A maior banda de Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga do mundo fez o primeiro show para aproximadamente sete pessoas no Garage Art Cult, Rio de Janeiro, em 24 de julho de 1993. Após mais de 30 anos de uma história de cinema que teve morte, amizade, censura, parcerias, prisão, brigas, reconciliação e shows épicos, o grupo, ou melhor, a banda criadora da hemp family decidiu pendurar as chuteiras na turnê “A Última Ponta” com shows marcados em estádios para mais de 40 mil pessoas.
A série de shows começou por Salvador, no dia 13 de setembro, e termina no Rio de Janeiro, em 13 de dezembro. A banda vai passar ainda por Recife, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Goiânia, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo.
A legalização da maconha sempre foi a luta do Planet Hemp, mas após tantas décadas fica mais evidente o papel fundamental do grupo no que se entende por liberdade de expressão no Brasil. A banda colocou em suas letras a reflexão sobre o que é e o que não é apologia, de fato, e o que é liberdade de expressão verdadeira para debater temas tabus.
Naquele começo dos anos 1990, o jovem skatista frustrado e rapper Marcelo D2 segurava o microfone da MTV e definia a banda que fundou junto com Skunk, seu melhor amigo e espécie de mentor:
“Planet Hemp é fumaça sonora. É a mistura de todas as músicas com o vocal em cima do rap. A proposta da banda é legalização e não comercialização”.

O plano era fazer rap sampleando rock alternativo: Nirvana, The Smashing Pumpkins, Sonic Youth. A mistura sonora seria a tônica de toda uma geração de novos talentos que se uniriam aos roqueiros dos anos 1980 para pedir mais liberdade e falar sobre tudo o que se tinha vontade após a ditadura militar: O Rappa, Charlie Brown Jr., Skank, Los Hermanos, Raimundos e outros.
Pausa para a brisa do repórter
Se você começou essa leitura esperando ler sobre a história do Planet Hemp e histórias curiosas, calma que vem aí.
Mas peço licença, especialmente ao leitor mais jovem, para dizer que os caras dessa banda são muito mais do que maconheiros que fazem um puta som. Sim, eles são maconheiros que tocam um baita som, mas o barulho deles vai além.
Para quem foi adolescente nos anos 1990, esses caras formaram a banda que não demonstrava ter medo. Ter a experiência de um show desses malucos não era pegar fila de uma hora para ter cinco minutos de passeio em uma roda gigante como os festivais de hoje.
O rolê era perigoso.
No Jardim Ângela, periferia de São Paulo, eu ouvia na 89 FM, a rádio rock, os sons da banda com vocais de rap e pensava: “Caramba, eles perguntaram na letra o que uma erva natural pode prejudicar. Sem rodeios. Sem firulas. Direto. A pergunta é tão direta que é capaz dos meus pais pensarem na resposta.”
Também me chamava a atenção que a banda maconheira era formada por caras de origem mais simples. Me identificava com o corre de quem vendia camisetas na rua.
Se não bastasse o discurso, o som era “chapado”, digamos. Quem já tocou o riff de “Matenha o Respeito” no violão ou na guitarra, ou simplesmente ouviu em bom volume nos fones de ouvido, sabe que a música gruda e a atmosfera fica elétrica na hora. Pow! É hora da roda!
Esses malucos destemidos nunca vão parar, eu sei. Mas boto fé que não voltarão a tocar como banda. É uma questão de palavra. Afinal, quando eu pensei que eles iriam parar de desafiar o conservadorismo da opinião pública para não acabarem presos, eles simplesmente foram presos e dobraram a aposta. Eu pensava na época: “Caramba, eles não vão se curvar e agora está todo mundo pensando nas perguntas que eles fazem.”
Eu compartilhei essas reflexões com o Sérgio Martins com quem eu divido o texto, entrevistas e pesquisa nesta reportagem. Aí ele me obrigou a escrever essa “brisa”. “Pô, Alexandre, conta desse jeitinho aí porque eles são foda e merecidamente são capa da Billboard.”
Durante o papo que tivemos com a banda, a conversa entre o Sérgio e a banda eram falas de velhos combatentes, que se conhecem, e têm tantas histórias de luta, que não era necessário dizer muito. Esses “jovens senhores” sabem que a missão Planet Hemp foi cumprida e agora dá para buscar novos limites para serem desafiados.
Por isso, amigo leitor (a), saiba que esse texto foi escrito por alguém que tem orgulho de contar a história da “banda sem medo”.
Não estou só. Veja o que Apollo Nove e Ganjaman sentem ao falar do grupo.
Passa o beque
O produtor e tecladista Apollo Nove explica a importância da banda.
“O Planet Hemp é um fenômeno primeiramente pela energia das pessoas da banda. Vindo de São Paulo, era surpreendente para mim ver a liberdade que eles tinham (e têm) ao criar e exercer a sua arte, numa época em que as bandas paulistas eram cheias de fórmulas e regras. Muito mais do que uma busca pelo sucesso, é uma busca pela expressão e pela representatividade. E por diversão, lógico”, diz Apollo Nove.

