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Etarismo na música: como o Brasil esquece seus talentos ‘não jovens’

Etarismo na música: como o Brasil esquece seus talentos ‘não jovens’

Etarismo na música (Foto: Unsplash)

“Tenho 30 anos de carreira e me sinto um artista novo todo dia”. Falei essa frase despojadamente numa mesa de conversa e sobre ela me veio um fio que puxei pra discutir um assunto que vai se ampliar como pauta daqui pra frente: o etarismo.

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Se na sociedade no geral ter uma idade avançada para atuar, conseguir vagas em empregos e afins já é uma dificuldade, na música o problema se amplia ainda mais. Cabe uma reflexão para notarmos o quanto de energia e conhecimento jogamos fora “esquecendo” nossos artistas “não jovens”.

Vou separar em dois momentos essa análise. 

Do ponto de vista mercadológico, a procura pelo super novo, pelo hype do momento, quase nunca encontra gente mais velha nessa equação. Muito mais por uma questão estética/física do que por um desenvolvimento da música que está sendo produzida em si (em qualquer estilo). É um movimento naturalizado mas um tanto quanto perverso e preguiçoso, como se uma pessoa mais velha não pudesse ser admirada, consumida ou descoberta numa fase em que sua música com certeza já estaria muito mais desenvolvida e maturada.

Parece uma lógica fadada ao fracasso ou um pedido de atenção desesperado esse tipo de pensata, mas o que a gente vê em ambiente de gente muito jovem, como no tiktok por exemplo, são canções antigas sendo consumidas como novas e carreiras de artistas tendo uma “nova chance” por conta desse movimento. Se formos partir para o lineup dos super festivais, quem tem ajudado a garantir público nas grandes arenas são artistas decanos de todos os estilos, capazes de arrastar gente de todas as idades. 

Mas na hora de apostar numa novidade a gente vê pouco o mercado e até a imprensa cultural destacar “jovelhos” ou “velhos” com talento ainda não descoberto. Parecem fadados a morrer no ostracismo se não furam a bolha da carreira quando jovens. Etarismo enraizado no cotidiano brasileiro.

Num outro lugar desse prisma vem os nossos mestres, pessoas que atuam na música que não são famosas ou acumularam riquezas com a atividade e já não tem como disputar espaço para ter uma carreira com a idade avançada. O que faremos com esses bambas? O estado precisa intervir e salvar esse conhecimento e principalmente replicá-lo. Reconhecer essas pessoas, pagar seus salários para que eles dêem aulas, palestras, workshops e passe os aprendizados adquiridos na carreira para gente mais jovem.

O Brasil mata a cultura quando não protege seus bambas. Desperdiçamos um acúmulo precioso que poderia nos ajudar a criar um ambiente menos hostil dentro da lógica do mercado da música no geral.

Fato é que o Brasil está ficando com sua população envelhecida de verdade num caminho sem volta, criando um séquito de consumidores ávidos que não se vê numa cantora desafinada de 18 anos cantando no autotune uma canção boba e não querem e nem merecem viver só de nostalgia. Até para “ganhar dinheiro”, precisamos deixar o etarismo de lado. A hora é agora.


Anderson Foca é ativista cultural, músico e atual a frente do Combo Cultural Dosol em Natal/RN

 

 

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