Quando Madonna encerrou sua “Celebration Tour” em Copacabana em maio de 2024, o mundo testemunhou um fenômeno extraordinário: mais de 1,6 milhão de pessoas reunidas em uma praia para celebrar o legado da artista. Quase um ano depois, quando Lady Gaga anunciou que seguiria os passos da Rainha do Pop com seu próprio megashow no mesmo local, a pergunta que ecoou na imprensa internacional não foi “por que o Brasil?”, mas “o que torna o Brasil o palco perfeito para eventos desta magnitude?”.
A resposta a esta pergunta revela muito sobre a identidade brasileira e um potencial ainda sub-explorado do país. Os shows de Madonna e Lady Gaga, amplamente noticiados pela mídia internacional principalmente por seus recordes de público, não foram anomalias, mas a expressão de uma característica profundamente enraizada na cultura brasileira: a capacidade singular de reunir multidões em celebrações que transcendem o mero entretenimento e se transformam em experiências coletivas memoráveis.
Os shows de Copacabana, demonstram também nossa capacidade de aliar iniciativa privada, poder público e participação popular em eventos de grande escala. A segurança eficiente e a organização geral impressionaram observadores internacionais, desafiando estereótipos sobre nossa capacidade organizacional.
Talento brasileiro para shows
A habilidade brasileira de organizar e abraçar eventos de massa não surge do acaso. Nossa formação histórica como nação miscigenada criou uma sociedade naturalmente aberta a diferentes expressões culturais. O brasileiro desenvolveu, ao longo dos séculos, uma relação especial com o espaço público, transformando ruas, praias e praças em extensões naturais da vida comunitária.
Esta vocação para grandes eventos se manifesta em diversas outras celebrações nacionais. A mesma praia de Copacabana atrai anualmente cerca de 2 milhões de pessoas em sua festa de Réveillon. A Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, com seus mais de 3 milhões de participantes anuais, é reconhecida como a maior do mundo. O Carnaval de rua, em suas múltiplas expressões regionais, reuniu em 2025 milhões de pessoas em cidades como Rio de Janeiro (6,8 milhões de foliões), Salvador (7,5 milhões) e São Paulo (16,5 milhões) distribuídos em centenas de trios e blocos.
Manifestações de cunho religioso também mobilizam multidões comparáveis como o Círio de Nazaré em Belém, a Lavagem do Bonfim em Salvador e a Marcha para Jesus em São Paulo, todas com cerca de 2 milhões de fiéis.
As festas juninas no Nordeste, especialmente em cidades como Campina Grande e Caruaru, transformam o mês de junho em uma celebração contínua que atrai milhões de visitantes. O “Maior São João do Mundo” em Campina Grande não carrega este título por acaso: a celebração entrou para o Guinness Book como a maior festa junina do planeta com seus mais de 3 milhões de participantes.
O que torna este fenômeno ainda mais notável é sua raridade no contexto global. Enquanto outros países do Sul global também possuem grandes celebrações populares, como o
Carnaval de Barranquilla na Colômbia ou o Festival de Diwali na Índia, nenhum apresenta a frequência, diversidade e escala dos eventos brasileiros. No Norte global, mesmo grandes celebrações como o Notting Hill Carnival em Londres ou as festividades de Ano Novo em Times Square raramente ultrapassam a marca de um milhão de participantes.
Esta capacidade única representa um diferencial estratégico ainda subaproveitado pelo Brasil no cenário internacional e com potencial econômico imenso. Em um mundo cada vez mais digitalizado e individualista, a habilidade brasileira de criar e sustentar experiências compartilhadas em larga escala representa não apenas um diferencial cultural, mas também um valioso patrimônio imaterial. Esta capacidade de reunir milhões de pessoas em celebrações pacíficas, diversas e inclusivas poderia – e deveria – ser estrategicamente posicionada como a verdadeira marca do Brasil para o mundo.
Os shows de Madonna e Lady Gaga em Copacabana não são apenas eventos isolados, mas manifestações de uma característica profundamente brasileira: somos, por excelência, o país dos grandes eventos. Reconhecer, valorizar e estrategicamente posicionar esta vocação singular pode transformar a percepção global do Brasil, estimulando a consolidação de uma imagem autêntica e positiva de um povo que domina como nenhum outro a arte de celebrar a vida coletivamente.
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Head de Brand Experience e Patrocínios do Itaú, Rodrigo Montesano esteve à frente de ações como Madonna em Copacabana, Xou da Xuxa no Rock in Rio e o inédito patrocínio ao SXSW. Com mais de 20 anos de carreira, é também DJ e leva sua paixão por experiências para dentro e fora dos palcos.