Apollo teve participação mais intensa entre 1995 e 1997, mas sempre esteve por perto e participou de todos os álbuns, com exceção do primeiro .
“Acho a importância do Planet Hemp inestimável no cenário nacional. É só ver quantos artistas incríveis surgiram da cena por conta da banda: Marcelo D2, BNegão, Black Alien, Seu Jorge, o Dj Zegon que hoje tem o Tropkillaz e eu mesmo”, explica Apollo.
O Planet Hemp tornou-se referência e mostra o seu legado presente no som catártico dos amigos do BaianaSystem e do discurso pancada do Black Pantera. A banda que vai encerrar as atividades sabe que sempre terá projetos em comum e dá risada com a sugestão do repórter para criarem um Hemp Festival. “Quem sabe?”, diz BNegão.
“Eu também falo como fã da banda. É difícil explicar o quanto o Planet me pegou na época que surgiu. E o tanto que chamou a atenção de geral o discurso afiado e também a parte musical sempre com novidade, sem se limitar ao que estava acontecendo ao redor. Hoje em dia a gente vê que tem algo muito padronizado na música que vem sendo feita no sentido de reproduzir padrões, né? Mas o Planet já no começo trazia no seu mosaico algo muito doido e novo, nesse lugar de autenticidade”, explica Daniel Ganjaman, produtor musical que assume uma das guitarras nesta última turnê.
Ganjaman foi inspirado pela diversidade de som e discurso do Planet Hemp até ele próprio se tornar um membro. Ele é apenas um dos exemplos de como contar a história da banda de maconheiros mais famosa do Brasil também é falar sobre uma grande trajetória de encontros e desencontros.
Hemp Family
Antes de relembrar todo o percurso é preciso ser dito que o Planet Hemp está em alta – e tem plena consciência disso.
Em 2023, o grupo conquistou um Grammy Latino pelo álbum “Jardineiros”, na categoria de Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa. O trabalho ainda rendeu o prêmio de Melhor Interpretação Urbana em Língua Portuguesa para a música “Distopia”, parceria com o rapper Criolo.
“A gente vai terminar enquanto a gente ainda se quer, tá ligado? Antes de sair uma porrada, antes que a gente fique puto com o outro”, explica D2 que já disse também que prefere preservar a amizade de anos com os companheiros de vida.
Esse espírito de parceria não se restringe apenas aos integrantes do Planet Hemp. Ele se expande para um círculo maior de músicos, batizado de Hemp Family.
“A gente chamou de Hemp Family lá atrás. Originalmente o grupão era o The Funk Fuckers (banda do BNegão), o Planet Hemp e Speed Freaks, que era a banda com o Speed, Black Alien e DJ Rodrigues. Depois veio O Rappa, Chico Science e a Nação Zumbi, o Farofa Carioca”, conta BNegão.
Hoje essa grande família de artistas que trabalham quase como um coletivo tem ainda mais nomes. A grande celebração da Family Hemp aconteceu no show “Baseado em Fatos Reais: 30 Anos de Fumaça” no Espaço Unimed, em São Paulo, em julho de 2024. A apresentação contou com as participações de Pitty, Seu Jorge, Criolo, Emicida, além da emocionante participação de Black Alien, um dos membros históricos do Planet, que emocionou o público.
São tantos artistas ligados à banda que algumas participações especiais o público até esquece que já aconteceram. É o caso do Seu Jorge.
“Eu tinha acabado de sair do Farofa Carioca. O Marcelo me chamou para tocar percussão. Lembro que na primeira semana eu consegui pagar todos os aluguéis atrasados”, conta o Seu Jorge no documentário “Baseado em Fatos Reais”
O produtor e multi-instrumentista Alexandre Basa explica como foi a sua passagem com a banda.
“Fazer parte da Hemp Family era entrar para um movimento. Mais que uma banda, era uma comunidade criativa que reunia ideias, talentos e atitudes.”
Dichavando
A história do Planet Hemp nasce no subúrbio carioca de Marcelo Maldonado Gomes Peixoto, o Marcelo D2. O Rio contribuiu definitivamente para formar o artista versátil que ele é.
“No subúrbio era muita informação em um mundo completamente diferente. Então, você tinha que sair na rua e falar com as pessoas, sabe? Não tinha DM, Instagram, WhatsApp. Não tinha nem telefone, tá ligado?”, explica D2.
Esse mundo totalmente diferente do atual mundo conectado misturava tribos como quem coloca catchup na pizza. Metaleiros, rappers, skatistas frequentavam os mesmos rolês no Rio de Janeiro. A troca real, olho no olho, inspirava um certo “ar lúdico” como lembra D2.

