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Entenda a tempestade brasileira na música eletrônica

Entenda a tempestade brasileira na música eletrônica

Do mainstream ao underground, brasileiros estão ganhando os palcos do mundo

Mochakk (divulgação)

Saído das quebradinhas de São Paulo, o DJ e produtor RHR comanda uma das principais pistas do festival Primavera Sound Barcelona um dia antes de rumar à sua base em Londres — um apê cujo vizinho de cima é Fred.. Again. Em Nantes, norte da França, a recifense Idlibra participa de uma residência em um centro cultural e faz um bate-volta em Paris para tocar na Fête de la Musique. Cortando o continente europeu de ônibus e avião, o mineiro Anderson do Paraíso leva seu funk sombrio a renomadas salas de países como Espanha e Itália.

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O que há alguns anos era exceção hoje é norma: DJs do Brasil como RHR, Idlibra e Anderson têm presença garantida no verão europeu estrelando alguns dos principais palcos e clubes do mundo. Entre festivais gigantescos e inferninhos escondidos, tocando em festas tradicionais e rádios descoladas e brilhando muito além dos nomes do mainstream, o número de representantes da música eletrônica nacional em solo gringo não é onda nem maré — é uma tempestade de força, com impacto e desafios próprios. 

“O Marky faz tour desde quando eu era criança, o drum’n’bass foi um marco para a música eletrônica brasileira, mas naquela época não tinha essa globalização, essa velocidade no consumo”, reflete RHR, o Roni. Em pouco menos de dez anos de carreira, o jovem saiu da cabine de DJ de raves de psy e trance em sítios escondidos para os cartazes de festivais como Dour, na Bélgica, Dekmantel, na Holanda, e Montreux Jazz Festival, na Suíça. Na bagagem, um elemento fundamental para DJs brasileiros ganhando o mundo: funk — misturado, modificado, remixado, alterado.

RHR (divulgação)
RHR (divulgação)

“Eu acho que o mundo todo tem vivido esse lance com o Brasil e o funk, e artistas como eu ou Badsista, a gente se favorece desse momento porque somos artistas nerds, viemos da periferia, mas não viramos DJs ou MCs de funk — fomos para vários lugares da música eletrônica”, reflete RHR. “E o funk está exercendo uma mudança que não rolava anos atrás: eu toquei funk no Primavera e foi o que mais empolgou o público. Para o europeu, quando falamos de funk, falamos de música eletrônica brasileira.”

A reboque dessa ideia, o mineiro Anderson do Paraíso embarcou em sua terceira turnê internacional em 2025 e abocanhou até show em museu: no fim de junho, o DJ levou seu funk sombrio à Bourse de Commerce, espaço nobre da capital francesa. “Eu me sinto em casa nesses lugares porque quando eu começo a tocar o público já fica animado, a galera responde muito bem”, diz ele, que também tocou no Sónar, um dos principais festivais de música eletrônica do mundo, em Barcelona, ao lado de outros brasileiros como Vintage Culture e Mochakk.

Anderson lançou seu segundo disco em 2024 pela Nyege Nyege, misto de plataforma e gravadora focada em música eletrônica africana e afrodiaspórica. Desde então, o artista vem alçando rumos para além de Belo Horizonte. A sua última turnê foi resultado não só de seus lançamentos, mas também de colaborações que ele vem costurando com artistas pelo mundo — outra porta aberta pela leva de DJs brasileiros em palcos internacionais. “Essa conexão é sempre bem-vinda, como foi o caso nessa turnê: eu fui tocar em Paris porque fui convidado a fazer um remix para o álbum da [produtora portuguesa] Nídia e da [percussionista ítalo-britânica] Valentina Magaletti.”

Anderson do Paraíso em Sonhar (Carlota Serarols)O interesse que artistas, curadores e público na Europa têm nutrido pelo funk se expande para a América Latina e todo o Sul Global. Da guaracha colombiana ao desconstruído RKT argentino, novos sons também encantam os gringos e embalam DJs brasileiros na sua chegada pelo mundo. “Existe um boom de música eletrônica na América Latina também”, reflete RHR. “Fiz turnês na Ásia e vejo que por lá também não era tão simples esse contato, esse intercâmbio que não acontecia tanto como hoje em dia.”

Para a DJ e produtora pernambucana Idlibra, manter esse contato é também prova de que é possível repensar estruturas de mercado no Brasil. Ela mantém sua base entre Olinda e Recife enquanto chega a sua segunda turnê internacional. Em vez de se dobrar à cartilha e se mudar para São Paulo, a artista se conecta com o mundo e muda a ordem da indústria. “Acho que tocar fora do Brasil tem a ver com essa insistência em permanecer em Recife e construir essa articulação com a Europa sem precisar do intermédio com o Sul-Sudeste ao mesmo tempo em que meu trabalho expressa o que pode ser essa música eletrônica do Nordeste”, ela afirma.

