Deadbeat, novo disco do Tame Impala, traz essência das raves da Austrália
Em entrevista à Billboard Brasil, Kevin Parker fala sobre a alma dance da banda
Na ativa desde 2007, o projeto Tame Impala, comandado pelo inquieto Kevin Parker, vem trilhando uma das evoluções mais fascinantes da música moderna. Nascido no cenário de rock psicodélico de Perth, na Austrália, o som da banda de um homem só foi se tornando cada vez mais atmosférico, sintético e dançante, abraçando a eletrônica sem perder a essência melódica e introspectiva que conquistou fãs ao redor do globo. Essa maestria sonora não passou despercebida no mainstream, fazendo de Parker um artista de culto entre estrelas pop como Dua Lipa, Lady Gaga e Rihanna, que não escondem sua admiração por sua produção inovadora.
Os fãs brasileiros têm uma lembrança especialmente vívida do poder ao vivo do Tame Impala: sua apresentação no Lollapalooza de 2020, onde Parker, mesmo de muletas, comandou uma multidão de mais de 100 mil pessoas em um dos maiores shows de sua carreira. A energia daquele momento é um testemunho do alcance monumental de seu som.
Por trás de toda essa produtividade e sucesso, esconde-se uma ironia característica do músico: a autopercepção de ser, no fundo, um preguiçoso. Ele se define não como um workaholic que se mata de trabalhar, mas como alguém que precisa estar em “um estado constante de fazer algo”, mas sempre da forma menos árdua possível.

Nesta sexta-feira (17), o mundo recebe mais um capítulo dessa jornada com o lançamento do seu novo álbum, “Deadbeat”, uma deliciosa viagem ao suas origens no “bush doof”, uma gíria australiana para raves realizadas em ambiente rural ou no “mato” (bush), frequentemente misturando vertentes como psytrance, house e techno.
Em uma conversa animada via Zoom com a Billboard Brasil, Kevin Parker falou sobre as inspirações por trás do novo trabalho, sua relação com a cena eletrônica, a colaboração com grandes artistas e a memória afetiva de se apresentar no Brasil.
Billboard Brasil: Kevin, como você está?
Kevin Parker: Ei, tudo bem, obrigado. Como você está? Prazer em falar com você.
Estava ouvindo Deadbeat e que trabalho incrível. Li que o disco foi inspirado pela cena Bush Doof, das raves da Austrália…
Sim, foi definitivamente uma das inspirações. Não diria que é a única inspiração. Minha música vem de vários lugares diferentes, sabe? De vários lugares diferentes na minha mente. Acho que a energia e o espírito dos Bush Doofs são algo que eu realmente quis capturar na minha música desta vez. E, obviamente, como você provavelmente já ouviu, algumas das músicas têm um som de música eletrônica, dance, e outras não. Sabe, é meio que é.
Sua música inspira de DJs do underground a artistas grandes. Sei que você tem uma conexão com a Dua Lipa, por exemplo, mas já foi citado como artista favorito por nomes como Rihanna e Lady Gaga. Então, quero ouvir o que você tem a dizer sobre inspirar esses grandes nomes do pop.
Artistas, quando os conheço, me dizem que amam minha música, da mesma forma que os fãs na rua. É sempre muito legal ouvir isso, não importa quem eles sejam.
Eu li, por exemplo, que o seu álbum “Currents” meio que mudou a vida da Dua Lipa. A forma como ela vê a música e como faz música. E sei que vocês colaboraram juntos. Então, como é? Você é um cara que parece o oposto de uma celebridade. Como é a troca nessas colaborações?
É sempre a mesma coisa; você entra em uma sala sabendo que vai encontrar alguém que é uma lenda ou uma estrela pop. E você tem uma ideia grandiosa deles, porque eles são maiores que a vida. Mas assim que você fica na sala com eles por mais de cinco minutos, percebe que são humanos, sabe? Eles têm senso de humor, têm inseguranças e também só querem fazer coisas incríveis. Então, tudo se torna muito humano muito rapidamente.
Legal. Também quero falar o Orchid, o instrumento que você criou. Ouvi dizer que você é workaholico, que está sempre trabalhando. E eu pensei: “Ele faz tanta música, shows por todo o mundo e ainda tem tempo para ter esta empresa, esta ‘startup’ para construir instrumentos”. Pode me contar um pouco sobre isso?