Ele explica do que se tratavam as ideias da época.
“Tinha um olhar assim que, porra, cara, agora acabou a ditadura. Agora o Brasil vai, tá ligado? Então, tinha uma coisa de pensar que vamos fazer parte da mudança. No Catete, conheci os Skunk, o Bernardo, o Speed e o Black Alien, tá ligado? E juntos a gente foi sentindo essa música de protesto que vem de Racionais MCs, Bezerra da Silva, Itamar Assumpção, DeFalla.”
E das muitas mentes jovens querendo mudar o status das coisas, criar músicas de protesto e ligado nas tendências do mundo, o mais visionário era um garoto negro chamado Luís Antônio da Silva Machado, o Skunk. Bem relacionado com as diferentes cenas do Rio, ele foi o principal articulador do começo do Planet Hemp e o amigo fundamental na vida do D2.
O apelido Skunk surgiu quando Luís foi a um evento punk e fez um moicano, mas como teria que trabalhar na manhã seguinte, ele raspou completamente o cabelo logo após a festa. Os amigos tiraram uma onda dizendo que em um dia ele era skin (careca skinhead) e no outro era punk com moicano. Por isso, o Skunk.
Aliás, a ideia de banda veio depois. No começo, o plano de Skunk era ter um dupla de rap com D2, mas eles não tinham equipamentos.
D2 tinha 20 e poucos anos e já era pai de Stephan quando conheceu Skunk. Ele trabalhava como camelô vendendo camisetas de rock na Praça 13 de Maio, no centro do Rio de Janeiro, e em frente de casas noturnas.
Em 1992, D2 estava andando pelo bairro do Catete vestindo uma camiseta do Dead Kennedys. Quando Skunk avistou D2 na rua, ele disse: “Aí… você gosta de Dead Kennedys? Então toma essa fita aqui. Amanhã você me devolve.”
Era uma fita cassete do Dread Flintstones. Daí em diante eles se tornaram melhores amigos.
Bolando
Era para a banda se chamar Planeta Maconha, mas Skunk convenceu D2 que um nome tão evidente faria com que eles fossem presos em poucos meses. Após ler a palavra Planet Hemp na revista norte-americana “High Times”, especializada em cannabicultura, ele decidiu o nome do projeto.
No entanto, o nome em inglês pouco amenizou o tema e o choque que causava nas pessoas à época.
Como não tinham dinheiro para equipamentos, D2 e Skunk convocaram para a missão Planet Hemp as lendas dos rolês cariocas: o baixista Joel de Oliveira Júnior, o Formigão, o talentoso guitarrista Rafael Crespo e Wagner José Duarte Ferreira, o Bacalhau, para assumir as baquetas da bateria.
Em 1993, já na primeira fita-demo, as oito faixas falavam da descriminalização da maconha. Tudo a partir daí aconteceu muito rápido. Muitos shows marcados, viagens. O sonho suburbano começava a tomar forma. Quem diria que num curto espaço de tempo o som cheio de misturas e as letras sobre maconha conquistaria tantos fãs e, na mesma proporção, tantos inimigos?
Apertando
Infelizmente, o tempo foi cruel e passou mais rápido do que deveria.
Skunk morreu em 1994, vítima da Aids. Apesar de ter emagrecido bastante e das tosses, poucos sabiam da doença. Marcelo D2 ainda tem dificuldade de lembrar e dizer se no fundo ele sabia e estava em negação ou se realmente não percebeu o amigo indo embora, diante dos seus olhos em meio a conquista do sonho dos dois.
Para substituí-lo, um outro amigo, o rapper e guitarrista Bernardo Santos, o BNegão, entrou na banda. Um ano depois da morte de Skunk, o Planet Hemp lançou o primeiro álbum, “Usuário”, dedicado ao membro que partiu. Todas as faixas da primeira fita-demo entraram no disco, à exceção de “Rappers Reais”.

