Iggy Pop comprova, em masterclass sobre punk, que nunca foi idiota
Cantor foi destaque do palco The One do The Town
Iggy Pop nunca perde uma viagem. Quando sobe ao palco é pra mudar a vida das pessoas, quer elas queiram ou não. Tem sido assim desde o final dos anos 1960, quando começou com os Stooges. E neste final de domingo (7), no palco The One no The Town, não foi diferente.
Escalado como um dos headliners no dia mais rocker do festival, Iggy veio com o peso e a crueza de seu pós-punk de sempre, mas ano a ano adicionando a ele novas camadas de tapas na cara da society.
Já a segunda música, “Raw Power” (Stooges, 1973), botou a pista para ensaiar um tímido pogo (dança punk). Ele, no palco, sem camisa e com a lendária calça de couro, segue aos 78 anos sendo um símbolo de liberdade, rebeldia e contracultura.
Na plateia, fãs de faixa etária variando de crianças a sexagenários denotam a importância desse ícone ageless, como diria a minha amiga Sílvia Ruiz.
Felizão, ele pediu pras luzes serem acesas pra que pudesse ver as pessoas. “Estou perdido, vocês me pegam?”, disse antes de soltar o hit “Passenger”.
O comandante da festa punk cantou sobre o coral de la-la-las da multidão. Sua voz grave segue no timbre dos discos, por vezes relutante em chegar nas notas mais agudas. Mas isso não importa.
Com tanta estrada e bagagem, esse poço de coolness canta e rebola com o maior tesão pela vida. Sim, eu traduzi ao pé da letra a música que ele entregou na sequência: “Sou só um cara moderno. Tenho tesão pela vida”, cantou “Lust for Life” olhando firme para a plateia.
Ele que já passou por tantos julgamentos: seria ele apenas um casinho de David Bowie, um drogado com sorte de fazer música, um punk inimigo dos bons costumes? Já foram tantos labels que ele tirou de letra que, para os comentários etaristas de hoje em dia, ele realmente ligou o botão de foda-se.
Claro que o corpo não é de um jovem Iggy que em 1977 lançou o disco icônico de sua carreira, “The Idiot”, uma obra-prima punk sarcástica produzida por David Bowie na fase em que ambos moravam em Berlim.
Mas o corpo, esse valioso invólucro da alma, segue servindo lindamente para guiar as estripulias de Iggy pelo palco.
A cada nova pedrada da carreira, o público ia se deliciando com a masterclass de punk rock que estava presenciando. “Agora eu quero ser o seu cachorro”, cantou na desesperada “I Wanna Be Your Dog”. Um hino.
Talvez a forma física atual — devido a uma lesão maltratada em 2018, ele teve encurtamento de uma das pernas — até o impeça de algumas façanhas, como seus temidos moshes do palco, coisa que presenciei (e morri de medo, confesso) em seu primeiro show em São Paulo, em 1988, no Projeto SP.
Fato é que Iggy continua lindo, cool, potente e a quintessência da figura rocker que tantos almejam e nunca vão conseguir atingir, aos 78 anos. O “idiota” no caso nunca foi ele.
A vida pode ser eterna e cheia de vigor para quem vive de verdade, como Iggy Pop. Sem se esconder ou muito menos sentar em cima de pilhas de dinheiro — ele é um dos maiores filantropos do rock, faz silenciosamente constantes doações para hospitais e instituições que cuidam de crianças e idosos.
“Toda noite quando vou dormir eu penso em pecados”, disse nosso phD em vida loca e sem culpa antes de cantar “Weird Sins”, outra joia escrita em 1977 — assim como “Lust for Life” e “Passenger”.
Ele se despediu do The Town cantando “Louie, Louie, I Gotta Go Now” e se despediu, jogando beijos e acenos. Um show perfeito e sem defeitos para fazer todo mundo voltar pra casa com muito tesão pela vida.
Veja fotos do show de Iggy Pop no The Town














