“Era um Sol para cada um”. A expressão define bem o clima quando começou a turnê “Ivete Clareou”, neste sábado, 25 de outubro, em São Paulo, mais precisamente no Jockey Club. Com um céu azul e mais de 30 graus nos termômetros, o ambiente era perfeito para receber o novo show da cantora baiana com repertório voltado para o samba de Clara Nunes (que inspirou o nome da apresentação) e outras referências do estilo.
Com início marcado para às 14h, o palco 360 graus do show já chamava a atenção do público que começava a chegar e explorar a área. A escolha do Jockey Club foi um acerto, com espaço de sobra para movimentação entre o palco principal e os diferentes espaços no local, além da fácil localização dos banheiros e ambulatórios. E, para ajudar a encarar o calor, a equipe do evento distribuía copos de água. E acertou também quem já saiu de casa preparado com boné, protetor solar, leque e outros adereços.
A DJ Jude Paulla foi escolhida para iniciar os trabalhos com um set voltado para brasilidades variadas em versão eletrônica, uma mistura que pode parecer inusitada mas que deu muito certo. Também marcaram presença hits de várias épocas da MPB, de “Faraó” (Margareth Menezes) a “Chega Mais” (Rita Lee) passando também por sons mais modernos, como “O Baiano Tem o Molho” (O Kannalha).
Um público diverso que ia chegando mais próximo do palco aprovou o set, com muita gente dançando enquanto se hidratava para aguentar o sol do começo da tarde enquanto Ivete não chegava.
Nesse meio tempo, parte dos presentes preferiu se abastecer nos bares e espaços de alimentação espalhados pelo Jockey Club. Com decoração repleta de homenagens ao samba (placas de ruas nomeadas “Arlindo Cruz” e “Demônios da Garoa”, por exemplo), a área livre ainda tinha opções de lugares para descansar e pegar uma sombrinha.
Mulheres do samba
Também chamou a atenção o espaço Boteco 99, que reuniu personalidades em um podcast gravado ao vivo e atrações musicais como o Samba de Dandara, que deu uma pequena amostra do seu samba tradicional para quem teve a sorte de estar passeando ali perto. O grupo, formado totalmente por mulheres, tem tudo a ver com a proposta de “Ivete Clareou” e agradou também a ex-BBB Aline Patriarca, que dançou durante praticamente toda a apresentação das sambistas.
Às 16h45, o público já se espremia próximo ao palco principal para esperar a atração principal e se refrescava como podia (a produção seguia ajudando, jogando copos de água a pedidos da galera). O set final de Jude Paulla também manteve a animação, com clássicos como “Nosso Sonho Não Vai Terminar” (Claudinho & Bochecha) e uma versão eletrônica de “Brasil” (Gal Costa), cantada em uníssono -será saudades da novela?
Demorou mais um pouco até Ivete subir ao palco, mas os fãs não pareciam se importar com a demora. Primeiro, chegaram os músicos da banda, que logo iniciaram uma introdução com percussão, bateria e um depoimento em áudio falando sobre a ligação de Ivete com Clara Nunes e de como ela gostava de cantar as músicas da cantora mineira quando era criança. E o ciclo se completa, agora com Ivete chegando pela passarela do palco e pronta para realizar sua homenagem à sambista veterana, que começou com uma canção inédita (“Maréchera”), mas que tem o DNA no samba em seus arranjos.
Iveteiros vão ao delírio
Com a chegada de Ivete, os iveteiros foram ao delírio mesmo antes que ela começasse a cantar. Ela aproveita para agradecer a recepção da forma mais sincera possível: “C******, eu tô toda arrepiada!”
Após celebrar os fãs e os músicos da banda, a dona da festa segue a homenagem com dois temas clássicos de Clara Nunes: “Juízo Final” e “Canto das Três Raças”, que automaticamente fizeram o Jockey Club sambar como se não houvesse amanhã. No meio da multidão, era possível notar amigos, casais e famílias inteiras curtindo e dançando.

Um exemplo de família marcando presença no dia é a advogada Karina Silva, 42 anos, que veio com sua mãe, a aposentada Vilma da Silva, 74 anos. A curiosidade é que foi a mãe que convenceu a filha para vir ao show. Dona Vilma é fã de longa data de Ivete: levou Karina ainda criança em um show da Banda Eva (primeiro conjunto da cantora baiana). E aprovou o repertório sambista de “Ivete Clareou”, até porque ela entende do assunto: é veterana da Velha Guarda do Tatuapé e mostrou animação e samba no pé de um jeito que que deixou muitos jovens no chinelo.
No palco, Ivete e sua banda mantinham o repertório quente, com sambas clássicos como “Ah! Como eu Amei” e “Retalhos de Cetim” (Benito de Paula), além de canções autorais como as recentes “Não Precisa Responder” (em parceria com Belo) e “Mó Loucura” (feat com Dilsinho), ambas presentes no audiovisual lançado recentemente pela cantora.
E, se o público estava animado, Ivete estava mais ainda: “Hoje eu tô pra jogo. Posso paquerar vocês? Posso seduzir?”. Nesse momento, um anônimo comentou em resposta: “Eu viro hétero!” Esse é o nível do magnetismo de Ivete Sangalo, que estava ainda mais potente naquele final de tarde.