Na estreia em estúdio da banda, além dos membros já citados, o Planet Hemp contou com o DJ Rodrigues (turntables).
BNegão lembra com saudade do amigo Skunk e como foi o primeiro encontro peculiar com D2. A dupla original de vocalistas do Planet Hemp foi assistir a estreia do The Funk Fuckers, banda do BNegão, no Circo Voador. Para entrar, Skunk chamou o BNegão na grade da casa de show para pedir ingresso.
“Ei, Bernardo. Como a gente vai entrar? Pô, vou ter que pular? A propósito, esse é meu amigo Marcelo que canta comigo no Planet Hemp”, disse Skunk.
Durante o papo com a Billboard Brasil, BNegão chamou a atenção para um detalhe importante sobre esse primeiro encontro com D2.
“Ou seja, eu e o Marcelo nos conhecemos atrás das grades, acredita? Alguma coisa já anunciava”, reflete entre risadas BNegão.

“O ideal que a gente tem de banda, tem muito dele, né? Trinta anos depois e ele segue muito presente, sabe? Ainda tenho ele muito próximo comigo, tá ligado? É louco acordar e pensar: ‘Preciso falar com o Skunk…’, conta emocionado D2, enquanto segura no colo a filha Maria Isabel, a Bebel. Nascida em 2021, ela é fruto do seu casamento com a produtora Luiza Machado.

Minas Hemp
O jornalista Pedro de Luna escreveu a biografia “Planet Hemp: mantenha o respeito” (Belas-Letras) e comenta como eram os shows no começo da trajetória. “Mesmo com todas as misturas sonoras do Planet, o show era moldado na atitude hardcore, muitas rodas de rock, muitos homens e poucas mulheres”, conta.
No entanto, o biógrafo cita três mulheres que foram importantes na história do Planet Hemp: a madrasta do Skunk, Fátima, a produtora Elza Cohen e a fotógrafa Daniela Dacorso.
Madrasta do Skunk, Fátima apoiou Marcelo D2, que sentiu muito a perda do amigo. Ela foi determinante para convencer Marcelo e Bernardo a continuar com a banda e seguir com o sonho que Skunk batalhou para acontecer.
Daniela Dacorso fez as primeiras fotos de divulgação da banda. Em seu Instagram, em 2024, ela fez o seguinte relato após os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecerem o entendimento de que o porte de maconha para consumo pessoal não configura crime. Foi estabelecido o parâmetro de 40g para diferenciar usuários de traficantes.
“O ano era 1995 ( eu acho). Eu começava a me aventurar nas artes, fotografando os amigos e suas mil e uma bandas de punk rock da nossa lendária turma que se encontrava, toda noite, no Bar do Julio no Estação Botafogo. Skunk também era da turma e o Planet Hemp estava só começando. Fizemos uma sessão de fotos histórica: O artista Victor Rafael (na época, meu parceiro no amor e no crime) pintou um painel gigante com centenas de folhas de maconha, e projetamos a imagem nos meninos. Em slide!!!!”, relembra Dani Dacorso.
Como a gente iria imaginar que essa banda seria uma das mais importantes do rock brasileiro e que a maconha iria ser descriminalizada pelo STF. A vida é mesmo louca (…) São 30 anos (e contando) de Planet Hemp”

