Quando Zeca Veloso despontou em “Ofertório”, turnê iniciada em 2017 e na qual se unia ao pai, Caetano Veloso, e aos irmãos Moreno e Tom, não houve quem não se impressionasse com sua performance. Em especial no momento em que, sentado ao piano, desfilava “Todo Homem”, pungente balada cantada em falsete.
O bom desempenho solo de Zeca era, claro, acompanhado pela curiosidade do público em relação a um trabalho solo do cantor e compositor. Uma questão que se estendeu por mais alguns anos. Mas, no final de novembro, depois de alguns singles – caso de “O Sopro do Fole”, que a tia, Maria Bethânia, gravou no disco “Noturno”, de 2021 – e uma concorrida apresentação no Bona, diminuta casa de espetáculos de São Paulo, ele finalmente debuta em disco com “Boas Novas”, um dos bons destaques musicais de 2025.
“Boas Novas” é um trabalho diversificado, no qual se percebe desde o ijexá do cancioneiro de Caetano Veloso (presente logo na faixa de abertura, “Salvador”) a canções que remetem ao cancioneiro afro-soul do trio Os Tincoãs (“Talvez Menor”) passando por composições que lembram a Black Rio, combo de música preta brasileira dos anos 1970. Uma compilação de grandes composições que, dizem, teve de ser feita e refeita diversas vezes. “São as más línguas que falam isso”, despista Zeca.
Mas, então, o que as boas línguas falam sobre o processo de criação do álbum? “Elas dizem que a gente fez o que era necessário. Não tínhamos arranjado todas as composições que eu tinha escolhido para o disco. Foi um dos motivos pelos quais a coisa demorou, a gente não conseguiu se organizar para fazer essas faixas que faltavam. E outras que a gente já tinha, como ‘Salvador’ e ‘Máquina do Rio’, demoraram para se encaixar no que tínhamos pensado”, justifica.
Primogênito de Caetano Veloso e Paula Lavigne, Zeca, a princípio, tomou aulas de violão com Cézar Mendes, autoridade da música do Recôncavo Baiano. Pouco tempo depois, gostou tanto de “Kaya N’Gan Daya”, tributo de Gilberto Gil a Bob Marley (1945-1981) que até tirou as linhas de baixo do cancioneiro do rei do reggae. No entanto, durante a adolescência, o jovem se encantou com as batidas da música eletrônica. O período em que esteve mais próximo do tum tum tum do duo francês Daft Punk do que do tropicalismo o apresentou para dois músicos e produtores talentosíssimos – Luciano Oliveira e Adriano Ferraz. Eles foram os primeiros a trabalhar em “Boas Novas”, que contou com outros produtores do primeiro time, como Kassin, e arranjadores do quilate de Mario Adnet (que brilha como poucos nas cordas de “A Carta”). “Eu e Zeca nos conhecemos através da música de pista, por volta de 2007, 2008. Meu projeto eletrônico estava num momento bom e eu costumava esbarrar com ele quando ia tocar, tínhamos alguns amigos em comum e ele sempre tinha um monte de perguntas sobre a produção dos remixes, acho que foi meio inevitável que, quando ele me trouxe a ideia do disco, alguma coisa enveredasse para esse campo do boogie”, diz Oliveira, que colaborou com “Salvador” e “Máquina do Rio”, que se tornou algo diferente da criação original. “A batida era de um samba bem tradicional. Mas eu ouvi uma oportunidade para colocar em prática um tipo de produção que sempre fascinou a nós dois: era o veículo certo para fazer uma música dançante de banda.”
Antônio Ferraz, por seu turno, tinha um papel mais crítico dentro da produção do disco. “Eu serviria como uma mistura de crítico/terapeuta do projeto. Mas trabalhei como produtor musical – termo ainda misterioso para mim – em ‘Salvador’, ‘A Carta’, ‘O Sopro do Fole’ e, principalmente, ‘Máquina do Rio’. No final, até acabei oferecendo ideias de guitarra que hoje incorporam ‘Salvador’. Curioso porque, em certo momento, tínhamos que decidir entre avançar com ela ou com outra canção (hoje arquivada), e fui o único a votar contra ‘Salvador’”, diverte-se Ferraz.
“Ofertório”, contudo, foi o início do processo de Zeca Veloso como cantor e compositor. “Todo Homem”, por exemplo, foi a segunda canção que ele mostrou para o pai – e onde percebe-se a influência da música de Prince. O registro agudo surgiu nos tempos em que morou com Caetano, período em que este se encantou com o disco “In Rainbows”, do grupo inglês Radiohead. “Ele começou a cantar dessa maneira justamente quando lançou os discos ‘Cê’ e ‘Zii e Zie’[nota do redator: lançados em 2006 e 2009, respectivamente].”
Em “Boas Novas” (faixa que nasceu para celebrar o nascimento de Benjamin, filho de seu irmão Tom), quem manda é a Deusa Música. Há um esmero na produção, um cuidado nos arranjos e na interpretação como raramente se percebe nos discos atuais – uma dica: Zeca gosta do pop sofisticado de artistas americanos como o conjunto Steely Dan e a cantora Carole King (embora esteja hoje mais atento às canções de louvor e aos sambas de Jorge Ben Jor). Junte isso a um formato de canção popular e radiofônica como “O Sal desse Chão”, parceria com o sambista carioca Xande de Pilares.
“Zeca me deu uma melodia bonita por volta de 2016 e aí eu e ele começamos a compor. Nós fizemos duas canções e as músicas sumiram. Desapareceram Mas sumiram mesmo, música bonita que a gente fez. Tivemos que perder duas músicas para fazer uma. Por sinal, é muito boa. E é muito bom você poder compor com um filho de um grande compositor como o Caetano. Acho Zeca muito inteligente, bom músico, uma pessoa maravilhosa. Tanto ele como Tom, né?”, diz Xande.
Outra presença forte nesse disco é a religiosidade. Não como instrumento de pregação, mas sim de atingir um propósito maior – no caso, o coração de quem escuta. “O disco tem uma coisa espiritual”, diz Zeca, que é cristão. “Desde criança tive minhas experiências com Deus, de entender esse lugar espiritual. Então, a escolha das músicas, do disco, do que fazer, as letras e tudo mais vieram mais dessas experiências do que das minhas decisões. Não vejo como o maior responsável do que o disco veio a ser”, confessa. “Boas Novas” tem Deus e Deusa Música, tem o mote e a glosa, tem o medo, tem a rosa, o sol e a lua. Acima de tudo, tem um compositor talentoso e pronto para o sucesso. Lhe damos boas-vindas, Zeca Veloso.









