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Como família de MC Caverinha e Kayblack se transformou na realeza do trap nacional

Como família de MC Caverinha e Kayblack se transformou na realeza do trap nacional

Irmãos brilham nas paradas do Brasil e são destaques do gênero

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Em 1808, dom João 6º saiu de Portugal rumo ao Brasil, fugindo das forças napoleônicas. Foi quando a colônia passou a abrigar a família real com toda sua pompa e circunstância. Porém, desde 1889, com a proclamação da República, o país não tem reis, príncipes e outros títulos de nobreza. Aos fãs saudosos de uma monarquia, a música brasileira vem oferecendo uma alternativa: o reinado da família Queiroz Menezes no trap nacional.

Séculos depois de os jesuítas chegarem à Vila de São Paulo de Piratininga, ainda no século 16, o casal Rubens e Charlene se estabeleceu na cidade de São Paulo, morando em diversos bairros onde criou sua prole, entre eles: Kaique, o Kayblack, de 23 anos; Kauã, o Real Bege, de 18, e Kauê, o MC Caverinha, de 15. Os irmãos, que já chegaram a ocupar o topo das paradas musicais com “Cartão Black”, de Caverinha e Kayblack, são referência em um dos gêneros de maior destaque no país.

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A Billboard Brasil conversou com toda a família —que ainda inclui Laiza, 20, Kelvin, 10, e Kassio, 8, todos igualmente com um pé na música— embora a única mulher, tímida, só solte a voz na igreja. O encontro se deu diante de um opulento café da tarde servido nos aposentos de Kayblack, um apartamento duplex num condomínio de alto padrão na região do Tatuapé. Bem típico de um banquete real.

Era a primeira vez que os Queiroz Menezes se reuniam após a primeira viagem do filho mais velho à França –Kayblack tirou férias forçadas devido a um problema na garganta que o impediu de subir aos palcos por dois meses. Antes disso, chegava a fazer de 20 a 25 shows por mês –sua volta foi no The Town, onde se apresentou diante de 100 mil pessoas no começo de setembro, em São Paulo.

Os primeiros de seu nome

Caverinha e Kayblack somam mais de 15 milhões de ouvintes mensais só no YouTube. Nos canais oficiais de ambos, são mais de 800 milhões de visualizações. Entre as mil faixas mais ouvidas do país, Kayblack marca presença 17 vezes. Esses números são influenciados por “Cartão Black”, música da dupla que se tornou sucesso instantâneo, entrando direto para a lista de mais ouvidas do país.

Aliás, a história dessa faixa diz muito sobre a relação entre os irmãos: composta por Kaique há cerca de cinco anos, “Cartão Black” deveria ter sido lançada naquela época como um set [música gravada em parceria por vários artistas] com a participação de nomes como MC GP e Vulgo FK –hoje proeminentes nomes do funk e do trap. Até porque um trecho da música vazado acidentalmente teve boa repercussão entre o público.

Kauê, o Caverinha, então sugeriu para o irmão lançar a música o quanto antes para aproveitar o momento, mas não foi convincente —o mais velho acreditava que a música não estava madura. Embora sejam frutos do mesmo sangue, os dois têm personalidades distintas: Caverinha está sempre pensando no futuro com a pressa do presente, enquanto Kayblack é mais, digamos, conservador. Isso gera alguns conflitos, como era de se esperar. Foi Kauê que insistiu para que Kaique se rendesse ao trap, enquanto este batia o pé para se firmar como MC de funk.

“Nós não gravamos voz no mesmo estúdio. O Kay é muito chato [risos]”, brinca Caverinha. “Eu sou mesmo”, completa o irmão mais velho –no melhor estilo irmão mais velho, claro.

“Cartão Black” acabou sendo lançada apenas em 2023, com assinatura apenas dos Queiroz Menezes em parceria com o produtor Wall Hein. Gravada quando Caverinha ainda tinha 12 anos, a faixa trazia uma voz infantil, quase pueril, cantando sobre carrões e roupas de grife. O produtor, então, teve a ideia de inserir o som de uma tosse, que faz a transição para o momento atual do Kauê adolescente.

Origem da realeza

Diferentemente dos Orleans e Bragança, os Queiroz Menezes são uma representação bem fiel de centenas de milhares de famílias pelo Brasil. Se você é uma pessoa negra das periferias do país, provavelmente descende de origem semelhante. Se não, é bem possível que conheça alguém de berço parecido.