Já a produtora Elza Cohen fazia um festival chamado SuperDemo que revelava novas bandas. As gravadoras corriam atrás de Elza para que ela fosse “olheira” de novos artistas. Mas, muito além de exercer esse papel, ela queria propor que o festival se tornasse um selo.
“Minha ideia era conquistar contratos melhores para os artistas. Naquela época, os contratos eram muito ruins. Todos queriam estar na gravadora grande porque era o único caminho quase. Ser independente era muito difícil naquela época”, conta Elza.
Para materializar seu plano, ela teria que descobrir novos artistas com muito impacto. Ela foi apresentada para Marcelo D2 e Skunk e pediu uma fita para ouvi-los. “Eles gravaram uma fita bem tosca, mas quando escutei a fita, eu pirei. Pensei: ‘Tem que ser essa banda. Vai ser difícil? Vai, mas vai ser essa banda’”, lembra Elza.

Apesar da dificuldade para combinar trabalhos com Marcelo, que na época morava na casa de diferentes pessoas por curto espaço de tempo, Elza conseguiu alguns shows para o grupo e depois acertou os ponteiros entre a banda e a Sony.
Primeiro, ela convidou a trupe de Marcelo D2 para tocar numa edição do evento no Circo Voador ao lado de Gabriel O Pensador e O Rappa.
A banda voltou mais duas vezes: em abril de 1994, no Aeroanta, em São Paulo, com outras quatro bandas. E, após um ano, o Planet lançou o primeiro disco, “Usuário”, justamente pelo selo SuperDemo/Chaos, da Sony Music, que nasceu do festival.

Foi Elza quem apresentou ao selo a banda Jorge Cabeleira, de Recife, e o Planet Hemp — e ainda atuou como uma espécie de facilitadora para Marcelo”, lembra Pedro de Luna.
Acendendo
A terceira música do disco “Usuario”, “Legalize Já” foi a primeira a ganhar clipe e grudou a imagem da banda ao debate sobre descriminalização da maconha.
A Europa vivia pequenas mudanças nas políticas de drogas, mas no Brasil, a lei em vigor, que foi criada em 1976, conhecida como lei de tóxicos,determinava prisão de seis meses a dois anos àqueles que fossem pegos com “substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”.
O empresário Marcelo Lobatto lembra como a banda atraia centenas de pessoas para os shows, mas ao mesmo tempo despertava grande desconfiança: “Quando os Raimundos estouraram, em 1994, todo mundo queria um Raimundos para si. A Sony não botava fé no Planet Hemp. Eles não entendiam como a banda poderia fazer sucesso. A polícia era um problemaço. Toda vez que a gente chegava na cidade tinha uma blitz esperando pela gente”, conta.
Não há registro de banda brasileira que tenha levado tanta porrada igual o Planet Hemp. O primeiro clipe “Legalize Já” mostrava pessoas fumando maconha. Por isso, o vídeo teve sua exibição na TV proibida antes das 23 horas.
Em 1997, a banda lançou o segundo álbum, “Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para” e se consolidou como uma das maiores bandas de rock do país.
“Recebi o convite do Marcelo D2 para uma session e entrei no estúdio encontrando Apollo Nove e Mario Caldato Jr., aí tudo se transformou em algo histórico. Assim que lancei uns riffs de sax, o Apollo Nove veio junto no Hammond. De repente, vi o Mario levantar da cadeira da sala técnica, erguer a mão e soltar um seco: ‘That’s it.’ Esse instante definiu a gravação. Foi ali que entendi que a música tinha virado eternidade”, disse Alexandre Basa sobre a gravação do segundo disco do Planet Hemp.
O sucesso do discurso da legalização da maconha chamou ainda mais a atenção das autoridades. A turnê se tornou uma mistura de shows, prestação de contas a todo momento e fugas.
“O Planet Hemp tem de ser tratado como uma raridade no antiquário. Quando eu ia conversar com o juiz e/ou delegado e a gente conseguia a liberação, era uma alegria só. Eu dizia para os oficiais liberarem o público para evitar um mal maior. A Astrid Fontenelle disse que tomou três gerais no carro até chegar ao local do show”, lembra Lobatto.
Na revista Piauí, Marcelo D2 definiu a tensão que a banda estava vivendo: “De um lado, os fãs sofriam com a violência policial no meio dos shows. Do outro, os caras nos atacavam no bolso. Era muito comum cancelarem nossas apresentações por medo da repressão”, comentou à época.
Em 1997, antes da prisão em Brasília, a banda prestou depoimento em Belo Horizonte para esclarecer as falas no palco e as letras.
“Um dia antes da prisão em Brasília a gente tinha ido parar na delegacia. Aí eu pedi umas pizzas na delegacia enquanto a gente estava lá para averiguação. Os policiais ficaram putos”, lembra D2.
O Planet Hemp foi preso em 8 de novembro de 1997, durante um show no Minas Tênis Clube, em Brasília, sob alegação de “apologia à maconha”. Marcelo D2, Black Alien, Formigão e Zé Gonzales foram levados para o Complexo Penitenciário da Papuda.
Todos os meios de comunicação falaram amplamente do caso. O lamentável ocorrido, no entanto, fez a banda ser conhecida por novos públicos.

