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Mestrinho se tornou referência no pop, mas está cansado das demandas

Mestrinho se tornou referência no pop, mas está cansado das demandas

Consagrado ainda na barriga da mãe, ele analisa os efeitos de 'Dominguinho'

Mestrinho está “um pouquinho cansado”.

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Karol Conká

Suas movimentações nos festejos de São João foram, como sempre, agitadas: dois shows por noite no auge da festa do fole. Esse desgaste, porém, vai além do esforço físico, do movimento que sufoca gentil a sanfona — pelos quais Mestrinho já era amplamente reconhecido no mundo musical. É um cansaço diferente, até chique. Mestrinho famoso. Portanto, “um pouquinho exausto” da rebordosa da fama.

“É muita gente. É imprensa que só a gota serena”, relata, usando sua voz funda, que parece que vem, assim, do centro do corpo. A miudeza desta mudança de lugar na música brasileira decorre do lançamento de “Dominguinho”, disco que surge da cabeça de João Gomes, este ícone maior do forró e do pop brasileiro — a eles se juntou o cantor, compositor e violonista osasquense Jota.pê.

Você provavelmente notou essa ascensão midiática.

De repente, desde abril deste ano, era abrir os stories do Instagram ou petelecar o TikTok para esbarrar com alguma faixa de “Dominguinho” ilustrando fotos de viagem, sorrisos de casais, abraços de amigos. E quando artistas com fôlego biográfico — e obras já presentes nas bases de uma tal MPB — viralizam, é curioso observá-los falando do solapão aplicado pelo destino. João Gomes, por exemplo, contou que voltou a tocar na região sul do país — e o fato o emocionava como nordestino, visto que seu ritmo, o piseiro, não é dos mais populares pelos pampas.

Para um trabalhador da sanfona como Mestrinho, a imagem que lhe vem à cabeça era todo o povo cantando as canções do álbum nos shows de São João que fez. Perceba que o sentimento vai além de ser um artista se emocionando com a cantoria: é também sobre ver as canções no mesmo imaginário popular em que estão clássicos que ele, normalmente, é chamado para representar nos palcos de São João que faz pela vida —canções do repertório que também são de sua biografia como tocador, aprendiz e amigo de Dominguinhos.

Foi marcante tocar na minha terra, Sergipe, Aracaju. Teve meu pai que participou do show”, recobra. Fazia muito tempo que ele e o pai não dividiam o palco. Seu Erivaldo e dona Dina Nogueira foram responsáveis pelo primeiro palco de Mestrinho — o palco da autoconfiança e do respeito pelo sonho dos filhos. Do pai, ganhou a amizade de Dominguinhos e o nome Erivaldo; da mãe, uma apaixonada por sanfona, o nome artístico e um destino.

“Para mim, o que vale não é essa fama fútil. Foi isso o que eu aprendi com Dominguinhos.”

Poderíamos falar de várias formas que o destino apregoa peças. O álbum nasce quando um aperreado João Gomes vê sua banda entrar de férias. Sem o que fazer, ele resolve montar o projeto. Abriu um grupo no zap, chamou Mestrinho e Jota.pê, enviou alguns arquivos e decidiu o dia da gravação. O sanfoneiro, por exemplo, só soube que “Dominguinho” ia ser um álbum creditado em seu nome quando sentou-se para tocar com João e Jota.

“A gente gravou algumas músicas que eu nem lembrava mais o arranjo. Então, muitas coisas eu inventei na hora, eu fui lembrando pois sabia da música, mas eu não tinha ouvido tanto. E aí chegou lá no dia da gravação, o João falou que ia ser um trabalho nosso e queria que nós cantássemos também”.

