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A história de sucesso do projeto ‘Poesia Acústica’

A história de sucesso do projeto ‘Poesia Acústica’

Cypher comemora 17 lançamentos, mantendo a mesma fórmula de sucesso

Os integrantes do Poesia Acústica 17

Rap é poesia. Essa afirmação é simples, mas carrega um peso histórico. Desde os primeiros MCs brasileiros, lá nos anos 1980 e 1990, até as vozes mais jovens da cena, o rap sempre foi feito de rimas que contam histórias, denunciam injustiças, celebram afetos e preservam memórias. Mas havia uma ideia que persistia: a de que o rap, para soar autêntico, precisava da batida eletrônica, do boom bap ou do trap, nunca de um violão no centro da roda. O formato acústico parecia distante da realidade dura das ruas.

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Foi nesse espaço que a Pineapple StormTV decidiu ousar. Em 2017, surgiu o Poesia Acústica — um projeto que juntava MCs de diferentes estilos para rimar com instrumentais tocados ao vivo, muitas vezes apenas com violão, baixo e percussão suave. A proposta era mostrar que a força da palavra não se perde quando o beat dá lugar a cordas. Pelo contrário: o formato revelaria nuances na interpretação, no timbre e na emoção de cada artista.

Para Paulo Alvarez, cofundador da Pineapple StormTV, a gravadora não inventou nem o formato das cyphers nem o modelo acústico que hoje domina parte da cena. Mas, segundo ele, a marca soube entrar no momento certo e imprimir seu próprio estilo. “Cara, eu nem acho que a Pineapple seja precursora desse movimento. Mas eu acho que a gente fez parte do surgimento dessa cena que se consolidou hoje em dia e que vem de 2015, 2016, 2017. E acho que o Poesia e o Poetas são projetos que se tornaram símbolos desse momento, desse movimento. Então, acho que é mais isso.”

Ele ressalta que o papel da Pineapple foi menos o de inventar algo inédito e mais o de consolidar um terreno já fértil. “São mais que emblemáticos, mas não acho que foram os precursores. A gente entrou num movimento que já estava surgindo e fizemos do nosso jeito”. Foi justamente essa adaptação que permitiu ao Poesia Acústica trilhar um caminho próprio, combinando elementos que já circulavam na cena com um formato de gravação e lançamento capaz de cativar milhões.

Quando pensa no início, Paulo revela que nem sempre imaginou chegar tão longe. “Quando eu fiz o primeiro Poetas no Topo, até já achei que fosse viver aquilo para sempre, mas o Poesia Acústica, quando a gente lançou o primeiro, não achei que fosse chegar em 17 (edições). Mas quando a gente lançou o segundo eu já achei, sim.” A partir dali, a visão mudou. “Sim, porque antigamente a frequência era muito mais… era uma diferença de tempo muito menor das poesias. A gente entrou nessa ferveção do momento lá. Mas, sim, o Poesia com os dois era algo que eu nunca tinha visto naquela proporção. Então para mim, ali já, com certeza, sentia como um projeto que ia durar muito tempo.”

O resultado foi imediato: milhões de views, refrões que viralizaram nas redes sociais e um público novo para o rap. Canções que falavam de amor, saudade e encontros casuais passaram a dividir espaço com letras sobre vivências de rua.
Sete anos depois, o projeto já soma 17 edições, mais de 8 bilhões de streams nas plataformas digitais e presença constante entre os vídeos mais assistidos do YouTube Brasil. É um dos maiores projetos musicais do mundo em números absolutos, superando barreiras de gênero e de público. Cada lançamento virou um minievento, cercado de expectativa sobre quais vozes se encontrariam e qual seria a sonoridade escolhida.

No dia 17 de julho de 2025, a Billboard Brasil esteve na zona oeste do Rio de Janeiro para acompanhar a gravação do Poesia Acústica 17. O elenco trouxe MC Cabelinho, Duquesa, TZ da Coronel, Sant, Luccas Carlos, Alee e Lukinhas — um mix de nomes consagrados na cena e artistas que chegam para imprimir frescor.

O bastidor do Poesia é um espetáculo à parte. A logística é quase militar, mas com a energia descontraída de quem está entre amigos. No Poesia 17, a gravação e o lançamento aconteceram em menos de 24 horas. “Mano, a gente vai gravar dia 17… não, mas a gente vai lançar dia 18. Eu falei: ‘Não, vê aí, como assim?’. Normalmente, a gente passa meses entre o estúdio e o lançamento. Aqui, é gravar num dia e jogar pro mundo no outro. Acho muito maneiro, tô aprendendo bastante”, contou Lukinhas.

Para ele, a velocidade é quase inacreditável: “Eu estava conversando com o Dela Cruz e ele falou que teve um que gravaram de manhã e fizeram o clipe à noite já, tipo, gravaram tudo no mesmo dia. Isso pra mim tá sendo muito novo, de verdade mesmo. E como é que eles são tão competentes, né? Um dia para fazer tudo e o bagulho fica muito maneiro.”