Idlibra e AASANA (divulgação)
Idlibra e AASANA (divulgação)

Na sua segunda turnê pela Europa, Idlibra acumula mais de dez datas em cinco países. As apresentações incluem um show celebratório de sua residência artística na França — parte da programação cultural bilateral daquele país com o Brasil em 2025 — e um set no Whole, um dos maiores festivais LGBTQIA+ do mundo. “Os ciclos de festas queer por aqui são muito maiores e os curadores têm a preocupação de ter pessoas queer em slots muito importantes das festas”, diz ela. “Hoje, as festas e os curadores que têm essa preocupação no Brasil são colocados muito à margem e não conseguem promover uma grande festa, um festival com estrutura e comunicação.”

+Leia mais: Primavera Sound Barcelona 2025 traz poder feminino, Palestina e diversidade

Alok no Coachella
Show de Alok no segundo fim de semana de Coachella (Filipe Miranda/Divulgação)

Fazendo as contas do DJ brasileiro

Enquanto nos palcos a criatividade move os artistas brasileiros pelo mundo, há nos bastidores uma crescente indústria fazendo pulsar as pistas. Turnês e shows internacionais muitas vezes exigem promotores de eventos especializados, produtores que saibam navegar línguas e países diversos, responsáveis financeiros que dominam transações bancárias internacionais, diretores que construam a carreira de um DJ para além do hit. É uma gama de profissionais voltados a manter o negócio da música vivo.

“Digo para os artistas que eles devem abraçar todas as oportunidades, aceitar os bons convites, dar entrevistas, lançar música, colaborar com selos e outros músicos, manter-se ligados a outras sonoridades e buscar amadurecer o próprio trabalho sem medo de evoluir”, explica Carolina Rezende, diretora da Coral. A agência hoje é responsável pela carreira de nomes como o próprio RHR, Badsista, Zopelar, Millos Kaiser, entre outros. “É preciso aproveitar esse momento e ter estratégia para continuar lá em cima.”

Segundo Rezende, é sensível o aumento da busca internacional por artistas brasileiros. E isso tem sido benéfico em diversos níveis, do mainstream de Alok e Anna a nomes de círculos alternativos. “Temos visto mais pedidos de contrato, e não só isso: são mais pedidos de entrevista, mais convites para gravações de DJ sets, os promotores também têm mais conhecimento sobre a nossa cena e estão mais abertos a ouvir o que temos”, diz Rezende. 

O processo não vem sem obstáculos. Do lado europeu, há desconhecimento sobre o funcionamento da indústria latino-americana, enquanto do lado de cá há gargalos de um mercado crescente. “As agências de fora operam num esquema de business: mandou email, fez contrato e tchau. E aqui, às vezes, têm grandes festas com promotores que não sabem o que é invoice ou que não conseguem se comunicar em inglês”, diz a diretora da Coral. “O gargalo também existe no sentido contrário: nosso continente é enorme, mas nem as maiores agências gringas sabem como o mercado funciona por aqui.” 

Outros desafios são impostos quando os DJs pisam em solo gringo. Segundo Rezende, em sua maioria, os contratos para festas e eventos são para sexta ou finais de semana. Nestes dias, hospedagem, transporte e até alimentação vão na conta de clubes e festivais. Fora desses períodos, cabe aos artistas ou suas agências cobrir os custos de viagem — o que encarece longas estadas fora do Brasil. Soma-se a isso a necessidade por vistos, que é um fator primordial em alguns países. É o caso dos Estados Unidos, cuja política para visitantes internacionais têm se tornado um labirinto de regras e taxas.

“A agência que faz meus bookings na Europa poderia encontrar shows para mim o ano inteiro, tem muito trabalho, mas como sou brasileiro, não posso permanecer no continente europeu por mais de três meses. Descobrir isso foi um balde de água fria para a própria agência”, diz RHR. Para DJs que trabalham num esquema totalmente independente, os entraves burocráticos e financeiros são ainda mais sensíveis, mesmo com muitas datas para tocar durante o verão europeu. Aí entram em cena a casa de amigos para hospedagens gratuitas, as passagens mais baratas de viagens nem tão confortáveis e a correria de quem faz arte de forma autônoma. Muitas vezes, o dinheiro que entra no caixa durante a turnê custeia a própria turnê.

Ainda assim, palcos internacionais não são hoje tão distantes para uma parte dos DJs brasileiros. E nesse caminho a Europa brilha com um Eldorado entre esperança das oportunidades de hoje e uma indústria sedenta por novidades do futuro. “Acho que um esgotamento pode chegar para a gente, mas também acho que podemos ter muito mais gêneros e subgêneros de música eletrônica brasileira”, diz Idlibra. “O mercado internacional ainda não conseguiu olhar para o Brasil de forma ampla, fora dos eixos principais, porque ainda não chegou a vez do brega funk, do pagodão, do tecnomelody, e a gente precisa desmembrar esses gêneros e criar relações com a música eletrônica de pista.” 

RHR, que volta ao Brasil apenas ao fim do verão europeu, também acredita que a tempestade brasileira na música eletrônica só está no começo. “No Brasil tem muita gente criando, toda semana tem um moleque com um celular fazendo música, vários lugares do país tem uma pulsação”, reflete o artista, para quem o mundo já não é tão grande. “A Europa é um polo econômico, mas o polo sonoro não é mais aqui.”

 

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