O paralelo com a realeza surgiu acidentalmente nas redes sociais do primogênito: ao assumir seu nome artístico, Kaique trocou o nome de usuário no Instagram para @RealKayblack. A intenção, segundo ele, era evitar imitações, como uma espécie de selo próprio de verificação. Na sequência, seu Rubens e dona Charlene –de apenas 46 e 41 anos, justiça seja feita– adotaram o prenome pomposo.

“Era uma brincadeira nada a ver, queria só mostrar que era eu e evitar contas fakes. Mas acabou pegando”, diverte-se Kaique.

Seguindo os passos do pai

O sangue musical dos filhos mais famosos corre nas veias de toda a família. Rubens é daqueles pagodeiros clássicos. Toca um pouco de tudo, mas domina mesmo o banjo e o cavaco, chegando a se apresentar com alguns dos maiores nomes do gênero, como Beth Carvalho e Zeca Pagodinho. Atualmente, o patriarca integra o grupo de pagode gospel 1Som.

“Eu já estive do lado dos grandes, o samba é a música da minha vida. Recentemente, tive a honra de poder participar com essa galera e fazer música para Jesus. Hoje, tenho um propósito que vai muito além da música”, diz ele.

O sonho do patriarca era viver da música, mas a dura realidade da periferia se impôs. Enquanto se virava entre vários bicos para sustentar a família, Rubens ouviu de Kaique, então com 11 anos, que queria ser funkeiro, e não mais jogador de futebol, como tantos outros meninos da mesma geração. O incentivo familiar foi primordial para essa história poder ser narrada.

Enquanto Kaique treinava para ser MC, Kauê, à época com quatro anos, tornou-se o dançarino oficial da família, arriscando seus primeiros passinhos. E foi assim que a ordem dos fatores se inverteu. Quando Kayblack tinha 13 anos, ele foi convidado para cantar em um evento da prefeitura de São Paulo, numa das fábricas de cultura da zona leste. Durante a apresentação, Kauê, então com 6 anos, puxou Kaique de lado e disse:

“Eu quero cantar”.
“Mas você nunca cantou… Tem certeza de que quer arriscar?”, questionou Kayblack
“Tenho. Dá o microfone aqui”.

Simples assim. Caverinha ganhou o microfone, e o público, que estava morno e distante, começou a se aproximar, a acender as luzes dos celulares e a cantar com o carismático e extrovertido garotinho.

Diante da desenvoltura nata de Kauê, Kaique passou a compor para o irmão enquanto tentava a sorte como produtor, usando um computador antigo montado a partir de descartes de vizinhos. Paralelamente, insistia na carreira de MC.

Em vídeos no Facebook de Caverinha, o garoto é visto cantando sobre os escombros de uma antiga casa da família, demolida após ordem judicial, e também no quintal de outra residência, onde ele sentencia: “Um dia vou dar uma casa para minha mãe sem precisar segurar no revólver”.

Dito e feito. A primeira casa própria da família enfim pôde ser comprada após o lançamento de “Não Pisa no Meu Boot”, em 2019. A composição de Kayblack foi o primeiro grande hit de Caverinha, e colocou os Queiroz Menezes no trono do trap.

Linhagem continua

Há alguns meses, Kassio, o mais novo dos irmãos, estava com Kelvin em um estúdio na produtora GR6, empresa responsável pela carreira de Kayblack e Caverinha. Pronto para gravar uma das suas primeiras músicas, Kassio foi abordado por um compositor dizendo ter uma letra que era “a cara dele”. O menino então fechou a cara, engrossou a voz o quanto pôde e respondeu de uma forma bem altiva: “Não vem com letra de amorzinho, não. Eu sou gangsta”.

Assim como os irmãos famosos, Kassio e Kelvin já estão no caminho de se tornarem trappers, o mesmo que Kauan percorreu recentemente. Incrivelmente tímido, o terceiro na linha de sucessão estava em dúvida sobre o futuro. Considerado um atleta de qualidade, engordou após o sucesso dos irmãos (“Passamos a comer melhor, né? É consequência”) e o sonho de ser jogador de futebol acabou abdicado. Entre um trabalho formal e tentar a vida na música, não teve dúvidas.

“Não tive muito o que pensar, foi tudo muito natural. Meus pais já falavam que eu cantava bem, daí criei coragem para entrar em estúdio e gravar.”

Sob o nome artístico de Real Bege, Kauan estreou na música participando do set “Melhor Dia 11”, que acumula 10 milhões de plays no Spotify e 6,5 milhões de visualizações no YouTube. Para o futuro de seu reinado, os príncipes do trap da Vila Curuçá prometem um projeto colaborativo, fincando ainda mais a bandeira dos Queiroz Menezes nas paradas musicais do país.

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