Bem, isso é engraçado, porque eu me vejo como preguiçoso.
Sério? Uau. Você é preguiçoso, cara?
É, tipo… eu sou workaholico, mas não sou um “work-hard-aholic”, sabe? Eu sempre gosto de estar nesse estado constante de fazer alguma coisa, mas sem trabalhar demais, se isso faz sentido.
Faz, faz sentido. Sim.
A Orchid foi meio que uma fantasia minha, de desenvolver um instrumento. Obviamente, eu não sou expert em eletrônica… não sou um engenheiro de software ou um engenheiro eletrônico, então tive que encontrar pessoas para fazer isso comigo. Começou comigo e um cara… eu ia falando o que eu queria, e ele fazia a programação para mim. Nem pensei nisso como uma empresa, sabe? Eu só queria um instrumento desses para mim. Uma ideia puramente egoísta. É uma ferramenta de composição, mais do que os sons em si, mas os sons também são importantes.
Sobre Deadbeat, vamos lá. A capa é uma imagem sua e de sua filha. Estou pensando que este é um processo muito íntimo que você trouxe. Como foi escrevê-lo?
Ah, sim. Acho que queria que fosse o álbum mais íntimo, tipo eu cortei um pedaço de mim e coloquei nele. O que não quer dizer que seja sobre minha família, porque não é, na verdade. Só quis usar aquela foto porque, para mim, era simbólico de eu querer me expor um pouco mais. Só queria algo que parecesse um pouco mais vulnerável.
Você começou como uma banda de rock psicodélico, com sons psicodélicos, e agora está moldando a forma como a música eletrônica é feita, porque tenho visto até mesmo no Brasil produtores com um som que remete ao Tame Impala. Isso é algo que não se vê todo dia. Alguém que vem de uma cena rock, especialmente rock psicodélico, meio que um nicho, e de repente – não de repente, porque você está na estrada desde 2007 – está moldando a música eletrônica. Como você se sente em relação a isso?
A dance music, bem, a música nova sempre vem de lugares estranhos, sabe? Sempre foi feita por quem estava experimentando e tentando coisas novas. Tipo, Daft Punk… Daft Punk era literalmente uma banda punk, um duo de rock, e eles descobriram a dance music. Acho que não importa de que tipo de música você vem. São apenas pessoas com feeling e que querem experimentar.

E sua experiência como dançarino, você frequenta clubes? Curte?
Sim. Bem, a questão comigo é que não tive tanta oportunidade de ir a festas. Não fui em tantas raves quanto provavelmente a maioria dos ravers. É algo que só faço ocasionalmente. Mas eu simplesmente me apaixonei pela cena e tenho muito respeito por ela. É algo que eu amo mais a ideia. Sabe, sou inspirado pela ideia das raves mais do que ir a raves.
É mais sobre a experiência, mesmo.
Exatamente, exatamente. Sinto que, quando estou lá, é como se outro eu em um universo paralelo simplesmente vivesse ali.
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E sobre a cena australiana, essa cena contemporânea recente? É uma tão incrível, com King Gizzard, Flume e outros nomes. Você é impactado por ela, tem amigos nessa cena e artistas de que gosta?
Sim. Quer dizer, meio que como com a cena rave Bush Doof, eu sempre estive perto, mas nunca verdadeiramente dentro dela. Mesmo com a cena de rock experimental de Perth, a cena de rock experimental australiana… conheci pessoas nela, mas nunca me senti verdadeiramente parte. Mas, sabe, acho que é uma cena realmente saudável e próspera. Quando estava começando e tocando em clubes e bares, parecia que estava realmente explodindo, realmente acontecendo, mesmo que eu não me sentisse como se fizesse parte dela o tempo todo.
Obviamente você se lembra da sua última vez no Brasil, no Lollapalooza…
Foi. Acho que foi o maior show que já tocamos.
Sério?
Sim, acho que tinha mais de 100 mil pessoas. E eu estava de muletas.
Total!! Você estava de muletas e havia um público enorme. Qual é a sua lembrança sobre o Brasil?
É um dos meus lugares favoritos no mundo para tocar. Acho que o público é simplesmente o melhor. Aquele show foi o último da turnê, era o show que eu mais esperava. Então também foi um momento de… “Ufa, consegui passar a turnê toda sem me machucar de novo”. Fiquei um pouco emocionado, eu acho.
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Você realmente cresceu muito. Seu nome é atração principal em grandes festivais, você é um headliner de verdade. O que quero dizer é: a música pop, comercial – porque estamos falando de números grandes aqui, então, sim, é música comercial – pode ser realmente conectada com a música underground, como a sua é?
Essa é uma pergunta muito boa. Não sei. A resposta é realmente não sei. Acho que é muito difícil de elas se conectarem. Por causa da natureza da música underground, sabe? Acho que, em um mundo perfeito, poderia sim. Ia dizer que em um mundo perfeito não há mainstream e não há underground, são todos um só, sabe? Mas, sabe, talvez seja bom que estejam separados. Pode ser frustrante para os dois lados, para as pessoas dos dois lados quererem fazer parte do outro. Sabe, artistas underground muitas vezes gostariam de ser mais mainstream, e artistas mainstream gostariam de ser mais underground. E o mesmo pode ser dito sobre as pessoas nessas cenas. Então, é, não sei, para ser honesto. É complicado.
Você já colaborou com tantos artistas grandes e incríveis. Mas se você pudesse escolher um, vivo ou morto, algum artista que definitivamente moldou sua vida e que te deixaria feliz em fazer uma collab, quem seria?
Oh, essa é difícil. Quer dizer, se for de todos os tempos, acho que talvez Roger Hodgson, do Supertramp. Ele é meu compositor favorito daquela época. Mas, se for alguém novo, então provavelmente Rosalía.
Dá pra imaginar esse feat de Supertramp + Tame Impala? Sim!
Uma última pergunta. Se você pudesse me dizer três discos que são seus top 3 da vida?
Ah, é difícil demais. Provavelmente “Breakfast in America”, do Supertramp. “Siamese Dream”, do Smashing Pumpkins. E “Further”, do The Chemical Brothers. Só para ter algo eletrônico.
Deadbeat foi lançado nesta sexta (17/10) e está disponível em todas as plataformas, além de formatos físicos como vinil e CD.