Há canções que resistem ao tempo, atravessam gerações e permanecem vivas como se tivessem acabado de nascer. Como a música de Cássia Eller, homenageada pelo Corona Luau MTV 2025, que uniu três gerações em um tributo: Nando Reis, Céu e Os Garotin. O trio está em turnê desde o dia 30/11, emocionando quem os ouve reconstruindo os clássicos eternizados pela cantora. O que explica esse fenômeno? Seria um acorde, um refrão, o jeito de cantar? A resposta, segundo artistas e especialistas, não é única — e talvez nunca seja definitiva. Mas é justamente nesse mistério que reside a beleza da música.
Para João Marcello Bôscoli, produtor e empresário musical, há uma dimensão quase científica na forma como a música nos toca. “É incrível que a gente consegue analisar, categorizar, mas não consegue explicar por que um acorde maior dá sensação de alegria e um menor de tristeza, só alterando uma nota”, observa. Ele lembra que Pitágoras já estudava essas relações, e que a combinação entre intervalos e durações cria efeitos emocionais que escapam à lógica. “São as mesmas 12 notas, mais os cinco acidentes. E, no entanto, algumas melodias emocionam tanto. É uma coisa mágica.”
Proprietário da gravadora Trama e curador do programa “O Novo Sempre Vem”, Bôscoli também destaca a visão junguiana de que o artista é um canal do inconsciente coletivo. “A música toma o artista para si. Ele capta valores eternos — amor, amizade, saudade, glória — e devolve em forma de obra. Algumas dessas obras tocam diretamente esse inconsciente.”

Para ele, não há fórmula para criar um clássico: “Não é possível engarrafar relâmpago. É tentativa e erro, uma música se faz muito mais com borracha do que lápis.” Exemplos não faltam: Paul McCartney, Stevie Wonder, Prince, os irmãos Gershwin ou Tom Jobim, todos criaram obras que nasceram desse processo intuitivo e misterioso, sem qualquer garantia prévia de eternidade.
Já o compositor Délcio Luiz, autor de sucessos como “Meu Casamento”, “Hoje Eu Vou Pagodear”, “Gamei” e “Marrom Bombom”, acredita que o segredo está na autenticidade. “O principal é a verdade. Quando a música nasce de um sentimento real — amor, dor, saudade, alegria — ela toca de um jeito que o tempo não apaga.”
Ele lembra que refrãos marcantes ajudam, mas sem alma não há permanência. Délcio cita sua própria experiência: “Quando terminei de escrever ‘Gamei’, senti que tinha algo especial. Mas quem decide se a música vai ser eterna é o público. É quando ela continua sendo cantada anos depois, em roda de samba, em casamento, em karaokê.”
Para ele, o intérprete também pode ser decisivo. “Às vezes a composição é linda, mas é o jeito de cantar que faz ela voar. A Cássia Eller era assim. Pegava uma música e fazia dela um acontecimento.”

Sandra Jimenez, diretora de Música do YouTube para América Latina e US-Latin, reforça esse ponto ao falar de Cássia Eller. “Ela tinha o poder de pegar uma música e torná-la inteiramente sua, elevando-a a um patamar de imortalidade. Basta ver o que fez com Relicário, de Nando Reis, no Acústico MTV.”
Para Jimenez, a eternidade de uma canção depende da capacidade de emocionar e conectar-se genuinamente com as pessoas. “É uma alquimia de fatores artísticos, emocionais e culturais. Letras que abordam temas universais — amor, perda, esperança, tristeza — transcendem o tempo. Some a isso uma melodia ou refrão inesquecível, e a música se torna trilha sonora de momentos importantes, carregando peso simbólico que garante sua permanência.”
A cantora e empreendedora musical Fabi Lian, fundadora da On Stage Exp, traz outra perspectiva: o ambiente que a música cria. Para ela, não é apenas um refrão que garante a eternidade de uma canção, mas as “vozes” que se colocam nela. “Não necessariamente voz humana, mas as diferentes vozes que a gente coloca na música, os diferentes sons através do arranjo.”
Fabi cita ‘Teardrops’, do Massive Attack, ou a Nona Sinfonia de Beethoven como exemplos de músicas que atravessaram gerações. Ela descreve a experiência de assistir a um show do Massive Attack e ver jovens que não eram nascidos quando a música foi lançada cantando em uníssono. “É como se a música fosse um palácio, uma cabaninha que você queira habitar. Esse ambiente faz com que ela seja eterna.” Fabi cita ainda o Clube da Esquina como exemplo de obra que envelheceu bem, por ter criado um espaço sonoro único e inovador.
O que faz uma música ser eterna, portanto, não se resume a um único fator. Há a matemática invisível dos acordes, a verdade emocional das letras, a força da interpretação e o ambiente sonoro que acolhe. Mas, acima de tudo, há o mistério. Como lembra João Marcello Bôscoli, “depois que o negócio está pronto é fácil explicar, mas é uma mágica”. Talvez seja justamente essa impossibilidade de engarrafar o relâmpago que mantém a música viva. Porque, no fim, uma canção só se torna eterna quando deixa de pertencer ao artista e passa a ser parte da vida de todos nós.
Turnê Corona Luau MTV – Tributo a Cássia Eller
Artistas: Nando Reis, Céu e Os Garotin
Rio de Janeiro (RJ): dom, 14/12, 17h30
Museu do Amanhã
São Paulo (SP): dom, 21/12, 17h30
Parque Ibirapuera
Ingressos: Eventin (https://www.eventim.com.br/artist/corona-luau-mtv/)