O empresário Marcelo Lobatto contratou o advogado Nabor Bulhões para defender o grupo. Bulhões ficou famoso por ter defendido o empresário Paulo César Farias, chefe da campanha de eleição do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello e por seu envolvimento no escândalo de corrupção.
PC foi acusado de formação de quadrilha e extorsão, além do uso de cargo ou função para obter vantagens. As acusações contra PC envolveram o próprio presidente da República. Collor foi acusado de ter recebido dinheiro de PC Farias para favorecer empresas.
Após cinco dias e visitas do deputado federal Fernando Gabeira, e do senador Eduardo Suplicy, ambos favoráveis à legalização do uso recreativo da maconha, o grupo conseguiu um habeas corpus.
“A prisão é foda, mano. Eu não recomendo para ninguém não, tá?”, aconselha D2.
O Programa Livre no SBT foi o primeiro que o Planet Hemp fez aparição após sair da prisão. No entanto, D2 chegou apenas no final do programa. Por isso, tiveram que gravar um segundo para exibir no dia seguinte.
Durante o programa foi emitido o habeas-corpus que permitia a banda fazer shows sem correr novos riscos. Veja no vídeo abaixo o que D2 falou sobre a prisão
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Dê dois, mas mantenha o respeito
Alguns pontos são inegáveis no Planet Hemp. A qualidade musical de todos que participaram da banda é evidente, embora o forte discurso tenha eclipsado esse importante fator em alguns momentos.
Sempre rolou tensões e divergências musicais no caldeirão hemp. Alguém que queria mais rap ali, outro alguém que gostaria de mais rock acolá. Hoje, todos que passaram pela banda reconhecem que a mistura musical gerou algo que é reconhecível como Planet Hemp. É possível achar semelhanças com Rage Against the Machine e Cypress Hill, mas o “Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga” do Planet Hemp é do Planet. Jetinho e DNA brasileiro.
Além de ter diversos artistas com personalidade forte, parte das tensões da banda aconteciam em decorrência de momentos pilhados sob efeito de cocaína.
A brincadeira dos bastidores no começo da banda era que a “Nação Zumbi era o verdadeiro Planet Hemp por apreciar a maconha. E o Planet Hemp era a verdadeira Nação Zumbi por conta da preferência à cocaína”.
Entre idas e vindas, a longa pausa que aconteceu em 2001 por divergências entre os integrantes durou 10 anos. No período, BNegão e Marcelo D2 focaram em seus respectivos projetos solo.
“Foi legal voltar a falar com os caras depois de dez anos, porque a gente ficou dez anos sem se falar! Me mostrou um pouco também como eu tinha sido imbecil e ignorante de ficar dez anos sem falar com o BNegão. Pô, o cara é meu amigo, meu camarada… Dez anos sem falar com ele? Sabe quando você fala ‘putz, que idiota que eu sou’?”, refletiu D2 em uma entrevista para o Terra em 2013.