Esse ritmo exige coordenação entre direção, captação, edição e finalização. Malak, produtor e cofundador da Pineapple, descreve o desafio: “O mais difícil então é eu conseguir pegar essas engrenagens tão distantes e unir tudo numa coisa só.” E revela que, para esta edição, buscou resgatar uma sonoridade que o público pedia há tempos: “Me pedem muito nos comentários, pá, volta a vibe do Poesia 2, volta a vibe do Poesia 3. Então, eu escolhi o Poesia 3 e segui esse caminho.”

A volta de Sant, que esteve no “Poesia Acústica 3”, trouxe um sabor de nostalgia. “O ‘Poesia 3’ foi um grande momento na minha carreira. Acho que até para que outras pessoas fiquem desejando isso de novo… foi bem marcante.” Já a estreia de Duquesa foi carregada de simbolismo: “É inegável que uma criança de comunidade saiba cantar alguns dos poesias. Isso é muito bonito. Espero que tenham muitas outras mulheres nos próximos, e que, de preferência, sejam também mulheres fora do eixo como eu, que estão fazendo rap e música nesse Brasil todo e que tenham essa oportunidade e visibilidade.”

O Poesia 17 também se destacou pela mistura de gêneros, trazendo elementos de pagode e samba para o rap acústico. “Achei maneiro experimentar coisas novas. Já tinha gravado um pagode antes e essa mistura funciona muito”, disse MC Cabelinho. Para Luccas Carlos, a relação é afetiva: “Isso vem até antes do rap pra mim. Lembro das viagens com meu pai ouvindo muito samba de raiz, muito pagode. Sempre que posso, me aproximo desse som.”
Lukinhas, que já vinha trabalhando a fusão de pagode e rap, sentiu-se no lugar certo: “Parecia que alguém tinha acabado de tocar a bola para mim na área. Eu já estava misturando pagode com rap há muito tempo, então me senti em casa quando descobri essa ideia de misturar.” E completou sobre sua participação: “Eu precisava achar meu jeito de ser notado aqui no meio dessa galera. Aí pensei: vou botar pra fora tudo que estou sentindo agora e falar sobre relacionamento e trabalho, que era o que eu estava vivendo.”

Luccas Carlos aproveitou a reunião de talentos para experimentar: “Quando tem muita gente, você tem até mais liberdade de fazer coisas que não faria num som seu solo. Você se permite mais.” Esse espaço de liberdade criativa é uma das marcas do projeto — e talvez o motivo pelo qual cada verso, mesmo dentro de uma música longa de quase dez minutos, consegue viver sozinho nas playlists e nos shows dos artistas”.

O impacto do Poesia Acústica vai além dos números. Para muitos MCs, participar é uma forma de alcançar públicos que talvez não chegassem a ouvir suas músicas. É também uma chance de experimentar estéticas, parcerias e narrativas novas. E, para o público, é a oportunidade de ver diferentes mundos musicais se encontrando no mesmo compasso.
Entre os sonhos para o futuro, um nome aparece com frequência: Mano Brown. Paulo Alvarez não esconde o desejo. “Cara, eu acho que é um sonho realizável. O Mano Brown tá aí, a gente tá aqui, mas conversa direta nunca rolou. Já rolou conversa através de outras pessoas, mas a Duquesa tá aí, a Duquesa tá lá perto também. Quem sabe uma coisa não leva a outra, né?”

Outra marca do Poesia é a abertura para artistas de fora da cena tradicional do rap. Ludmilla, Luísa Sonza e até a sertaneja Ana Castela já cruzaram esse caminho. E, segundo Paulo, tudo aconteceu de forma orgânica. “Te falar, todas as vezes que aconteceu, apesar de ter se tornado uma constante, foi meio de forma natural. Tanto a Ludmilla quanto a Luísa Sonza foram interações na internet depois de algum lançamento, ou pelo Twitter mesmo, retuitando algo que alguém tinha postado, ou pelo Instagram. E a Ana Castela foi o Riassp que fez a conexão, tipo do funk para o sertanejo. Mas sempre foi de forma natural, não foi algo planejado. Foi porque o projeto tomou uma proporção, acabou se aproximando de outras cenas e isso acabou trazendo algumas interações entre as cenas.”

Com 17 edições, o Poesia Acústica mantém a essência: versos intensos, colaborações únicas e a mistura de gêneros que transformou o rap em fenômeno de massas no Brasil. Como resume Malak: “O Poesia 17 mostra que a cena segue pulsando e que ainda temos muito para construir.” E, a cada encontro, a cada gravação e lançamento-relâmpago, o projeto reafirma a mesma mensagem: o rap sempre foi poesia — e, com um violão no meio, ele só ganhou mais vozes para contar suas histórias.

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