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‘Chilique’ e mais 10 momentos da CPI dos Pancadões na Câmara dos Deputados

‘Chilique’ e mais 10 momentos da CPI dos Pancadões na Câmara dos Deputados

Conhecido pela perseguição aos bailes, presidente da CPI sentiu tuim em debate

Em uma semana marcada por megaoperação que revelou que fintechs e fundos de investimento da Faria Lima são parte de esquema de lavagem de dinheiro do PCC, a CPI dos Pancadões interrogou atores da produção funkeira de São Paulo na Câmara Municipal de São Paulo. Em momento mais comentado da oitiva, o deputado Rubinho Nunes (União Brasil) sugeriu que daria voz de prisão ao pesquisador e influenciador Chavoso da USP.

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Capa do single 'Predador de Perereca' — (Blow Records/Divulgação)

O deputado se irritou com a resposta de Chavoso quando o influenciador sugeriu que o crime organizado está instaurado em diversos lugares, inclusive na política. A CPI investiga a realização de bailes funks (chamados pela CPI de “pancadões”) e a consequência dos impactos nas comunidades, bem como relação com o crime organizado.

A declaração veio após Nunes questionar se havia crime organizado nas periferias. “Existe em todo lugar, inclusive dentro dessa Casa”, respondeu Chavoso, de nome real Thiago Torres. A fala gerou tumulto criando uma cena curiosa. Rubinho começou a pedir, com veemência crescente, uma indicação nominal de algum político da Câmera que correspondesse ao apontamento do influenciador. A imagem que segue após o embate é de um deputado federal desesperado em saber que colega de parlamento teve tamanha audácia em se relacionar com o crime organizado. Curiosamente, o chilique impediu o influenciador de continuar qualquer tentativa de resposta.

A CPI investiga a realização de bailes funks (chamados pela CPI de “pancadões”) e a consequência dos impactos nas comunidades, bem como relação com o crime organizado. No entanto, durante quase toda a sabatina com Henrique “Rato” Viana, dono da produtora Love Funk, os deputados tentaram entender como a produtora funcionava, bem como se Rato tinha algo contra o PCC ou como organizava juridicamente sua empresa.

Deputado recita MC Kotim e diz que não ouve funk para ‘preservar massa intelectual’

Citando “Senta”, do MC Kotim, o deputado Rubinho Nunes perguntou a Rato sobre o teor de certas letras do funk. O dono da Love Funk explicou que os artistas cantam o que vivem. “Inicialmente, cantam sobre sofrimento, depois é dinheiro, carrão, venci na vida”, explicou didaticamente. Mas disse também que não dava conta de ouvir todas as letras que saem pela produtora. Com a deixa, Rubinho emendou: “eu confesso que não consigo ouvir nenhuma delas, mas talvez por outro motivo”. Rato rebateu: “É, eu também já fui preconceituoso assim. Eu odiava funk, depois vi que era uma cultura”. Então, o deputado, então, finalizou, interrompendo Rato: “no meu caso não é preconceito, é conceito formado mesmo, para preservação da massa intelectual”.

‘Não sou nem contra, nem a favor’

Perguntado se a Love Funk declararia repúdio às práticas ilícitas do PCC, Rato disse que “não podia falar” já que não é “nem contra, nem a favor: sou neutro”. “Eu que sou da música, continuo fazendo música. Não sou parte do crime, eu vendo música, artista. Não é um assunto para eu vir aqui xingar uma facção. Quem xinga facção pode tomar tiro na cabeça, quem xinga a polícia também”, disse Rato.

“Eu costumo ver a polícia ser hostilizada quase que diariamente. Ninguém toma um tiro, mas tudo bem”, respondeu Rubinho. “A polícia não promove isso, dar um tiro na cabeça de uma pessoa só porque foi xingada”, disse também o deputado e policial civil Kenji Ito (PODE). “É, mas eu já vi isso acontecer”, emendou Rubinho. “É que, de verdade, nós orientamos a não xingar nem polícia, nem facção. Não foi minha intenção xingar ou ofender a polícia, para deixar bem claro. Eu prefiro fazer minhas músicas, não me envolver com nada que tenha arma”, finalizou Rato.

Em outro momento, Rato disse que muitos de seus artistas já tocaram em ambientes com armas, como em comunidades do Rio de Janeiro. Rubinho, então, perguntou se Rato achava normal e se isso acontecia em São Paulo. “Não acho normal. Aqui em São Paulo, vendemos [apresentações] mais para casas de show”.

A deputada Amanda Paschoal (PSOL) protestou contra as perguntas. “Me impressiona como é enviesado o diálogo aqui. Tentaram induzir o sr. Henrique a dizer se era contra ou a favor, o colocando em risco. A morte de crianças e adolescentes pela PM mais do que dobrou em São Paulo. Não dá para colocar uma pessoa aqui e querer que ela se diga contrária a uma facção criminosa que pode colocar em risco lá fora”.

‘O governo também pode tentar fazer alguma coisa’

Perguntado se reconhece os pancadões como um “problema social nas comunidades”, Rato respondeu que “o governo pode tentar fazer alguma coisa. Porque o pessoal da favela quer curtir isso. Então, se o pessoal do governo realoca o baile e põe em um terreno, o pessoal vai, pois é de graça”.

‘O senhor usou funk como jingle’

No começo de sua participação na oitiva, Chavoso da USP mencionou o uso do funk por parte da campanha de Rubinho Nunes para as eleições de 2020. “2024 também”, complementou Rubinho. “O funk é usado pelas elites, pelas classes dominantes em campanhas eleitorais, festas, programas televisivos, baladas de playboy… E esse funk não é reprimido. Mas o que é produzido nas favelas, majoritariamente negro, ainda é reprimido. Isso aqui é um exemplo de como existem duas expressões do movimento: um das produtoras, empresas e empresários e outra que é das favelas, das periferias. E esta é brutalmente reprimida principalmente pela Polícia Militar”, disse.