A atual formação do Planet Hemp que fará a tour de despedida conta com Marcelo D2 (vocal), BNegão (vocal), Formigão (baixo), Nobru (guitarra), Pedro Garcia (bateria) e Daniel Ganjaman (guitarra, baixo, teclado). No papo com a Billboard Brasil fica evidente o carinho entre velhos camaradas e o cuidado para preservar a história e o legado da banda.
“Quando perguntam: ‘Pô, mas por que vocês vão acabar agora?’, eu respondo: ‘É, cara, já teve banda?’ O cara: ‘Não’. Então pronto. É isso”, resume BNegão.
D2 lembra do começo da trajetória de Pedro Garcia com o Planet.
“Pedrinho era tão pequenininho que ele tinha que levantar os pratos de bateria assim para a gente enxergar. A gente esperou ele fazer 18 anos para entrar na banda, tá ligado? Que a gente queria que ele entrasse antes, mas falou: ‘Pô, só falta um menor agora na banda para a gente se foder de vez’”

Até a última ponta
O objetivo da banda de “cutucar a ferida” foi concluído. O Planet incomodou e tem legado na luta pela regulamentação da maconha e na liberdade de expressão.
BNegão comenta como a pauta é usada hoje, muitas vezes de maneira distorcida.
“A gente veio nessa parada brigando para ter liberdade de expressão. E aí os caras que amam a ditadura militar e que tiveram o ninho deles ali na ditadura militar estão falando agora sobre a liberdade de expressão, sabe? Tipo, querendo roubar a pauta para desvirtuar a ideia. Essa lei do Oruam criminaliza o artista.”
Ganjaman completa: ”Eles tiveram que entrar com outro tipo de argumento. Agora é associação ao crime organizado porque o papo de apologia já foi debatido com o Planet Hemp lá atrás, entendeu? E, de certa forma, ter feito aquele debate ajudou o antigo discurso a não colar mais. É ridículo porque a associação ao crime organizado no Brasil é feita de acordo com a cor da pele, local de origem, do CEP.”
“Ó, porra, assim, é meio difícil de associar ao tráfico um cara que canta, sacou? Somos todos odiados pelos mesmos de sempre”, reflete Marcelo D2.
Mesmo em sua última ponta, o Planet Hemp escancara mais uma vez como o país e o mundo têm dificuldade de debater ideias que desafiam o staus quo. O que é apologia e o que é liberdade de expressão? Como dito acima, é preciso ser destemido para fazer essas e outras perguntas que o Planet ousou “puxar e jogar no ar”.
“O Planet Hemp é a nossa utopia, não é só a catarse do público, tá ligado? É a nossa também. A utopia de um mundo melhor. O nosso discurso é baseado na utopia de um mundo melhor e na liberdade”, diz Marcelo D2 sobre o legado da banda.
Integrantes do Planet Hemp
Formação atual
- Marcelo D2: vocal (1993 – 2001, 2003, 2010, 2012 – 2016, 2018 – presente)
- Formigão: baixo (1993 – 2001, 2003, 2010, 2012 – 2016, 2018 – presente)
- BNegão: vocal (1994 – 1996, 1997 – 2001, 2003, 2010, 2012 – 2016, 2018 – presente)
- Pedro Garcia: bateria (1999 – 2001, 2003, 2010, 2012 – 2016, 2018 – presente)
- Nobru: guitarra (2015 -2016, 2018 – presente)
- Daniel Ganjaman
Ex-integrantes
- Skunk: vocal (1993 – 1994, até a sua morte)
- Bacalhau: bateria (1993 – 1998)
- Black Alien: vocal (1997 – 2001)
- Rafael Crespo: guitarra (1993 – 2013)
- Apollo Nove: teclado (1995 – 1997)
- DJ Zé Gonzales
- Seu Jorge
Veja datas e locais da turnê “A Última Ponta”
13/09 – Concha Acústica (Salvador)
20/09 – Classic Hall (Recife)
03/10 – Live Curitiba (Curitiba)
04/10 – KTO Arena (Porto Alegre)
12/10 – P12 (Florianópolis)
17/10 – Goiânia Arena (Goiânia)
18/10 – Arena BRB (Brasília)
31/10 – Befly Hall (Belo Horizonte)
08/11 – Farmasi Arena (Rio de Janeiro)
15/11 – Allianz Parque (São Paulo)
13/12 – Fundição Progresso (Rio de Janeiro)
Discografia do Planet Hemp
“Usuário” (1995)
“Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára”(1997)
“A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” (2000)
Jardineiros (2022)

Integrantes do Planet Hemp