Imagine poder — literalmente — dar luz a estrelas como Liniker, recém-indicada ao Grammy Latino, e Elza Soares, e mais: construir atmosferas que expandem o que essas vozes dizem, com cores, sombras e movimentos. Danielle Meireles vive disso: de transformar som em imagem, emoção em desenho de luz.
Lighting designer com passagem por palcos do teatro, da música e das artes visuais, ela assina o espetáculo visual da “Caju Tour”, de Liniker, e esteve à frente dos últimos shows de Elza Soares, uma das maiores vozes da música brasileira, quiçá do mundo.
À Billboard Brasil, Danielle conta o caminho — cheio de voltas, renúncias e reinvenções — que a levou até o coração de cenas tão impactantes. Antes de descobrir a iluminação como linguagem, porém, percorreu outros caminhos…
Cresceu entre microfones e estúdios, frequentando a antiga Rádio Tupi, onde a mãe trabalhava vendendo comerciais. Adolescente, estudou música — precisamente canto — na então ULM (Universidade Livre de Música), em São Paulo, experiência que a colocou em contato com os palcos e teatros da cidade. Quando chegou a hora do vestibular, percebeu que sua cabeça funcionava de outro jeito: som e imagem vinham sempre juntos. Entrou para a faculdade de audiovisual com uma bolsa de estudos, e lá encantou-se pela direção de fotografia.

“Durante a graduação, comecei a me interessar por direção de fotografia e entendi que muito se falava sobre lentes e câmeras e pouco sobre luz”, lembra. “Além da minha falta de conhecimento na época sobre conceitos técnicos mais básicos, como elétrica e jogo ótico dos refletores.”
Atuou por algum tempo na área de formação. Então, decidiu mudar de foco, ou reencontrá-lo. Foi atrás de um curso de iluminação acessível e encontrou a SP Escola de Teatro, onde mergulhou por dois anos no estudo da luz. “Falando assim parece que foi tranquilo, mas foram anos de renúncia, principalmente financeira.”
O esforço rendeu frutos. Logo após se formar, Danielle foi convidada para ser assistente do lighting designer Guilherme Bonfanti, coordenador do curso e referência na área. A parceria se estendeu por diversos trabalhos — peças, shows, dança, exposições — e serviu como um laboratório e tanto. “Sem sombra de dúvidas, um aumento gigante para meu repertório como profissional e artista da luz.”
Em 2017, na peça “Macacos”, com o ator Clayton Nascimento, viveu um ponto de inflexão. Sozinha no desenho de luz, teve a chance de exercitar pela primeira vez sua assinatura em cena. “Nesse espetáculo em especial, que foi meu primeiro monólogo, existem apenas a atuação e a iluminação. Então a ideia de dramaturgia da luz aconteceu e contribuiu bem”, conta.
Mas foi na equipe de Elza Soares que Danielle experienciou, em suas palavras, “o encontro com públicos realmente gigantes”. A responsabilidade de iluminar essa imensa cantora em seus últimos shows exigiu mais que técnica: pediu emoção, escuta, entrega.
Tal trajetória a preparou para colaborar com Liniker. A parceria floresceu no disco “Indigo Borboleta Anil” e consolidou-se com a turnê “Caju”, cuja luz foi desenhada como se fosse um filme: cheia de climas, planos e transições.
“A ideia central é de um dia na vida da personagem ‘Caju’, que volta de uma viagem ao Oriente e passa por diversos momentos até o final do anoitecer”, explica Danielle. A história foi traduzida em luz por meio de uma paleta que segue a passagem do tempo: cores luminosas e vibrantes no início, até chegar na noite, com mais contraste.
A imersão do público é a diretriz. “Na música ‘Ao Teu Lado’, por exemplo, foi criado um único quadro enquanto Caju caminha sob a luz do sol até o piano. A ideia é contemplar, sair do lugar comum dos efeitos e acessar outro tempo: o tempo de um álbum com faixas de mais de cinco minutos, em um mundo dominado por vídeos de 15 segundos.”
Liniker participou de todo o processo. “Ela é uma artista muito generosa e faz questão de compartilhar seus processos com a equipe criativa. Isso, sem dúvida, reflete no resultado final.” Da primeira escuta do álbum ao contato com o roteiro do show, Danielle costurou um desenho em que tudo importa: letra, melodia, emoção.
A relação da experiência sensorial e o impacto visual é sempre uma questão que caminha em conjunto com as outras coisas que acontecem no palco.“O que quero dizer? Só posso produzir uma experiência visual impactante ou imersiva se os outros elementos em cena também caminham para esse lugar.”
E que impacto, diga-se de passagem! “Ter desenhado a luz da tour Caju firmou um pensamento que sempre tive: para criar não existe regra”, diz a lighting designer da turnê que está prestes a completar um ano, irradiando por onde passa.
Para o futuro? “Gostaria de desenhar a luz do Coachella”, professa. Também sonha em transformar a luz em instalação, experimentá-la como matéria viva nas artes visuais, e levá-la ainda mais longe nos espetáculos imersivos.
Porque no fim, é sempre a narrativa que acende o caminho de seu ofício. Danielle absorve cada história como quem prepara um cenário, com a delicadeza de quem sabe: uma luz certa, no tempo certo, pode emocionar tanto quanto a própria canção.