Mas, peraí, vamos voltar. Um pequeno parênteses é necessário para falarmos de nomes e apelidos. Primeiro, o de Mestrinho:

(Esse apelido vem de uma discussão de casal entre Dina e Erivaldo. Espetada pelo gênio de Erivaldo, Dina subiu a aposta. “Você se acha o sanfoneiro, né? Pois. Eu também entendo de sanfona. Deixa só eu ter um filho sanfoneiro. Vou ter um que vai botar você no bolso. Quero ver você ficar se achando assim!”. Então, em 1988, nasce Erivaldo Júnior Alves de Oliveira, o Mestrinho)

Ah, o destino. Como não fosse o bastante, a história de Mestrinho também pode ser contada pelas lentes de Dominguinhos, este que empresta quase todas as letras do nome para o título do álbum. Um dos maiores artistas do Brasil, era também um poço de gentileza. Fez emergir um sem número de artistas, todos gratos pela generosidade que carregava junto à sanfona. “Posso levar minha sanfona para dar uma canjinha?’, era a pergunta que Mestrinho fazia sempre ao mestre.

“Traga, traga, vai ser bom demais”, respondia Dominguinhos. Um dia, foi o contrário: Dominguinhos estava a uma hora de subir ao palco para gravar um show e avistou Mestrinho. “Trouxe a sanfona?”, perguntou. Mestrinho não havia levado, pois uma autocrítica fê-lo noiar, fazendo-no um chato, entrão, bicão, enchedor do saco do ídolo. Mas a alegria do convite fez com que mentisse e dissesse que, sim, a sanfona estava por perto, claro! Não estava: meteu-se em um carro, voltou em casa e buscou a bichona. Subiu ao palco na primeira música e só saiu na última.

Conexão com o popular e uma ‘badzinha’

Quando perguntado sobre o impacto desse álbum em sua vida, ele fala sobre uma conexão com o popular. Como “Dominguinho” é ideia que veio das nostalgias de João Gomes, o álbum  é curtido nas fronteiras de Pernambuco com a Bahia, onde viveu o cantor. Por isso, o repertório tem, “Flor de Flamboyant (Estrela da Manhã)” do cantor e compositor alagoano Kara Véia (1973-2004) e “Pontes Indestrutíveis”, dos santistas skatistas Charlie Brown Jr.. Mas também sucessos do piseiro e brega, como “Arriadin por Tu”, que João anteriormente gravou com Vaqueiro ou “Some ou Assume”, dos sergipanos do Unha Pintada.

“Eu sempre fui um admirador de música, mas nunca parava para ouvir quem está em ascensão. O álbum me trouxe isso e uma conexão com o João Gomes também, que tem um poder absurdo de popularidade. E eu tenho me percebido nesse lugar, né?”, analisa.

Mas, depois, bate uma bad. “É um pouco difícil de lidar. É muita energia — independentemente de boas ou ruins. Mas, carregadas, entendeu? Muita gente em volta. Muita demanda mesmo. Tem dias que eu me percebo um pouco sobrecarregado, um pouco triste, aí eu tenho que tentar ver o que é que está acontecendo, enfim”, diz, metendo o “enfim” como se quisesse poupar o repórter do peso da conversa.

“Eu vivia muito lá trás”, ele reflete. Ele entende que o tempo no palco o tirou um pouco do frescor das novidades, enfiado que estava (e sempre esteve) na missão de fazer os clássicos e lados-b do forró que amava soarem de um “jeito Mestrinho”. Foi assim que, pouco a pouco, ele angariou a popularidade que mantinha até o boom de “Dominguinho”. Quando foi gravar “Mete um Block Nele”, se admirou com a canção. “Nossa, João, que música boa”, disse ingenuamente ao amigo. Quando foi olhar no YouTube, se assustou com os mais de 150 milhões de visualizações que ela tem. “Agora, eu vejo que peguei a minha essência e estou com ela transitando no mundo de hoje, ouvindo artistas mais novos. E está me fazendo muito bem.”

Ele gosta de meditar no sucesso que está vivendo.

“Minha ambição é fazer com que a música se aprofunde e me aprofundar mais cada vez mais na música. Ver pessoas sendo curadas. Números me deixam feliz, mas porque sei que mais pessoas vão ouvir, se emocionar e ter discernimento para resolver seus problemas”

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