Pergunto para FBC por quê o rapper aparentava insatisfação após a explosão de uma excitante “Se Tá Solteira”. Era 2022 e MCnão estava feliz. Essa afirmação contraria a imagem que, talvez, muitos tenham do mineiro do bairro São Benedito que, àquela altura, acabara de colocar o hit retroativamente na história dos hits miami bass do funk. Parceria com VHOOR em “Baile”, de 2021, o single “tava pocando”, como se diz em Minas Gerais. Pocou no carnaval, nas comemorações do Clube Atlético Mineiro, no TikTok. Mas, como já dito, Fabrício, o FBC, também conhecido como “Padrin”, não estava feliz.
“Os shows estavam meio robótico, tá ligado? Era só chegar lá, o DJ dava play, não tinha mais nada, era aquilo. Sabe?”, começa explicando um FBC bem mais relaxado com sua própria obra que, agora, canta (e dança) o amor, a tecnologia e o perdão em house, disco e amapiano depois de lançar “O Amor, O Perdão E A Tecnologia Irão nos Levar Para Outro Planeta”, no começo de 2023.
Voltando a 2022… era o Tik Tok que estava levando Fabrício para a raiva e a desilusão. Abaixo, por exemplo, a música ilustra pix (um de milzão!) caindo da conta de uma usuária da rede de vídeos curtos.
“A explosão da música no Tik Tok estava me levando para uns lugares meio ‘paia’, sabe? Uma galera meio ‘paia’, uns rolê meio ‘paia'”, continua, expondo a viralização de “Se Tá Solteira” não como vilã, mas como índice de um artista em situação de isca.
Para ler ouvindo: “ANTISSOCIAL”, de FBC, do álbum O AMOR, O PERDÃO E A TECNOLOGIA IRÃO NOS LEVAR PARA OUTRO PLANETA (DO PADRIM, 2023)
As pedras de gelo no Rio de Janeiro
“Quase apanhei, fui agredido em um lugar que rolou… uma situação meio triste do país”. Efeito da polarização? “Não precisa nem falar nada de Bolsonaro, de PT, não. Só de existir, estar ali, só de estar vivo e poder falar, para aquelas pessoas, já é um crime”.
“Aquelas pessoas” às quais o MC se referia era o público de um festival no Jockey Club Brasileiro, que carregava o nome de uma empresa de aposta esportiva, do qual os organizadores gabavam-se de terem montado “o espaço mais incrível e exclusivo do Jockey”. Um evento elitista, portanto.
Esperando ouvir “Se Tá Solteira”, o público teve que engolir “Polícia Covarde”, do mesmo álbum de FBC e dos seguintes versos:
Mais de 20 canas disfarçados à luz do sol Matando, pra todo mundo ver Quando viram o que os vermes fizeram “Era um morador” todos disseram Dez tiros no chão, dois corpos sem vida A polícia militar: “operação bem sucedida”
Nessa hora, muitas pedras de gelo voaram na cabeça do MC, vindas de pessoas insatisfeitas com o discurso antifascista do músico. “Viva a luta contra o fascismo”, repetiu três vezes, enquanto gelo se misturava no ar com apupos (e mãos em forma de “L” em seu apoio). “Viva a livre associação entre as pessoas. A gente tá vivo. A gente vai lutar contra vocês”, seguiu dizendo o artista. Dias depois, Djonga sofreria no mesmo evento.
Meses antes, FBC se apresentou na região portuária do mesmo Rio de Janeiro. No meio do show, ele se surpreendeu com alguns fãs que pediam músicas dos álbuns anteriores ao do seu maior hit. “Pô, que legal, às vezes eu fico meio… Com essas coisas de Tik Tok”.
Foi o indício de que o artista não estava indo “aonde o povo estava”, como quase canta o conterrâneo Milton Nascimento, em “Nos Bailes da Vida”.
‘A arte não pode ser henna, tem de ser agulha na pele’
“Eu acredito que a arte, para continuar viva, tem de quebrar as expectativas de tudo. Se demolir, se reconstruir. A arte do Brasil é isso, um canibalismo, se alimentar de várias fontes, regurgitar aquilo”, explica o MC, que continua:
Para ler ouvindo: “Fofoca”, com Vhoor e Tuyo, do álbum Dias Antes do Baile (A União Da Força e Da Fé, 2022)
“Eu ficava com medo mas… depois que eu fiquei mais sóbrio, parei de beber, de fumar, eu consigo enxergar as coisas com mais clareza e sei que, mano, as pessoas sempre vão querer ouvir ‘Se Tá Solteira'”.
Se o hit o levou para situações “paia”, também trouxe coisas boas. Em entrevista recente, o rapper afirmou que usou R$ 300 mil do arrecadado com seu maior sucesso para compôr o álbum sucessor de “Baile”.
À Billboard Brasil, ele complementa: “Eu sempre vou fazer show, eu sempre vou tocar, sempre vou ganhar um dinheirinho no Spotify. Eu tenho a liberdade de fazer o que eu quiser fazer. Comprei minha casa, meu carro, montei meu estúdio, meus equipamentos. Mas as pessoas precisam entender que o rap, o miami bass, o house são primos, são da mesma família”, explica.
“As pessoas olham pro techno e pro house… Muita gente dessa cena eletrônica acha que o rap não pode estar na rave. A ignorância mantém o poder dessas pessoas”, analisa. “Mas a arte não pode ser henna, tem de ser agulha na pele, entendeu?”, finaliza, dizendo que agora o negócio é aprender piano:
“Eu quero fazer um álbum de boom bap e eu tocando piano. Acho que agora eu entendi o que é o hip hop real. E espero um dia ser milionário para estar na capa da Billboard“.