A fala gerou a primeira faísca entre Chavoso e Rubinho. “Eu usei o funk como ironia”, disse o deputado. “Oportunista”, classificou Chavoso. “Não é um debate. O senhor não teve a perspicácia da ironia”, respondeu Rubinho.

“O debate não é esse. O debate é unicamente voltado para criminalizar o funk e as regiões periféricas. Se não, outros lugares, pessoas e festa também estariam sendo convocado para estar aqui”, argumentou Chavoso. O deputado acusou-no, então, de estar fazendo “whataboutism”, ou seja, estar desviando o assunto colocando uma nova prerrogativa na discussão. A todo o tempo, o deputado passou a responder Chavoso, criando um debate para, logo depois, dizer que o enfrentamento não era possível. Nesse momento, o advogado do influenciador pediu a palavra.

“Como presidente, você deve ser objetivo. Até mesmo pela condução e cordialidade que deve haver. Peço que se atenha”, pediu. “Isso não é um tribunal, é uma comissão de inquérito”, retrucou Rubinho.

‘Entendo que o senhor tem uma certa dificuldade’

Adotando tom condescendente, o deputado Rubinho Nunes interviu após Chavoso da USP questionar o Kinji Ito sobre quantas pessoas foram mortas em operações da polícia contra estabelecimentos em áreas nobres que pertubam o sossego. “O vereador Kenji fez uma parte. Mas sequer é objeto da CPI. Como eu disse, o senhor é expert em praticar ‘whataboutism’. Se eu não lhe fiz uma pergunta, o senhor não responde. Eu entendo que o senhor tem certa dificuldade em entender o regramento da casa. Aqui não é canal do You Tube. O objeto aqui é o pancadão, não é a atuação dos parlamentares”, disse em tom de passivo-agressividade e certa condescendência.

Entre sermões e explicações, a interrupção de Rubinho somada a uma justificativa da deputada Cris Monteiro (NOVO) rendeu quase 10 minutos.

‘O senhor está sendo retórico’

Rubinho perguntou a Chavoso da USP se ele conhecia donos de adegas que promovem bailes para aumentar os lucros. Chavoso negou-lhe a resposta. “Você está aqui na condição de testemunha. É uma garantia constitucional não responder qualquer pergunta que possa encriminá-lo. Então, sua ausência de resposta é justamente para que seja encriminado?”. Nesse momento, o advogado de Chavoso acusou o deputado de ser “retórico” uma vez que Rubinho encadeou o silêncio a uma possibilidade de responsabilidade criminal. Com dissimulação, Rubinho disse concordar com o advogado. “Perfeito. É constitucional. Ele pode se isentar de responder sempre que a resposta for encriminá-lo. Tá bem?”. Os advogados continuaram protestando.

O chilique

Ao ser questionado por Nunes se existiria crime organizado na periferia, o ativista respondeu que o crime ocorre em todo lugar, “inclusive dentro dessa Casa”. Neste momento, o presidente da comissão e a vereadora Cris Monteiro passaram a exigir que o depoente apontasse quais vereadores teriam relação com grupos criminosos.

“O senhor afirmou categoricamente. Quem é o vereador ligado ao crime organizado? Se o senhor não responder, vou adotar as medidas legais”, interpelou Rubinho Nunes.

O vereador ainda disse que mandaria recuperar na transmissão da sessão o momento da declaração e, caso Torres negasse, ele “sairia preso”.

Em meio à confusão, as vereadoras Keit Lima e Amanda Paschoal passaram a defender o depoente, dizendo que os outros vereadores estavam distorcendo as declarações de Torres. Um dos advogados do ativista também questionou a ameaça de voz de prisão.

Funk x Sertanejo

“A gente tem baile funk de um lado, tem sertanejo do outro, tem forró em outro lado, tem samba em outro lugar. A favela tem muita cultura e música alta. Quando se limita a investigar, criminalizar e associar o baile funk ao crime, é um claro preconceito. Sobre os bailes funks acontecerem nas ruas, sem pertubação de sossego, eu acho possível, sim. Mas não temos governantes preocupados com isso. O objetivo é reprimir essas pessoas. E nem é isso que eu defendo. Eu sou frequentador mas eu reconheço que na porta das pessoas é inadequado. Mas não há políticos preocupados com isso. Poderia ser debatido com produtores, moradores… Mas quando somos chamados aqui, somos colocados em posição de criminosos. Não tem aqui, dentro dessa casa, vontade em solucionar esse problema”, disse Chavoso após ser pedido do presidente para não relacionar funk e sertanejo, já que o sertanejo “não fecha ruas”.

‘Chegamos a um momento de concordância’

O primeiro momento de debate mais elucidativo da oitiva ocorreu após Chavoso dizer-se a favor da não realização de bailes na porta de moradores. “Fico feliz em chegarmos a um momento de concordância”, disse Rubinho. Logo depois, o deputado perguntou como que, então, o poder público deveria fiscalizar atos como “prostituição infantil e uso de drogas”. “Não existe prostituição em contexto de baile funk”, disse Chavoso. “O debate sobre entorpecentes é outro. Claro que eu não vou defender o uso por adolescentes. Não cabe a mim, cabe a vocês. Mas a fiscalização não pode ser feita pela Polícia Militar ou qualquer forma de repressão do Estado”.

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