Tem emo na roda
Já havia anoitecido e a baiana continuava firme e forte no palco (“Só saio daqui com a polícia”, brincou, em certo momento), quando o primeiro convidado apareceu: Di Ferrero, fazendo versões pagode de “Razões e Emoções” e “Cedo ou Tarde”, hits da sua banda, o NX Zero. Talvez tenha sido o momento mais distante do samba tradicional no repertório, mas o resultado agradou o público, que sabia todas as letras. Quem diria que tem emo no samba? Outra surpresa em forma de samba foi a versão que Ivete fez para “Me Abraça”, hit dos tempos da Banda Eva, que garantiu a animação no Jockey Club.

Rolaram também outros clássicos do samba e pagode como “Mina de Fé” (Os Morenos), “Deixa Acontecer Naturalmente” (Revelação), “Paparico” (Molejo) e “Derê” (Belo). E, além de Ivete, é preciso também dar os créditos para os músicos que a acompanham, com uma formação que garantiu não só a percussão, que é fundamental para o estilo, mas também baixo, violão, cavaquinho, banho, metais e vocais de apoio. O resultado é um conjunto coeso, que dá a segurança necessária para Ivete passear pelo palco e focar na voz e nas interações com a plateia.
Falando em plateia, se alguém pensava que seria difícil para os Iveteiros acompanharem o pique da baiana, estava enganado. O entorno do palco 360 seguia cheio de gente cantando e dançando, e o mesmo se via em pontos mais afastados (como na arquibancada decorada como se fosse a famosa Escadaria Selarón do Rio de Janeiro). Alguns aproveitavam para ir ao bar ou encontrar amigos, mas, de modo geral, o clima animado do início de tarde continuava (agora, felizmente, sem o calor). E tome mais clássicos: “Sem Ataque, Sem Defesa (Beth Carvalho)”, “Luz das Estrelas” (Belo), “Timidez (Negritude Júnior)”, “Quando Te Encontrei” (Raça Negra) e outros temas que fizeram história na música brasileira.
Mais uma convidada, mais um grande momento: a cantora Juliana Dias traz o peso do samba no sangue. Além de afilhada de Zeca Pagodinho, Juliana é filha do músico Mauro Diniz e neta de Monarco da Velha Guarda da Portela. Ela fez bonito cantando em dueto com Ivete hinos como “Meu Lugar” (Arlindo Cruz), “Alguém me Avisou” (Dona Ivone Lara) e “Coração em Desalinho” (do avô, mas famosa na voz de Zeca). Foi o suficiente para levantar e colocar para cantar até quem estava sentado nas arquibancadas. Juliana ganhou a plateia e se despediu com um “Veveta eu te amo!”
Vale dizer que, a essa altura, Ivete já estava há mais de 3 horas sem sair do palco com energia invejável, cantando, dançando e comandando a coisa toda como se fosse a coisa mais natural do mundo -e até é, considerando o pique do Carnaval baiano. E a noite, longe de acabar, ainda reservava mais participações especiais.
A primeira foi alguém que Ivete revelou (em tom de brincadeira) como o “verdadeiro mentor” do show: Naldo Benny, com uma boa versão do hit “Amor de Chocolate” e uma homenagem a Preta Gil, com “Meu Corpo Quer Você”.
Depois Veveta anunciou Ferrugem: “Quando esse homem canta, eu derreto”. Acompanhado da baiana, o cantor fez uma sequência de sons autorais (“Interessante”, “Apaguei pra Todos” e “Me Bloqueia”) com uma plateia cantando fielmente as letras e curtindo o momento. Pelo jeito, não é só Ivete que é fã.
E, na sequência, Silva, trazendo “Um Pôr do Sol na Praia”, parceria do cantor com Ludmilla, agora na voz de Ivete. Ainda houve espaço para os clássicos “De Noite Na Cama” (Caetano Veloso) e “Ive Brussel” (Jorge Ben Jor).
O Jockey Club seguia lotado e no pique quando Ivete anunciou: “Chegou mais gente!” Era Salgadinho, que já entrou fazendo todos cantarem os versos de “Recado à Minha Amada”, do Katinguelê: “Lua vai… iluminar os pensamentos dela…”. Com o jogo ganho, Salgadinho ainda puxou “Inaraí”, outro clássico dos tempos de Katinguelê.
Chegava a hora do encerramento… mas ninguém contou para Ivete, que continuava ligada nos 220 volts. Quando, enfim, alguém avisou do horário, a baiana lamentou, dizendo que por ela continuaria, mas que agora seria o final.
Com agradecimentos gerais à equipe, aos músicos e a todo mundo que compareceu, Ivete, com a energia lá em cima, fez “Energia de Gostosa”, “Macetando” e “Cria da Ivete”, hits anteriores ao projeto “Ivete Clareou”, mas que caíram muito bem para dar um último gás no público e encerrar essa verdadeira maratona de mais de 4 horas de música boa e muita alegria.
SERVIÇO — TURNÊ “99 APRESENTA IVETE CLAREOU”
01/11 – Belo Horizonte – Área Externa do Mineirinho
22/11 – Rio de Janeiro – Marina da Glória
30/11 – Salvador – WET
13/12 – Porto Alegre – Parque Harmonia
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