlindo sofreu um AVC no tálamo —área cerebral da comunicação— que interrompeu sua carreira musical. Ao contrário do que passou a se falar na mídia e no boca-a-boca, o déficit neurológico não foi decorrente apenas do uso de cocaína. A droga, apesar de comum no mundo do samba nos anos 1980 e 90, não era a única que impedia Arlindo de ter uma saúde plena. “O Arlindo tinha a pressão muito alta, peso também, comia muito. Muita gente falou besteira. Ele usou, não é novidade, assim como vários artistas. Mas não foi determinante”, diz Salles.

Seu irmão Acyr Marques e seu pai Arlindão também foram vítimas de AVCs.

Um ano antes do AVC, Arlindo já havia parado de usar cocaína.”Ele chegou a parar. O início de 2017, ano do AVC, foi disparado o melhor dele. Não bebia, só fumava maconha, que dizia que não ia parar nunca. Falaram que ele tava cheirado no dia do AVC. Zero. Não estava. É claro que o histórico atrapalhou na recuperação, mas meu pai estava limpo. Há uns sete, oito meses sem cheirar”, diz Arlindinho no livro “O Sambista Perfeito: Arlindo Cruz”.

Carnaval na Império Serrano e mais canetas

Em 2023, foi o homenageado no desfile do Império Serrano, escola do coração, com “Lugares de Arlindo”. Saiu como destaque no último carro junto com parentes e a esposa, Babi Cruz, que foi porta-bandeira da verde e branca. O desfile marcou o retorno da escola ao Grupo Especial e também acabou sendo marcado pelo rebaixamento no mesmo ano. Ele também foi homenageado em 2019 pela X-9 Paulistana com o tema: “O Show Tem Que Continuar! Meu Lugar é Cercado de Luta e Suor, Esperança Num Mundo Melhor”.

Foi, por três vezes, agraciado com o Estandarte de Ouro —todos pela Império Serrano: em 2001 pelo samba-enredo “Navegar é Preciso”; em 2006 com “O Império do Divino”; em 2012 com “Dona Ivone Lara , Enredo do Meu Samba”. Ao todo, Arlindo emplacou 12 sambas na escola do coração —restaria fôlego, ainda, para sambas na Vila Isabel (3), Grande Rio (2), Leão de Nova Iguaçu (2).

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